ENTREVISTA, PARTE I - Rui Borges sente-se um "privilegiado" por cometer uma proeza que poucos alcançaram: chegar às meias-finais da Taça de Portugal, onde encontrará um treinador que aprecia "pela maneira de ser".
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Onze meses depois de ter chegado a Viseu, Rui Borges entrou na história do Académico ao conseguir o apuramento inédito para as meias-finais da Taça de Portugal. O treinador de Mirandela conta quem é e traça o perfil de Sérgio Conceição, que vai defrontar a 4 e 11 de fevereiro.
Como se define enquanto treinador?
-Sou pacato, de uma cidade pequena, de gente humilde e muito chegado à minha família. Gosto de entender o jogo, perceber os jogadores, ir ao encontro deles e procuro que se sintam confortáveis.
Quais as suas principais referências?
-Não tenho grandes referências. Tirei algo de alguns treinadores, mas tento adaptar diversas coisas que vou vendo e estudando aquilo que penso para o nosso jogo. Houve treinadores que me marcaram e, como é óbvio, não fujo aos mais mediáticos e atuais, como Pep Guardiola ou José Mourinho. Acima de tudo, sou um treinador que gosta de ter bola.
O apuramento para as meias-finais da Taça é a sua maior proeza?
-Claro, para mim e para o clube, que é o mais importante. Fizemos história, estar na meia-final da Taça de Portugal não acontece todos os dias e a toda a gente. Sou um felizardo, porque acredito que não haja muitos treinadores que tenham cometido essa proeza. Mas ainda não ganhámos nada, apenas passámos uma eliminatória; estamos perto de um sonho e queremos continuar a sonhar. É fantástico sobretudo para os jogadores saírem valorizados. Fico muito feliz por eles.
Como avalia o percurso do FC Porto?
-Não está a fazer a época que provavelmente estaria à espera. É, no entanto, um Porto muito ambicioso. É isso que procuram as equipas grandes. Surgirá forte nos jogos contra o Académico porque está sedento de títulos. Os resultados não surgem como desejam, têm tido altos e baixos, mas têm sido globalmente fortes e nunca se dão por vencidos. Como estão a alguns pontos do líder do campeonato, acredito que apostem mais na Taça de Portugal, porque é um título com história, por isso virão a Viseu sedentos de vencer e tentar entrar numa fase de resultados positivos que lhes permita lutar pelo título nacional.
Sedentos, ambiciosos mas ansiosos também?
-Acredito que crie ansiedade, mas estamos a falar de jogadores profissionais ao mais alto nível. A ansiedade não os impede de demonstrar toda a sua qualidade. Não é equipa para sentir ansiedade, principalmente contra o Académico de Viseu.
Que opinião tem de Sérgio Conceição?
-Cada um tem a sua a maneira de ser. Não faltando à educação a ninguém, é um treinador mais explosivo, terra a terra. Também gosto que as pessoas sejam sinceras. Por vezes expressa-se de forma mais intensa, mas é com respeito e é a forma de ele ser. Temos de respeitar desde que exista o tal respeito mútuo. É um treinador com compromisso muito grande, é alguém que se identifica com o FC Porto, por isso é um treinador com garra e vontade de vencer enormes e é isso que passa para os jogadores. E será por isso que eles são tão sedentos de vencer e demonstram intensidade durante os jogos. Acredito que não é por mal, cada um tem o seu temperamento. Não me identifico com a maneira como por vezes se expressa, mas gosto da forma de ser dele: é direto e honesto. É verdade que, por vezes, não é a maneira mais apropriada de falar, mas acredito que não o faz por mal e é com respeito. É a maneira de ser dele.
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"Uribe trouxe intensidade e Pepe é exemplo"
Rui Borges foi extremo e médio interior e foi para esta posição que nomeou um dos mais influentes do FC Porto. "É difícil dizer quem é melhor. Gosto da intensidade que trouxe o Uribe, da qualidade técnica do Nakajima e do Otávio, jogadores que estão acima da média em termos técnicos", assumiu o treinador do Académico de Viseu, sublinhando a importância dos "homens da frente", Marega e Soares, "com características diferentes e muito bons", e sobretudo de Pepe. "É um líder, um exemplo pela forma de estar em campo e intensa com que vive o jogo e quer vencer."
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"Curso? O que nos avalia é a competência"
Na II Liga, um treinador precisa do nível III para estar no banco como principal. Rui Borges ainda só tem o nível II e aguarda pela oportunidade de tirar o curso para atingir o topo exigido.
Qual é a sua grande ambição?
-Mostrar competência. Não adianta pensar muito à frente se não mostrarmos competência. Fico feliz por ter chegado ao campeonato profissional em dois anos e meio como treinador. Tive a felicidade de o clube da minha terra, o Mirandela, ver em mim alguém capaz de liderar uma equipa. Surgiu a oportunidade da II Liga e fico muito feliz por estar no Académico. Claro que a minha ambição é chegar à I Liga, mas tudo a seu tempo e sinto-me realizado por estar neste projeto.
Na II Liga é exigido o Nível III para estar no banco como treinador principal. Ainda só tem o Nível II. Que opinião tem das críticas feitas pela Associação Nacional de Treinadores?
-Defendo o que tem sido dito por treinadores da I Liga. Os cursos, Nível III e Nível IV, não abrem muitas vezes. E infelizmente, não surge, por vezes, oportunidade de entrar toda a gente nos cursos. Só entram alguns. A mim só me compete esperar por essa oportunidade. Terei todo o gosto em tirar o curso e estou ansioso por o fazer, faz parte da nossa formação como treinador. E enquanto não tenho o curso vou mostrar a minha competência, como acontece com treinadores que estão na I Liga. O que avalia um treinador é a competência e muitos treinadores que não têm o nível exigido têm-na mostrado.
Como Rúben Amorim...
-Por exemplo. Está no clube que está e acredito que queira ter o curso, mas não há essa possibilidade. Mostrou qualidade no Casa Pia, no Braga B e agora, em pouco tempo, está a confirmar qualidade na equipa principal do Braga. Concordo com a exigência dos níveis, mas um treinador tem de mostrar, acima de tudo, competência.
Exige ao filho e aos jogadores
O que Rui Borges mais pede aos jogadores é que tenham "sempre compromisso". "Se acreditarem na nossa ideia e se tiverem esse compromisso diário, a qualidade vem ao de cima", sustenta. É, aliás, esse compromisso que vê ser praticado pelo filho, Mário Rui, médio dos juniores do Chaves. "A mensagem que lhe passo é que tem de trabalhar muito para chegar longe. Nos jovens jogadores de hoje noto alguma falta compromisso e nele, não é por ser meu filho, vejo vontade de treinar e acredito que será um bom profissional", perspetiva.
Não perca a segunda parte da entrevista:
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