Jorge Andrade, ponta-de-lança que trocou o Bessa pelas Antas no início dos anos 90, puxa a fita das recordações: o major Valentim, os churrascos na casa de “Fred” e a transferência
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Representante do Trio Maravilha no Marítimo, com Ademir e Edmilson, Jorge Andrade foi um avançado que deixou uma histórica rica em Portugal no final da década de 80 e ao longo dos anos 90, assinando 95 golos num total de seis clubes, tendo sido estrela nos Barreiros, mas também em Faro e no Bessa, conseguindo pelo Boavista chamar a atenção do FC Porto. De xadrez ao peito marcou 43 golos, saltando para as Antas em 1991/92, onde ficou aquém do pretendido, marcando dois golos em 12 jogos. Com mais um encontro entre FC Porto e Boavista em cartaz, dérbi da Invicta sem o entusiasmo de outros anos, quando a pantera tinha ferocidade para batalhar pelos primeiros lugares, fomos ao encontro de Jorge Andrade, residente em Perth, na Austrália, já há 15 anos. E surpreende-nos logo à primeira resposta, sobre o alarmante contexto que forçou uma saída de casa.
“Saí do Brasil porque fui vendo o Rio de Janeiro ficar muito violento. Num espaço de quinze dias, tive uma arma apontada à cabeça por duas vezes. Foi hora de sair, estava a precisar de um país calmo”, recorda o brasileiro.
Falar de Portugal é um exercício de sedução. As memórias aquecem, e muito, o coração. “Éramos felizes e não sabíamos. Vivi coisas excecionais. Jogar no Boavista, Marítimo ou FC Porto é o sonho para qualquer um. Consegui tudo isso”, revela. “No Boavista fiz muitos amigos, o maior deles terá sido o Major Valentim Loureiro. E discutia muito com ele! Mas era alguém que prometia e cumpria, estava sempre à nossa volta, percebia o que precisávamos”, recorda, consciente da figura carismática. “Muitos tiveram problemas com ele e não os conseguiram resolver. Comigo, não! Depois, sou obrigado a lembrar Frederico, Phil Walker e Queiró, que já não estão cá. Lembro-me de muitos churrascos em casa do ‘Fred’, nas nossas folgas. Era muito bom, consegui rever o Coelho numa visita que fiz ao Brasil. Tem lá a pousada do Coelho em Pernambuco”, relata Jorge Andrade, hoje com 61 anos, desafiado a explicar a mudança para o FC Porto, após grande época ao lado de Ademir e Marlon Brandão. E antes já tinha sido parceiro de Isaías, que brilhou no Benfica.
“Não esperava essa chance, estava para renovar pelo Boavista, mas recebi uma ligação do presidente Pinto da Costa. Falei com ele e disse que tinham de falar primeiro com o major. E disseram-me que ele já estava a par. A partir daí, ficou mais fácil e era um grande objetivo, que nunca neguei, jogar no FC Porto, porque tinha visto muitos brasileiros triunfarem. Juary, Branco e Eloy. Também me imaginava a chegar e vencer lá!”, sustenta, desfiado o duro novelo que o envolveu. “Tive um azar imenso, porque o treinador que pediu a minha chegada, o Artur Jorge, acabou por sair. Chegou o Carlos Alberto Silva, que não tinha conhecimento algum do futebol português, das épocas que eu fizera. E quem mandava era Octávio Machado. E como tive um problema com ele, isso prejudicou-me e travou a minha continuidade no clube. Mas devo dizer que saí fortalecido, mesmo tendo fracassado”, evidencia, completando. “Senti que tinha a obrigação de mostrar que aquilo havia sido apenas um acidente de percurso. Reergui-me e consegui ser muito importante a levar o Marítimo pela primeira vez na história à UEFA. Com a ajuda de todos os colegas”, realça o antigo ponta-de-lança.
“Ele soltava fogo pelas ventas!”
Abrindo a arca da saudade, espreitando álbuns que despertam memórias, Jorge Andrade recua a divertidos tempos passados na Invicta. “Uma situação engraçada aconteceu na disputa do torneio Cidade do Porto. Na decisão contra o FC Porto, fomos para penáltis e o Paulo Egídio, irmão do Nelson Bertolazzi, falhou. O FC Porto venceu o desempate e, ao voltarmos ao balneário, o Valentim Loureiro estava lá soltando fogo pelas ventas. Ele e Paulo, mais ou menos da mesma estatura, quase chegaram a vias de facto. E no grupo foi risada geral”, documenta Jorge Andrade, recordando as almas mais jocosas na pantera. “Alfredo e Caetano juntavam-se e pegavam sempre no pé do Jaime Alves. Esse, também saudoso, era outro partido, soltava sempre uma pérola que nos fazia rir. O Alfredo sempre foi meio maluco, uma vez também quase chegámos a vias de facto, o major interveio e ficou tudo sanado, amigos como antes”, confessa Jorge Andrade, elegendo os jogadores futebolisticamente mais marcantes que estiveram a seu lado no FC Porto e Boavista. “Diria Aloísio, Jaime Magalhães e André,
Histórias soltas
Encharcadela quase termina em porrada
“No Farense, lembro-me do treinador Dinis Vital (na foto) sentado na frente do autocarro, tínhamos ido treinar a Albufeira e tinha chovido muito, estávamos todos encharcados. Entrámos na guerrinha de encharcar o capitão, que era o Quaresma. Ele acaba por levar o banho, que também chega à cabeça do treinador, que se vira para trás a perguntar quem tinha sido e que o responsável ia levar uma cabeçada. Foi hilariante”
Abraço ao cabeção que foi um abuso
“Já jogava no Boavista, treinado pelo Raul Águas (na foto), e vou de visita a Faro encontrar o Fernando Martins, que tinha sido meu colega. Ele mandou um abraço ao ‘cachola ou cabeção’, algo do género, que seria o Raul. Quando chego, entrego esse cumprimento e ele ficou furioso a dizer que eu estava a abusar, o que estava a querer com aquilo! Mas o Raul fez tudo na brincadeira, porque tinha muito sentido de humor”
Um golo especial e a virada na Luz
“Há golos que não dá para esquecer, um pelo Boavista, contra o Espinho, porque estava a voltar de uma operação. Não foi espetacular, mas foi um golo que me fez muito bem, porque vinha de momento difícil e a cabeça andava a mil. De jogos especiais, lembro-me um contra o Benfica, entrei e ajudei a virar um jogo na Luz”