Uma entrevista a não perder: "Cristiano Ronaldo do futebol de praia? O Jordan é o Jordan"
Eleito melhor jogador de futebol de praia do mundo após uma época de sonho, onde somou nove títulos, o ala de Portugal e do Braga conta a O JOGO os segredos para se ser bem sucedido na modalidade
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Trabalho, muito esforço e dedicação são os argumentos que Jordan Santos, 28 anos, apresentou para hoje estar no Olimpo do futebol de praia. Nascido no Canadá, mas "nazareno completo", como se assume, dado que foi para aquela vila aos três meses de vida com os pais. O ala frisa a inspiração de Madjer e a paixão pelo jogo na areia que tem desde a infância, na Nazaré.
"Sendo bom, dá para viver disto"
O que o trouxe para a praia em vez dos relvados?
-Estive sempre ligado ao futebol. Desde pequeno, se visse uma bola na praia, num terreno qualquer, lá ia eu jogar. Passava o verão aqui na praia [da Nazaré] e, no inverno, era no campo dos Nazarenos. Tive um convite do Boavista, onde passei um ano, mas não correu bem, pois foi a primeira vez que saí da minha zona de conforto, tinha 13 anos. Custou-me muito a distância por ser bastante apegado aos pais e foi um choque tremendo viver sozinho. Quando voltei à Nazaré, já estava em sufoco.
Foi essa desilusão que o levou para a areia?
-Não foi isso que me levou ao futebol de praia, com 17 anos. Foi ter sido chamado para a equipa do Sótão e decidi experimentar. Sabia que tinha jeito para jogar na praia e tentei: acabámos por ser campeões nacionais. Fui chamado à seleção por José Miguel e até fiquei em choque. Depois desse primeiro estágio, fui sempre chamado...
Como lidaram os seus pais com essa opção?
-Deram-me sempre liberdade para ser o que quisesse, fosse futebolista, médico, qualquer coisa. A minha mãe disse que, se este era o meu sonho, que fosse atrás dele. Os meus pais sempre acreditaram em mim.
Portanto, a motivação de ir para o futebol de praia não teve nada que ver com apanhar um bronze e conhecer raparigas...
-Não, não [risos]... Quando me meti nisto foi logo para levar a sério, dedicar-me e com o querer ser bom como o Madjer, ter o mesmo protagonismo e viver disto.
E dá para viver disto?
-Dá, mas apenas sendo bom, acima da média e estando em bons clubes. Em Portugal, para nos poder suportar a vida, há Braga e Sporting, mas, aí, já tens de ser acima da média. Não basta chegar e dizer que se quer ser jogador. É preciso querer ser, mas trabalhar muito para se atingir um nível alto.
A infância foi, então, só praia e futebol?
-Sim. Nunca fui bom na escola e quando ia para as aulas pensava em treinos, futebol... Agarrava no caderninho e apontava a minha equipa preferida: Buffon na baliza, o lateral-direito é este ou aquele e por aí fora. Desde muito pequeno quis estar ligado ao futebol e, sinceramente, se não fosse o futebol, não sei o que hoje faria. Mas também posso dizer que, quando deixar de jogar, não me importo de fazer seja o que for para ter comida em casa para os meus filhos, pagar as minhas coisas, ter conforto.
Quais as memórias maiores desses tempos?
-Recordo-me de não gostar nada de me levantar cedo [risos]... Mas fiz muitos amigos na escola. Os professores, por muito que fosse um aluno distraído, chamavam-me de menino e gostavam muito de mim. Nunca me portei mal. Hoje, quando alguns deles passam por mim, dizem que têm muito orgulho. A vida dá muitas voltas.
Imaginemos que um dia defrontava na areia Ronaldo ou Messi. Aí eles levavam "tareia" da sua equipa?
-[Risos] Ia ser mais difícil para eles, bem mais difícil... Mas eu levaria mais "baile" deles na relva do que eles na areia...
Estando agora no topo do futebol de praia como maior referência da atualidade, Jordan diz que "o mais difícil não é chegar lá, é manter esse registo no futuro"
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"Difícil não é chegar ao topo, é conseguir ficar lá"
Apesar dos paralelismos, Jordan não liga a comentários sobre ser visto como o CR7 do futebol de praia. O prémio de melhor do mundo é, diz sem falsa modéstia, "um orgulho e inteiramente justo".
Os nove troféus coletivos desta época, o último deles o Mundial já após a atribuição do prémio de melhor do mundo, valeram a Jordan Santos a confirmação de uma carreira ímpar. O jogador divide louros com os colegas numa "época inesquecível".
Após receber o prémio de melhor jogador do mundo, os pés já voltaram à terra?
-Ser o melhor do mundo, seja no futebol ou noutra profissão, é lisonjeiro e o auge da carreira de um atleta. Foi um motivo de orgulho, o culminar de uma excelente época antes do início do campeonato do mundo onde, por isso, tive maiores responsabilidades, com todas as pessoas a esperar ainda mais de mim. Veio o campeonato e ficou provado que o prémio que recebi foi inteiramente justo. Foi uma época inesquecível, não só pelos títulos, coletivos e individuais, mas também por tudo o que envolveu o futebol de praia. Até agora era pouco falado, mas com as conquistas a modalidade já não é vista como uma brincadeira.
Algum dia pensou: "Vou ser o melhor do mundo?"
-Quando comecei a jogar não pensava, mas quando vi que tive uma evolução rápida, passei a acreditar que isso podia acontecer. E, quando acreditamos, trabalhamos cada vez mais, ficando mais perto do objetivo. Mas este foi um objetivo que atingi também devido aos meus companheiros no Braga e na seleção nacional. Estes feitos só se conseguem ao lado dos melhores.
E sente-se como o Cristiano Ronaldo da praia, com alguns afirmam?
-[Risos]... Já ouvi comentários desses, que há o Cristiano, o Ricardinho (futsal) e agora vem o Jordan no futebol de praia. É muito bom falarem do nosso nome, de reconhecerem o nosso trabalho e sermos comparados com Cristiano Ronaldo, pois ele é o auge do desporto, é magnífico. Mas o Cristiano é o Cristiano e o Jordan é o Jordan, que está a fazer o seu caminho. Tenho 28 anos e muito para dar, mas sempre com muita humildade e dedicação. O mais difícil não é chegar ao topo, é conseguir ficar lá.
"Quero fazer uma época igual ou melhor que esta. Se deixasse de jogar agora ficaria a pensar que poderia ter ganho tudo de novo..."
"Madjer ensinou-me o equilíbrio"
É apontado como sucessor de Madjer. O que significa esse peso para si?
-Madjer é o rosto da modalidade em Portugal por tudo o que conquistou e isso leva-me a querer seguir os seus passos. Quando comecei a jogar, Madjer foi a minha principal referência, mas agora o Jordan é o Jordan e somos diferentes, apesar de sermos ambos esquerdinos. Aprendi muito com ele, mas eu sou eu e vou seguir o meu caminho.
O que aprendeu?
-A postura dele em campo, o equilíbrio mental que tem, seja a perder ou a ganhar tem sempre controlo emocional e não se deixa afetar. Eu era mais emocional e poderia deixar-me ir abaixo estando a perder; com ele aprendi a superar essa falha. Comecei a jogar por ver Madjer na televisão e agora quero levar os jovens a seguir os meus passos. Um dos nossos objetivos como profissionais é inspirar os miúdos, mostrar que também se pode fazer vida do futebol de praia. Com muito sacrifício, tudo se consegue.
O que lhe disse ele quando ganhou o prémio de melhor do mundo?
-Antes de saírem as nomeações, disse-me para me preparar porque iria ser o melhor do mundo... eu não acreditava mas ele garantiu isso, dizendo que eu merecia.
Jordan já ganhou um lugar na história...
-Sim, e quando fui eleito o melhor do mundo houve quem me dissesse que, se acabasse ali a carreira, já teria ganho esse lugar. Mas respondi que não quero ficar por aqui, quero ser um dos melhores de sempre na modalidade.
E o que falta para o Jordan dizer: "Estou satisfeito com o que ganhei?"
-Sou muito ambicioso, por isso quero fazer outra época igual ou melhor do que esta. Se deixasse de jogar agora, sairia realizado, mas ficaria a pensar que podia ganhar isto tudo outra vez. Por isso, quero tudo de novo, mesmo sabendo ser difícil fazer melhor...