São amadores e têm três portugueses envolvidos. Hugo Cruz é o técnico e explica tudo sobre uma equipa de expatriados.
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Há uma equipa de dragões na Polónia, compete a partir de Cracóvia, participando em competições amadoras no país e também na Europa na Taça Fénix, reconhecida pela UEFA. Jogam de azul, há sangue português mas não há qualquer ligação ao FC Porto.
O Dragões de Cracóvia, assim se chama o clube, por mera referência mitológica a uma lenda de guerreiros da cidade, reuniram nas suas fileiras várias pessoas deslocadas do seu país, denominadas expatriadas. Dois portugueses estiveram na sua fundação, mais o romeno Alex Bacica, que ainda preside, dos primeiros passos, de encontros ocasionais a uma organização mais séria. Um deles está hoje na contabilidade, Renato Alves, outro ainda é capitão, Daniel Silva, e um terceiro que apareceu mais tarde passou de jogador a treinador. Foi com este mesmo Hugo Cruz que procuramos conhecer mais a fundo o clube e as suas orientações, congregando diferentes nacionalidades. A atividade ainda é recente mas o lastro de intimidade ganha tem crescido exponencialmente.
"Tenho feito de tudo um pouco aqui desde que cheguei ao clube, há pouco mais de quatro anos. Virei treinador principal de forma temporária, dado o técnico principal ter tido necessidade de se ausentar sem data certa para regressar. Agora estou em regime definitivo. Também fui jogador em algumas ocasiões mas voltei a dar cabo do joelho e parece difícil voltar a jogar. Faço parte da direção e sou massagista de serviço, pelo menos meto gelo!", relata Hugo Cruz, tentando expor a sua ligação ao clube.
"A minha história é semelhante à do Renato. Emigrei para a Polónia em dezembro 2015, depois de acabar os meus estudos, para viver com a minha namorada, que é polaca. A partir de janeiro, o tempo tinha aquecido um bocadinho, alguém escreveu num grupo de expats do facebook que queria organizar uma futebolada. Eu disse logo que sim. A partir daí um grupo passou a juntar-se todas as terças. O Renato e o Daniel juntaram-se semanas depois. A situação foi evoluindo até à formação do clube e ao que é hoje", conta Hugo Cruz.
"De uns encontros para jogar futebol a coisa transformou-se em torneios amadores, a típica Sunday League. A coisa tornou-se mais séria a partir de 2019 com a participação em provas oficiais do calendário polaco. Vamos agora participar pela segunda vez na Fenix Cup, torneio europeu para clubes amadores aprovado pela UEFA", informa o técnico dos Dragões, partilhando os traços que definem o perfil e identidade do clube.
"O fundador é o presidente Alex Bacica. É romeno. Começou com ele a iniciativa das futeboladas, ao que se seguiram outros eventos. Ele tinha a ideia de se chegar ao que se chegou. Juntou o grupo das primeiras pessoas que alinharam com ele, onde estava o Renato, e fizeram oficialmente o clube com estrutura diretiva", explica, negando, então, qualquer primazia portuguesa na escolha do nome.
"Não, nada disso! É algo relacionado com uma lenda de guerreiros chamada Dragoons. E depois o Dragão é o símbolo da cidade. Os portugueses, que eram alguns na fase inicial, brincavam muito com isso, até por jogarmos também de azul. O Renato ficou contente com essa associação. Mas eu, como benfiquista, lá tive que engolir essa decisão. Os nossos amigos, em Portugal, também picavam com isso, mas hoje é algo que não existe", argumenta Hugo Cruz, convencido que está no lugar certo.
"Se o Dragão é símbolo de Cracóvia faz todo o sentido termos este nome. E o nosso Dragão existiu mesmo!", sublinha, dando-nos conta da diversidade instalada.
"É um projeto multicultural. Na época passada tivemos 15 nacionalidades e já houve épocas com 20. O clube realizou agora uma fase de testes para recrutamento para a nova temporada e acho que vamos aumentar de novo com representantes da Noruega, Argélia, Argentina e Nigéria. Ingleses, italianos e polacos dominam. Depois há malta de Portugal, Espanha, França, Chile, Ucrânia, Angola, Escócia, Israel, Países Baixos, Bielorrússia", evidencia, justificando a presença de homens da terra. "Temos sempre colegas e amigos polacos que querem jogar connosco. Não faz sentido sermos uma plataforma de integração sem jogadores e diretores polacos. O clube é aberto a todos, a nacionalidade é só um símbolo de diversidade. Além de que temos um acordo com a Federação que prevê um número de polacos, que pode aumentar em caso de subida", sustenta.
Outras histórias
Brilhar na Fenix Cup europeia, uma prova em crescimento
Sobre a presença na Fenix Cup, os Dragões vão medir forças no seu grupo com FC United de Manchester (um dos mais emblemáticos clubes amadores do mundo, formado pelos adeptos do United quando se deu a venda aos Glazer) e o Vinsky, que é um clube de Paris.
"É a nossa competição europeia, está a crescer, teve a final no ano passado em San Siro. Vai ter mais clubes este ano de diferentes países. Queremos passar a fase de grupos, depois de nos termos batido bem o ano passado com um adversário dos Países Baixos", elucida, sublinhando outro aspeto diferenciador, potenciador da proximidade lusitana.
"Outro aspeto curioso é que todos os nossos jogos são transmitidos pela app Veo Cam. Adquirimos exatamente este equipamento para os nossos familiares e amigos terem a oportunidade de ver os nossos jogos. No entanto, temos tido árbitros e outras equipas a pedirem as gravações dos jogos para analisarem. Tem sido uma mais-valia para todos.", enaltece.
Onda solidária com Ucrânia promovida de diversas formas
Hugo Cruz puxa a fita também sobre o posicionamento dos Dragões de Cracóvia no meio da ajuda humanitária aos refugiados ucranianos, sabendo-se que a Polónia foi um dos fundamentais portos de abrigo de quem fugia desesperadamente da guerra.
"No início foi organizada uma angariação de mantimentos básicos recolhidos pelo clube. Participámos num torneio amigável, que também serviu para angariar fundos. E, depois, todos nós de forma mais ou menos individual, tal como grande parte da população polaca, também ajudámos. através, sobretudo, de estadias temporárias. Tentou-se organizar outros eventos, mas nem sempre foi fácil compatibilizar com a nossa época desportiva", relata, reconhecendo que também já se apresentaram ucranianos à equipa.
"Estamos agora em processo de recrutamento de um. Existiram outros contactos. Dá-se o facto de não podermos pagar e, isso, para jogadores de algum currículo é um entrave, pois preferem escolher um clube onde também haja ajuda financeira. Tivemos mais ucranianos a jogar por nós antes da guerra do que agora..."
Conceito atrai antigos atletas
Classificados na última época no 8º lugar da Krakow III, após várias subidas, os Dragões ambicionam ascender mais um degrau. "Queremos subir esta época e passar eliminatórias da Taça. Competimos num escalão que talvez seja equivalente à 1 ou 2ª Divisão Distrital de Portugal. Aqui há muito mais divisões e equipas. Temos muitos clubes antigos, formados por malta que jogou à bola e decidiu continuar a jogar a um nível mais baixo. Sem remuneração, só divertimento. É malta que se junta para um jogo ao fim de semana, treinam uma vez por semana e vão dar uns toques. Juntam uns estudantes e está feito. Há duas ou três equipas a apostar forte, a tentarem subir com jogadores melhores, Até fazem equipas B", avalia.
"Estamos estruturalmente na sétima divisão da Polónia, uma acima e já se começa a pagar. É um longo caminho. É muito difícil sairmos do centro de Cracóvia. Esta época sabemos que vamos ficar numa série onde vamos jogar até aldeias que estão a 50 quilómetros. É competitivo e engraçado", confessa Hugo Cruz, oferecendo-nos um retrato de quem compete.
"Temos jogadores de escalões mais baixos nos seus países. Temos um romeno que foi semi-profissional nos Estados Unidos e um espanhol que jogou ao alto nível na formação em Espanha e que foi profissional nos Estados Unidos", sublinha, imaginado o reforço da equipa com "dois ou três atletas de nível elevado nos seus países". "A malta vem para aqui trabalhar e acha piada ao conceito de jogar com um grupo de amigos e já com ambiente internacional. Vai-me caber gerir um grupo de 30 jogadores", afiança Hugo, identificando complicações adjacentes a diferentes ritmos laborais.
"Temos a necessidade de ter muitos jogadores, porque há férias, viagens de negócios, reuniões tardias, trabalhos de turnos, famílias. Muitas nuances. Somos quatro na equipa técnica para haver essa liberdade de alguém faltar. Temos treinos organizados entre reuniões de trabalho. Requer muitas horas a trabalhar e depois a compensar...", afirma.
Carreira jovem no Águeda
Hugo Cruz conta também ele com trajeto futebolístico, marcado, no entanto, por uma perseguição constante de lesões. "Joguei sempre dos meus sete anos até ao primeiro ano de sénior no Recreio de Águeda. Dei cabo do joelho nesse primeiro ano e parei cerca de dois anos. Acabei por não voltar a jogar em Portugal, o bichinho voltou já em Cracóvia neste projeto. Voltei a ter uma lesão séria no joelho e não contava jogar mais mas esta época lá achei que podia regressar. Regressei até danificar o joelho uma terceira vez", confidencia o antigo central, decididamente preso ao infortúnio. O agora treinador dos Dragões de Cracóvia detalha um pouco melhor a vida que emparelha com as funções no clube. "Trabalhei até há pouco tempo na área de compras em multinacionais, o que me dava flexibilidade em trabalhar fora de horas e poder durante o dia planear o treino ou organizar coisas do clube. Quando não dá faço isso na hora do almoço", desfia e atualiza-nos sobre um novo contexto, mais engenhoso de ultrapassar. "Mas agora estou a trabalhar como agente de contratos para uma empresa de consultoria em projetos de eólicas offshore e tenho de me deslocar regularmente a Berlim. Torna tudo mais difícil, dado que tenho de delegar coisas nos meus colegas. Depois do trabalho só tempo para o futebol e para a minha noiva, caso contrário levo com o chinelo! O trabalho é comum a todos e é um desafio essa organização de cada um para manter o clube a funcionar. Temos um trabalho incrível de marketing, é tudo feito fora de horas. Grande mérito do Daniel, o nosso programador", desvenda, sem esquecer a carga de compromisso com o emblema. "Temos dois treinos por semanas, duas horas por cada sessão."
Se Hugo consegue ser treinador e massagista, Daniel médio e programador, Renato Alves é diretor de contabilidade e oferece ainda o sponsor principal ao clube, trabalhando numa empresa de recrutamento para multinacionais, a Real Recruitment Solutions.
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