O efeito de choque com a mudança de comando técnico não resolve algumas questões que também contribuem para os problemas. Há um estudo no âmbito da psicologia que fundamenta o que a experiência de alguns treinadores mostra que o insucesso de uma equipa envolve várias partes e nem sempre esta via é melhor solução
Corpo do artigo
A semana de Natal ficou marcada por mais uma mudança no comando técnico, desta feita, no Famalicão, a oitava esta época, precedida, num curto espaço de tempo de uma jornada, de duas alterações, no Paços de Ferreira e Santa Clara. Ivo Vieira foi o oitavo treinador associado a uma reformulação da equipa técnica na Liga Bwin, se bem que o Santa Clara e o Boavista são casos excecionais. Daniel Ramos saiu à oitava jornada e João Pedro Sousa, à 12ª., impelidos por oportunidades de trabalho no estrangeiro. A alternativa encontrada pelo Santa Clara, Nuno Campos, porém, resistiu apenas a seis jogos no campeonato, um na Taça da Liga e dois na Taça de Portugal, e precipitou a segunda reestruturação na liderança do plantel insular.
A dispensa de um treinador está frequentemente relacionada com os desempenhos abaixo das expectativas traçadas pelas sociedades desportivas e a decisão de mudar é influenciada pelo propósito de criar um efeito de choque. Daí a metáfora "chicotada psicológica". Mas será que é esta a causa central responsável pelo problema?
"As questões estão a montante", responde Manuel Machado, complementando que "a alteração do técnico não altera um quadro de situações normalmente relacionadas com a má definição dos plantéis para a exigência feita à partida". Pela sua experiência como treinador, Manuel Machado sente-se à-vontade para afirmar que "não há uma causa única para o sucesso e o seu contrário" na explicação de um fenómeno desencadeado por "um conjunto de fatores" . O treinador sai, "mas os problemas ficam lá", acrescenta Henrique Calisto.
A leitura que se faz, então, é que estão subjacentes razões que passam despercebidas ao exterior e envolvem "vários fatores com influência nesta tomada de decisão".
Marina Santos, psicóloga e investigadora, atestou num estudo exploratório este "processo dinâmico" com múltiplos determinantes para o despedimento de um treinador. As conclusões incluem uma panóplia de consequências, desde as relações sociais entre o treinador e jogadores e com as estruturas dos clubes, a não adequação do estilo de liderança ao grupo, as características pessoais dos treinadores e o desvio do projeto.
O que é que isso tem a ver com os resultados desportivos? "É importante que a direção do clube acompanhe de perto todo o processo para perceber que não faz sentido olhar só para os resultados se não virem todo o processo", defende Marina Santos.
Manuel Machado reforça esta análise factual com "o posicionamento do treinador em situações de conflito laboral, a relação com a imprensa, a massa associativa e a capacidade de coordenar vários setores". Uma ideia que reencontramos no discurso de Henrique Calisto que vê na mudança do estilo de liderança "um fator importante para a estabilidade e coesão do grupo".
Ou seja, está a "empolar-se o estatuto do treinador" e a colocar-se para debaixo do tapete questões de peso na ótica de Manuel Machado. "Os treinadores servem de bode expiatório de outras culpas", atira, enquanto desfia um rosário de "inúmeros interesses e lóbis que escapam ao controlo e condicionam o trabalho do treinador". É preciso levar também em conta, junta Henrique Calisto, "se é o treinador ou não que escolhe os jogadores".
O percurso do profissional num clube não está, portanto, exclusivamente dependente da sua competência técnica, que é posta em causa quando os resultados formam um contexto negativo. A atenção de um treinador tem de ultrapassar as quatro linhas e intensificar a sensibilidade "às dinâmicas negativas" que se geram e agravam-se se "dois ou três elementos do plantel, com algum peso, começarem a criar influências negativas, no sentido de desacreditar a identidade e a cultura que treinador pretende implementar no grupo", argumenta Pedro Teques, psicólogo.