Catarina Campos faz história a arbitrar na I Liga: "Merece ser a cara desta conquista"
Catarina Campos é rosto da afirmação da arbitragem feminina no futebol masculino
Corpo do artigo
Catarina Campos é o rosto da afirmação da arbitragem feminina no futebol português, ao tornar-se este sábado a primeira mulher a dirigir um jogo na I Liga, traça Ana Raquel Brochado, pioneira em quadros nacionais seniores masculinos.
“Merece ser a cara desta conquista, que reflete a competência e dedicação, tanto dela, como de toda a estrutura e das colegas que, de uma forma ou de outra, também tiveram o seu papel neste processo”, reconheceu à agência Lusa a ex-árbitra lisboeta (1997-2012).
Pelas 15:30, Catarina Campos, de 39 anos, vai dar início à receção do Casa Pia ao Rio Ave, em Rio Maior, na abertura da 27.ª jornada da I Liga, acompanhada pelas assistentes Andreia Sousa e Vanessa Gomes, tendo Fábio Veríssimo como quarto árbitro, enquanto as funções de videoárbitro (VAR) serão desempenhadas por André Narciso, coadjuvado por Nuno Pires.
Vogal da secção não profissional do Conselho de Arbitragem (CA) da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) nos dois últimos mandatos (2016-2020 e 2020-2025), com responsabilidades na gestão da arbitragem feminina, entre outras funções, Ana Raquel Brochado admite que a inédita nomeação da árbitra filiada na associação de Lisboa no escalão principal masculino eleva o caminho de “muitos anos” percorrido nos bastidores.
“Todo o trabalho desenvolvido pelo anterior CA, desde a preparação dos regulamentos ao acompanhamento das nossas árbitras a todos os níveis - e que se traduz numa lista bem recheada de pequenas e grandes conquistas -, vê agora a oportunidade de ser completado com mais esta conquista, que, naturalmente, tem maior impacto mediático e reconhecimento do público”, apontou.
Ana Raquel Brochado regozijou-se com a projeção de Catarina Campos, que já tinha sido a primeira a chefiar uma equipa de arbitragem totalmente feminina nas provas profissionais portuguesas, “como parte da preparação do momento atual”, ao dirigir a derrota do Paços de Ferreira na receção ao Feirense (1-2), em 15 de fevereiro, para a 22.ª ronda da II Liga.
Na história também está Andreia Sousa, de 38 anos, que se tornou a primeira assistente a figurar numa ficha de arbitragem de um jogo da I Liga em 13 de agosto de 2023, quando o Rio Ave derrotou em casa o Chaves (2-0), na abertura da edição 2023/24.
“A Catarina Campos junta competência técnica, poderio físico, inteligência emocional e uma atitude ajustada à posição que ocupa. Trabalhou muito na última década para aperfeiçoar cada um destes aspetos, dando maior atenção aos que mais limitavam a concretização dos seus objetivos, que foram sempre altos”, avaliou a antiga árbitra, formadora, observadora e dirigente.
Internacional desde 2018, Catarina Campos faz parte da categoria de elite da UEFA há cerca de um ano e meio e já teve outras experiências recentes no futebol masculino, ao dirigir jogos no Campeonato de Portugal, quarto escalão nacional, e na Liga Revelação, ambos sob a tutela da FPF, bem como, no plano internacional, da UEFA Youth League.
Nas competições femininas, a assistente operacional da área educativa com vínculo à Câmara Municipal de Lisboa arbitrou duas finais da Taça de Portugal e outras tantas decisões de Supertaças, por entre diversas nomeações na Liga portuguesa, na Liga dos Campeões, na Liga das Nações e na fase final do Campeonato da Europa de sub-19.
Praticamente duas décadas antes da chegada de Catarina Campos à I Liga, Ana Raquel Brochado, então com 25 anos, foi a primeira mulher a arbitrar um encontro dos quadros nacionais seniores masculinos, no empate entre Bombarralense e Monsanto (1-1), em Óbidos, da segunda jornada da Série D da já extinta III Divisão, quarto escalão naquela altura, categoria em que permaneceria por seis temporadas, até abandonar os relvados.
Essa estreia aconteceu em 17 de setembro de 2006, mas ainda demorou a ser replicada junto do principal patamar dos homens, num hiato explicado pela capitão da Força Aérea “com a naturalidade de quem compreende que os fenómenos sociais - nos quais o desporto se integra - são reflexo e motor dos processos de crescimento da sociedade”.
“Quando há 19 anos fui promovida, muitos jornalistas me perguntavam se o meu sonho era arbitrar um jogo da I Liga. Se for ver as minhas respostas, disse sempre que isso seria possível de acontecer, mas não na minha geração. Fico muito feliz por não estar enganada e por se concretizar, especialmente desta forma: não fruto do acaso, mas como consequência de um projeto consciente e intencional de desenvolvimento da arbitragem feminina que foi implementado na última década”, notou.
Catarina Campos arbitra I Liga masculina e coloca Portugal também na linha da frente
Catarina Campos, que vai arbitrar no sábado o jogo entre Casa Pia e Rio Ave, da I Liga, tornará Portugal o oitavo país, entre o top-10 da UEFA, a estrear uma árbitra no escalão principal masculino.
A árbitra, de 39 anos, da associação de Lisboa, mas natural de Viseu, prepara-se para fazer história no futebol português, depois de já esta época ter dirigido dois jogos das competições profissionais, no caso dois embates da II Liga.
Em 15 de fevereiro, foi a árbitra do jogo Paços de Ferreira-Feirense e, em 28, do Desportivo de Chaves-Benfica B, ambos com vitórias dos visitantes por 2-1 e relativos à 22.ª e 24.ª jornadas da II Liga, respetivamente.
Mas, para assinalar a estreia de uma mulher a arbitrar um jogo masculino de um campeonato principal, é preciso recuar quase 26 anos, quando Lale Orta, pioneira neste particular, dirigiu o jogo entre Sakaryaspor e MKE Ankaragücü, da Superliga turca, em 29 de maio de 1999.
Orta, professora universitária e nascida em Istambul, foi jogadora, treinadora, comentadora desportiva, presidente do conselho de arbitragem e árbitra, e nessa função a primeira mulher internacional pela FIFA.
Depois de Orta, foi preciso esperar mais de uma década para uma nova mulher arbitrar um jogo da 'elite' masculina e, curiosamente, também de um país da 'periferia' do futebol europeu, a República Checa.
Dagmar Damkóva foi quem fez história, ao arbitrar em 07 agosto de 2011 o jogo Mlada Boleslav-Slovacko, no que foi também a sua despedida dos relvados.
Os campeonatos do 'big-5', considerados as ligas mais competitivas na Europa, apenas tiveram uma árbitra num jogo de campeonato masculino em 2017, com a Alemanha a ser pioneira.
Bibiana Steinhaus seguiu as pisadas do pai como árbitra e fez formação em arbitragem ainda adolescente, num percurso pela Liga feminina alemã, segunda divisão e terceira divisão, antes de chegar à liga principal masculina.
A árbitra, também internacional, com Mundiais femininos, Jogos Olímpicos e Europeus no currículo, estreou-se na Bundesliga em 10 de setembro de 2017, num Hertha Berlin-Werder Bremen (1-1), e despediu-se três anos depois, com o seu último jogo a ser a Supertaça entre Bayern Munique e Borussia Dortmund (3-2), em setembro de 2020.
Entre as mulheres árbitras, a mais notável, ou pelo menos com maior notoriedade e currículo, surgiu a seguir, com a francesa Stephanie Frappart a granjear nomeações e elogios, o que acontece ainda hoje.
A árbitra gaulesa, de 41 anos e ainda no ativo, foi a primeira não só na Ligue 1, em abril de 2019, numa competição em que já arbitrou 93 jogos, mas também foi a primeira, e única, na Supertaça Europeia (Liverpool-Chelsea, em agosto de 2019), no Mundial masculino (Costa Rica-Alemanha, no Qatar2022), na Liga das Nações masculina, com quatro jogos, na Liga Conferência, com três, na Liga Europa, com seis, e na Liga dos Campeões, com três, a par de todos os jogos das competições femininas.
Frappart simboliza o expoente de uma mulher na arbitragem, apesar das estreias posteriores de Viki De Cremer na Bélgica, em fevereiro de 2022 (Genk-Seraing), ou da italiana Maria Caputi na Serie A, competição em que já contabiliza 13 jogos e na qual se estreou em outubro de 2022, num Sassuolo-Salernitana.
A mais recente estreia veio da conceituada Liga inglesa, quando Rebbeca Welch dirigiu, em dezembro de 2023, o Fulham, de Marco Silva, com o Burnley (0-2), numa época em que repetiu novo jogo masculino em abril, entre Bournemouth e Nottingham Forest, antes de se retirar já após o final da época, no torneio feminino dos Jogos Olímpicos.
Nos 'big-5', a Espanha, terceira no ranking masculino da UEFA, ainda não estreou uma mulher árbitra em jogos do principal campeonato masculino (La Liga), tendo apenas tido Guadalupe Porras como árbitra assistente, num Maiorca-Eibar, em agosto de 2019, enquanto no top-10 da UEFA, além das espanholas, também os Países Baixos nunca tiveram uma árbitra num jogo masculino do primeiro escalão.