Capitão do Once Caldas lembra Intercontinental: "FC Porto de casacos finíssimos e nós de blusões"
"Eles de casacos finíssimos, nós de blusões, havia muitas diferenças", recorda Samuel Vanegas, central do Once Caldas em 2004, na Intercontinental
Corpo do artigo
Samuel Vanegas foi um dos grandes esteios do Once Caldas que conquistou a Libertadores e se apresentou ao FC Porto para um confronto com prolongamento épico até aos penáltis em Tóquio, crescia a ansiedade de quem ergueria o troféu da Intercontinental, conseguindo a equipa portista, no final, arrecadar a segunda conquista da prova, ficando para a história o olhar acutilante de Pedro Emanuel na derradeira cobrança. Os 20 anos passados sobre essa grande exaltação azul e branca, no Japão, onde já fora feliz e abraçado pelo mundo, em 1987, também encontram exposição da parte dos derrotados. Para o Once Caldas, um clube humilde da Colômbia, ainda mais modesto no contexto sul-americano, Tóquio era um desafio praticamente irrepetível.
Vanegas, hoje com 48 anos, desvenda as emoções desse dia. Ou desses dias. "Tocou-nos adaptar ao clima do Japão, regular o jet-lag. Era tanta coisa a separar-nos da Colômbia. Fomos enfrentar uma equipa muito forte com jogadores de muito peso, grande trajetória e nome no futebol mundial. Estavam Luís Fabiano, Diego, McCarthy. Todos demasiado bons. Na chegada ao estádio nós aparecemos num autocarro normal, eles chegam num autocarro muito elegante. Chegam de casacos finíssimos e nós de blusões. Víamos ali muitas diferenças. Eles eram quase todos altos e insinuavam essa estatura. Queriam impor-se pelo tamanho e pelo olhar. Apenas me viam a mim, ao Cataño e ao Viáfara com altura parecida", sustenta o antigo defesa, em declarações que fazem parte de Plata y Plomo, de Pedro Cadima, livro lançado este ano sobre feitos do futebol colombiano.
Vanegas avança rapidamente sobre a mentalidade que tomou conta do coletivo colombiano, vindo de Manizales. "Foi uma sentença da nossa consciência: estávamos ali para jogar e ganhar. Sabíamos que ninguém acreditava, mas tínhamos de ir alegres e divertidos para o campo. Tudo saiu bem, como planeado. Tivemos as nossas opções de golo e houve um lance em que podia ter sido mercado um penálti nosso favor. Foi uma grande noite, fomos espetaculares!", recua, agarrando os minutos de todos os nervos e olhares, de controlo apertado das emoções.
"Nos penáltis pensávamos que íamos lograr o nosso objetivo, que Henao nos iria levar a mais uma proeza. Mas, afinal, não estava escrito para nós, ele teve duas bolas que, em condições normais, teria parado. Ao ver essas bolas fica a sensação que a vida sempre dá o que mereces, o justo. Esse jogo não estava destinado a sorrir-nos", afirma, precisando outros pormenores da titânica disputa, que acabou em 8-7 para os dragões, com um falhanço para cada parte nos primeiros cinco.
"O Fabbro, que era o nosso melhor batedor, erra o último penálti que nos daria a vitória. Deu-se uma discórdia no campo entre ele e o Viáfara. O Fabbro deveria ter sido o primeiro a marcar, o Viáfara o último. Meteram-se ali os egos. O último sabe que pode ser figura, que pode ficar na história do clube, na história da Libertadores, e ganhar impacto internacional. Acaba por ficar como o mais representativo do grupo. Lutaram entre eles e fui eu que decidi avançar para marcar o primeiro e desbloquear o conflito. Eu era sempre o terceiro, mas tive que afrontar o problema com cabeça fria. Foi muito difícil, era uma responsabilidade enorme", atesta.
"Quando se deu a oportunidade de sermos campeões, nos pés do Fabbro, eu já tinha prontas as bandeiras da minha cidade, Copacabana, e da minha região, Antioquia. Queria desfilar com elas. Tive de as guardar porque o penálti foi falhado! Entrou-se numa série de um para um e o FC Porto foi melhor que nós. Tiveram eles o privilégio de levantar troféu tão importante. Foi um grande jogo, fizemos bem o nosso trabalho, mas tinha de haver um ganhador. Custou a aceitar, não queríamos acreditar, chorámos. A mim vieram-me as lágrimas quando o FC Porto levantou a Taça. Atirei-me desconsolado ao solo. Não parei de chorar, pois imaginava-me dar a volta ao campo como campeão do mundo. Era uma proeza importante conseguirmos ser a primeira equipa do futebol colombiano a sagrar-se campeã do mundo", partilha Vanegas uma das grandes mágoas.
"Tivemos de seguir em frente e o que importa é que foi ganho o respeito de muita gente", aclara, puxando por algumas impressões que ficaram do conjunto portista. "Tínhamos muito respeito por jogadores como Luís Fabiano e Diego, tínhamos defrontado ambos na Libertadores. Mas também olhávamos com admiração para McCarthy ou Costinha, que eram dos mais representativos do FC Porto. Não os podíamos deixar livres, não podíamos deixar que fizessem o que queriam. Tinham muito talento na frente. Havia respeito, sabíamos que eles eram superiores em todos os sentidos. Economicamente, porque chegaram elegantes. Tinham todos nome. Havia muito respeito, mas entrando em campo era para jogar de igual para igual. Ficou demonstrado que tínhamos condições para enfrentar o desafio. De recordação levei a camisola do Costinha mas, uns anos depois, vendi-a por 1000 dólares numa colheita de fundos para uma instituição de solidariedade. Não podia dizer que não a uma causa tão nobre", remata Vanegas.
"Pensavam que o FC Porto ia passar por cima de nós", diz Henao
Henao, um excêntrico, dono de uma fita no cabelo, espetacular entre os postes, jogou mais de vinte épocas no Once Caldas e só despediu em 2016 com 44 anos. Apesar da conquista da Libertadores, saiu com sabor amargo da Intercontinental disputada com o FC Porto, num jogo que chegou a reunir as condições ideias para vestir ele, mais uma vez, a capa de super-herói. Afinal era mestre a travar penáltis. Também é entrevistado em Plata y Plomo.
"Foi um jogo único. Depois da Libertadores muitos de nós tivemos oportunidade de ir para outros clubes, mas vendo a possibilidade de disputar um troféu tão importante, decidimos ficar. Tínhamos de competir, pensando em ganhar", realça, atestando a superação. "Muitos pensavam que o FC Porto ia passar por cima de nós. Ficou a prova das nossas qualidades e fomos para os penáltis depois de 120 minutos. Ficou uma grande tristeza porque estivemos muito próximos. Tivemos a decisão a nosso favor, no último penálti. Se o convertêssemos o troféu era nosso! Mas são coisas do destino" afirma Henao, que não conseguiu a transcendência habitual.
"Eles tinham todos maior experiência, mas tinham-nos muito respeito. Sabiam a quem tínhamos ganho na América do Sul. Nos 120 minutos sinto que tive uma boa atuação, ao nível da equipa. Depois, é lógico, queremos sempre acrescentar na definição dos penáltis, porque sabemos que podemos ajudar a ganhá-la. Infelizmente, não pude decidir. Podíamos ter ganho ao fim dos primeiros cinco penáltis, foi-se aí uma grande possibilidade. São coisas que ficam, é uma tristeza para a vida! Queríamos muito ser campeões do mundo", sustenta o antigo guarda-redes, sem memória da imagem que ficou do lado português: o olhar de Pedro Emanuel.
"Não recordo muito, primeiro estava concentrado e depois fiquei consumido pela amargura da derrota. Sei que bate para a esquerda e eu mando-me para a direita. Fiquei frustrado, sentado, pensativo. Estava triste. Mas aparece o McCarthy, que puxa por mim e troca-se aí a camisola. Ele reconheceu o meu compromisso. Foi o momento em que me senti especial, era um dos jogadores temidos desse FC Porto, assim como Diego e Luís Fabiano", aclara Henao, desenvolvendo a curiosa desforra do brasileiro Diego. Cobra o penálti e é expulso. "Diego tinha essa vingança, porque o Santos tinha caído na Libertadores contra nós. Ao bater, ele diz algo que não percebo. É expulso porque me provocou. Eu, mais tarde, sou contratado pelo Santos e ele faz uma visita a Vila Belmiro. Garantiu-me que não tinha sido nada ofensivo. Apenas um desabafo que finalmente me tinha marcado. Esclareceu e foi um gesto bonito", nota Henao, que partiu para o Santos na temporada seguinte.
Por fim, os elogios a Luís Fernando Montoya, o grande artífice da chegada do Once Caldas a tamanhas decisões, fazendo história nessa vitória sobre o Boca Juniors na final da Libertadores. Meses depois do jogo com o FC Porto, o técnico colombiano foi atingido por uma bala na coluna vertebral quando procurava travar um assalto à mulher junto de casa. Ficou tetraplégico, resistindo ainda hoje com tremendos cuidados da mulher, depois de uma grande carreira lhe ter fugido. "O que se passou com o professor Montoya foi muito complicado. Uma pessoa que nunca procurou o perigo e os disparos aconteceram quando ele estava em casa. Ficou uma bonita amizade. Recuando é muito difícil aceitar o que aconteceu. Tinha um grande futuro pelo que tinha feito na Libertadores, pelo jogo que nos levou a fazer na Intercontinental. Fizemos jogos de verdadeiro compromisso. Ele já estava a receber propostas de equipas muito fortes. Tinha um grande conhecimento do jogo. Continuamos a rezar para que cada dia esteja melhor. Melhorou muito a fala e estamos à espera que recupere mais. Há sempre algo mais!", aclara.