A redução de equipas na I Liga e partir a II Liga em duas zonas, Norte e Sul, de 16 equipas cada, mais um quarto ajuste em cinco anos de Campeonato de Portugal. Há uma obsessão em ultrapassar a Rússia no ranking da UEFA, mas há quem garanta que isso nada tem a ver com mudar calendários.
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A Federação Portuguesa de Futebol (FPF) voltou a levantar a lebre, numa reunião com os clubes no dia 21: é preciso reduzir de 18 para 16 o número de equipas na I Liga, cortar a II Liga em duas zonas (Norte e Sul) de 16 equipas cada e ajustar pela quarta vez em seis edições o jovem Campeonato de Portugal. "Quando não se quer resolver, dá-se conhecimento público", diz Guilherme Aguiar, ex-dirigente do FC Porto e da Liga.
"A divisão da II Liga em duas zonas é do meu tempo. Saí da Liga em 2002. Essa era a minha proposta", recupera a O JOGO. "A II Liga não é uma competição profissional. E compete ao Governo atuar. Mas o Governo tem autárquicas, legislativas, submarinas... Não atua", diz o jurista e comentador afeto ao FC Porto.
Há quem seja partidário de fazer duas séries na II Liga, que a tornaria mais competitiva e menos dispendiosa. O Campeonato de Portugal também vai sofrer alterações... mais uma vez.
Circularam notícias de que se falou na extinção da Taça da Liga, mas fontes ligadas à FPF e à Liga (entre outras) desmentiram categoricamente esse cenário. Certo é que se insiste na redução da I Liga (mais a Federação, não a Liga) e lança-se a divisão da II Liga para testar clubes, diversos agentes e opinião pública. Curioso é que a FPF está mesmo a pensar voltar a mexer no Campeonato de Portugal, que foi lançado em 2013/14 para substituir o Nacional de Seniores, que por sua vez já tinha ocupado o lugar da II Divisão B. Já esteve escalonado em oito séries de 10 equipas, com duas fases competitivas; foi reduzido de 80 para 72 equipas, com cinco séries de 16 equipas, mais play-off; e, esta época, o mesmo número de equipas divididas em 18 por quatro séries.
"A FPF equaciona seriamente alterar o Campeonato de Portugal. Com quatro séries, deviam subir quatro à II Liga, mas só sobem duas. Há 20 equipas de grande qualidade...", disse fonte ligada à entidade máxima do futebol português. "Com três séries, podiam subir os primeiros de cada uma. Reduzia-se as despesas, aumentando a proximidade, e premiava-se mais justamente o mérito desportivo."
"Como está, a II Liga gera muita despesa e pouca receita. Há oportunidade de reestruturar em duas séries (Norte e Sul). Aumentam-se receitas e reduzem-se despesas", defendeu, sugerindo que deveriam subir duas equipas à II Liga e abrir espaço no fundo da tabela para premiar os três vencedores das séries num novo formato do Campeonato de Portugal.
Já Santiago Segurola, experiente jornalista e comentador de futebol em Espanha (onde Javier Tebas bate com o pé contra uma eventual redução de equipas em La Liga - uma tendência que a UEFA anda a apalpar Europa fora para ter fins de semana para a Superliga Europeia), olha para este fenómeno (cá e pelo continente fora) com "nojo". "Isto vem tudo do desejo de fazer uma liga de elite e fechada. Como há conflito entre UEFA e FIFA, estão a aproveitar para segundo golpe [reduzir equipas nas ligas europeias]. Com a ajuda daquilo a que chamo tontos úteis, a trabalhar para a aristocracia sem tirar grandes dividendos, rompendo uma linha de futebol ligada ao amor dos adeptos. Creio que, inevitavelmente, os clubes não vão riscar nada no futuro, porque o futebol só protege os ricos. Clubes como a Real Sociedad, a irem na onda do 1% [ricos], dá-me nojo", confessa.
"Como há conflito entre UEFA e FIFA, estão a aproveitar para segundo golpe [reduzir equipas nas ligas europeias]."
Mas tem uma esperança: "Os clubes ingleses são fundamentais. Se clubes como o Manchester United, o Liverpool ou o Arsenal rompessem ligações com a Premier League, haveria uma revolta popular. A esperança está nos ingleses."
Não querendo inflamar os ânimos, o porta-voz da poderosa The Football Supporters Federation (federação de adeptos ingleses) garante que "haveria uma enorme oposição dos adeptos dos clubes como United, Arsenal e Liverpool, tal como dos pequenos clubes".
Liga: um diagnóstico sem referência a redução
Quarta-feira, no Estádio da Luz, a Liga apresentará o Anuário da Liga e um raio-X competitivo. A redução do número de equipas foi "muito discutida" numa fase prévia, mas não chegou ao papel.
Segundo apurou O JOGO, a Liga vai apresentar "um diagnóstico competitivo, que não aborda a redução de equipas", confidenciou fonte ligada ao processo. A conclusão é inevitável, mas já está gasta de tanto se falar nela sem qualquer ação de concretização: "O problema não é ter 18 ou 16 equipas. É a centralização dos direitos desportivos, que depois gerará uma série de vantagens financeiras e competitivas que tornarão estéril a eterna discussão "aumenta e reduz a Liga"".
"80% do dinheiro dos direitos televisivos em Portugal está concentrado nos três grandes. Tem de ser o Governo a intervir. A Autoridade da Concorrência já disse que tem de ser o Estado a intervir, porque há desequilíbrio", diz, recuperando o comunicado de 21 de janeiro.
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Calendário? "Alguma vez? O FC Porto é líder do ranking da UEFA"
Um especialista em gestão desportiva, que por estar ligado a uma autoridade desportiva só se pronuncia sob anonimato, escalpelizou a questão da propalada alteração dos quadros competitivos. "[O problema é o] calendário? Alguma vez? O FC Porto é líder do ranking da UEFA. E só não estamos à frente da Rússia porque o Braga não chegou à fase de grupos da Liga Europa e o Rio Ave não passou a pré-eliminatória."
"A extinção da Taça da Liga nem sequer foi abordada. Foi apresentado um diagnóstico com 40 ou 50 slides sobre o modelo competitivo, a centralização dos direitos televisivos e o financiamento do futebol de clubes. Fez-se uma comparação entre a Rússia e Portugal: o campeão da Rússia joga 30 e tal jogos e o português 40 e tal jogos. O tema aqui é: estamos atrás dos russos, temos de ultrapassar os russos, têm vantagem competitiva. Bastava o Braga ter feito uma fase de grupos normal e se calhar até já os ultrapassaríamos este ano", indignou-se.
"Só não estamos à frente da Rússia porque o Braga não chegou à fase de grupos da Liga Europa e o Rio Ave não passou a pré-eliminatória."
"Mas vamos admitir uma redução de 18 para 16 clubes na I Liga. A revolução não é para que o Tondela beneficie. Quem vai beneficiar serão clubes que andam na Europa, que já são as equipas que mais contribuem para o ranking. O FC Porto e o Benfica fazem os pontos. Só estamos atrás da Rússia porque o Braga, o Rio Ave e outros não têm capacidade financeira para competir com os russos", avança.
"O que é preciso é criar meios para os clubes médios aumentarem a competitividade. É só ir ao site da Autoridade da Concorrência e ler a recomendação ao governo para legislar a centralização dos direitos televisivos...", sublinha o gestor.
"O que se quer é transformar a I Liga numa competição cada vez mais fechada e elitista. O Benfica esta época deve fazer receitas entre os 250 e 280 milhões de euros. E só 40 milhões são da televisão. Já 3,5 milhões das receitas do Moreirense são da televisão e representam 90% das receitas totais do clube. Isto é o lobby dos grandes", admite, quando confrontado com o exemplo a nível europeu de criação da Superliga.
"Falou-se também da criação de um fundo de compensação, em que os grandes cedem 10% das receitas angariadas na UEFA aos outros clubes da Liga. Isso vai dar o quê? 300 ou 400 mil euros anuais? Na Holanda, criou-se esse fundo solidário, até por iniciativa dos três maiores clubes [Ajax, PSV Eindhoven e Feyenoord] porque tinha um problema grave: os grandes não faziam pontos na UEFA. E atenção que já têm os direitos centralizados", concluiu.