Não basta mais sol nem melhor diplomacia para ultrapassar a Rússia
O jornalista António Barroso escreve hoje, em O JOGO, sobre o plano de reestruturação apresentado ao futebol profissional português.
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O diagnóstico está feito. A Federação Portuguesa de Futebol chamou a Liga e os seus associados - as sociedades desportivas (que também são os clubes, à exceção do Belenenses) - e deixou o repto: ou se faz alguma coisa por isto, ou esqueçam a primeira divisão das competições europeias. Bem, antes de mais, convém recordar que estamos a falar de um ranking que pode vir a ser atirado às silvas caso a gestora dessa tabela, a UEFA, ceda às pretensões dos clubes europeus de dimensão astronómica e crie mesmo uma Champions mais elitizada e fechada, com subidas e descidas, também ela passível de se dividir em duas divisões, conforme foi noticiado nos últimos dias (ler aqui).
Por exemplo, se isso acontecesse - e ninguém sabe o que a UEFA e a ECA estão a cozinhar - a própria Liga Europa (LE) seria despromovida a terceira e quarta divisão das provas de clubes do Velho Continente, sabendo-se que, a partir de 2021 (ler aqui), começa a disputar-se a sua versão secundária (Liga Europa 2). E nesta, pelo ranking atual, estarão o terceiro e o quarto classificados da I Liga portuguesa, ambos a terem que disputar as qualificações de acesso à fase de grupos, tal como o vencedor da Taça de Portugal teria de jogar o play-off da Liga Europa 1. É, a coisa não está fácil para os nossos lados.
A boa diplomacia nas instâncias do futebol europeu e muito mais sol durante o campeonato do que aquele que brilha na Rússia não são - é um facto - suficientes para melhorar o desempenho das equipas portuguesas.
Já não interessa muito o que nos trouxe a este panorama, impávidos (mas não serenos) no sétimo lugar no ranking FIFA, a mais de 2.700 pontos dos russos (Portugal: 47.832 vs Rússia: 50.549, à data). O que interessa é que os russos são o nosso adversário direto e assim o admitiram os presentes no encontro que decorreu quinta-feira na Cidade do Futebol.
Soluções? Competitividade externa é um objetivo. E, por comparação, alguns dados são fáceis de contemplar: os russos têm um campeonato com 16 equipas, por contraponto às 18 portuguesas. E têm apenas 35 por cento de jogadores estrangeiros em prova, face aos mais de 62 por cento em Portugal. Ok, pondere-se a possibilidade de baixar o número de jogos e de fortalecer regulamentos que privilegiem o recurso aos jovens talentos formados localmente (o que não quer dizer "portugueses", como bem se sabe). Menos jogos, mais descanso e mais fornadas de jovens talentosos... Mas é importante que estes não queiram por cá ficar apenas dois ou três anos antes de rumarem aos campeonatos dos melhores salários.
Mas na Holanda também se fuma "erva" sem complexos e a prostituição garante, com cartão sindical, sexo seguro aos consumidores. Mentalidades, digo eu.
Bem, então há que equilibrar as coisas, para que todos - além de FC Porto, Benfica e Sporting (e até Braga) - possam reter talento em Portugal e assim melhorar a competitividade interna. Não sendo fácil, a solução também parece interessante: um mecanismo solidário, "taxando" receitas conseguidas pelas equipas lusas na disputa das eurotaças e outras a definir (porque tudo está por definir). No fundo, uma taxa "Robin dos Bosques" no futebol, como a que está mostrar bons resultados na Holanda. Certo. Mas na Holanda também se fuma "erva" sem complexos e a prostituição garante, com cartão sindical, sexo seguro aos consumidores. Mentalidades, digo eu. E essas não se mudam por decreto. E, convenhamos, as receitas portuguesas nas competições europeias não são tão grandiosas que, seja qual for a percentagem (na Holanda são 10 por cento), sirvam para financiar seriamente do quinto classificado para baixo. Mas já é qualquer coisa.
Por decreto, sim, ou por proposta parlamentar, a carga fiscal no futebol, atendendo às especificidades da profissão de curta duração dos jogadores, é que pode descer consideravelmente, haja vontade política para isso. Baixar o custo da contratação dos melhores jogadores pode ser bom para a economia, no geral, mas seria ótimo para a indústria do futebol profissional. É que, em cada salário de cada jogador, cada cem mil euros custa 246 mil brutos ao emblema. Não é dinheiro que entra, mas é dinheiro que não sai dos cofres das equipas.
É verdade, com menos carga fiscal pagam-se melhores salários, retém-se o talento e atraem-se estrelas, mesmo as (de)cadentes, nomes que poderiam otimizar recursos e levar as pessoas às bancadas. Melhores "preços" no IRS, IRC e IVA, assim como no custo dos seguros, é uma vantagem. Mas, à exceção dos seguros, é algo que depende da vontade governamental. E, neste particular, o prestígio de Fernando Gomes e os feitos da Seleção podem ser um trunfo dos grandes.
Outra das possíveis soluções passa por alterar os quadros competitivos - há algum tempo que se sussurra a redução para 16 equipas em cada uma das duas ligas -, o que poderia retirar um mês de jornadas (quatro) ao calendário e garantir menos carga física. Mas, tal como O JOGO revelou há dias, os oito sobreviventes na Liga dos Campeões têm todos mais jogos no lombo que os oitos que foram eliminados. Não é uma ciência exata, essa que aponta para menos jogos no inverno, embora tudo possa ajudar.
É que, em cada salário de cada jogador, cada cem mil euros custa 246 mil brutos ao emblema.
Nós até podemos crescer se o plano federativo contar com a anuência dos clubes. O que me parece mais difícil de resolver é como travar a marcha dos russos, cujo investimento estrutural é enorme e, admita-se, imparável, contando com fundos monetários extraordinários. Parece, sim, impossível impedir as equipas russas de continuarem a municiar-se com bons jogadores, não só os que lá são formados, como aqueles que "importam" de outros campeonatos, nomeadamente do português. Oferecem melhores salários e têm investimento do Estado e das poderosas indústrias russas, onde não são apenas dois ou três emblemas com grandeza para disputar títulos ou conquistar pontos na Europa.
São mais do que três emblemas e contam com os milhares de milhões de rublos/dólares/euros de multibilionários que investem a sério no futebol em todo o mundo. Desde a estatal Gazprom, um dos principais patrocinadores das provas da UEFA, aos magnatas do petróleo, do gás, da alta finança e sabe-se lá mais do quê.
Para mim, que até sou um otimista, é preciso um pouco mais do que uma taxa Robin dos Bosques, menos carga fiscal e menos quatro jornadas ao ano para conseguir bater e ultrapassar a extraordinária capacidade financeira do futebol russo, que até já esteve melhor e já teve mais estrelas. Mas se nada se fizer, nada se consegue. Nem que seja para não perder o sétimo lugar para a Ucrânia, Bélgica ou Turquia.
A boa diplomacia nas instâncias do futebol europeu e muito mais sol durante o campeonato do que aquele que brilha na Rússia não são - é um facto - suficientes para melhorar o desempenho das equipas portuguesas. Nem cá dentro, muito menos lá fora.