Assim renasce o Estrela: "Vou de fato e gravata para a reunião e acabo a limpar as casas de banho"
Estrelistas apontam o Belenenses como principal candidato, mas colocam-se ao lado do Operário no grupo de equipas que têm como ambição a ascensão à Divisão de Honra da AF Lisboa
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Oito anos depois, o Estrela da Amadora volta a disputar jogos oficiais de futebol em equipas seniores. Já não com a designação de Clube de Futebol Estrela da Amadora, que antes tinha, mas agora com o nome de Clube Desportivo Estrela. "É uma instituição nova", explica o presidente, Rui Silva, um dos 13 fundadores deste novo projeto, nascido em 2011. "Não herdámos nada do antigo clube. Nem dívida, nem património. Tudo faz parte da massa insolvente. Para já temos é um contrato de utilização do estádio. Pagamos ao administrador da insolvência, que foi nomeado pelos tribunais", conta um advogado que cresceu nesta cidade dos arredores de Lisboa. "Há pessoas daqui que têm outros clubes, como o Benfica ou o Sporting. Eu sempre fui e sou do Estrela", garante, explicando que na altura da falência do antigo clube tinha cartão de sócio em dia.
Agora empenha-se a fundo, embora com carácter "pro bono", ou seja, sem remuneração, para levar longe este projeto. A competir no terceiro escalão dos distritais de Lisboa, o clube assume um objetivo declarado: regressar o mais depressa possível à I Liga. "O que queremos é chegar onde o Estrela já esteve. Foi para isso que refundámos o clube. O nosso objetivo é a I Liga", afirma, convicto, apesar de saber que pela frente tem uma tarefa árdua (e morosa). Primeiro tem de subir da I Divisão distrital à Divisão de Honra e desta à Pró-Nacional. Depois terá pela frente Campeonato de Portugal, II Liga e, finalmente, a meta da I Liga. Em cinco anos, é possível, mas muito difícil. "Em quanto tempo? Se depender da nossa vontade, será em cinco anos. Mas para já é o ano zero e não fazemos exigência nenhuma de subida aos atletas. O tempo o dirá. Seria uma grande ousadia dizer que queremos a I Liga em cinco anos, por isso o que podemos dizer é que vamos dar tudo fora do campo para que seja adquirida uma estrutura que permita suportar o objetivo de fazer do Estrela uma referência do futebol nacional", diz.
Rui Silva tanto veste fato e gravata como no dia a seguir o troca pelo fato-macaco... e uma esfregona
Para dar corpo a este projeto dos seniores foi convidado Ricardo Monsanto, treinador ambicioso e sem medo de assumir a luta por um dos dois primeiros lugares da sua série. "Esta Direção tem o objetivo de chegar à I Liga, seja em cinco, oito, dez ou quinze anos. Mas para já o que me pediram foi que formasse um plantel sénior com uma equipa competitiva. E ponto final. Para já, esse objetivo está conseguido. O segundo objetivo é ir ganhando jogo após jogo, e depois logo se vê. De qualquer forma, pelo investimento que o Belenenses fez, pelo que gasta todos os meses, com jogadores de II Liga, é o grande favorito. Depois há o Operário, que também fez um grande investimento. E depois pode haver um ou outro outsider. Sobem duas equipas, uma outra vai ao play-off e nós queremos estar nessa luta. Se entrarmos na reta final da época com possibilidades de subir, não enjeitaremos a possibilidade de o fazer logo no primeiro ano", assume o técnico.
Um presidente "faz-tudo" que até limpa o WC
Rui Silva é um presidente fora do comum. Segundo conta, tanto veste fato e gravata num dia como, no outro, o troca por um fato-macaco. E se for preciso, com um balde e uma esfregona ao lado. "Eu posso ir de fato e gravata para uma reunião, mas logo a seguir posso ir limpar as bancadas do estádio ou os balneários da equipa. E até hoje isso não aconteceu só uma ou duas vezes. Desde o chuveiro até às casas de banho", conta com humildade, respondendo depois, quando O JOGO lhe perguntou se o serviço de limpeza incluía as retretes: "Se for preciso. Quando digo balneários, isso inclui tudo o que faz parte de um balneário."
O líder tem na corrida um dos seus hóbis, contando que participa com frequência na S. Silvestre da Amadora, a histórica prova que se realiza na cidade durante a noite de passagem de ano
Para além disso, Silva exerce advocacia num escritório e, nas horas vagas, faz umas corridas para não perder a boa forma. "Também sou atleta. Mas corro por prazer, não sou atleta de eleição", diz, lembrando que faz várias meias maratonas e que uma das provas em que mais gosta de participar é a histórica S. Silvestre da Amadora, tradicionalmente realizada na noite de passagem de ano.
Quanto a finanças, recusa-se a explicar quais os meios de financiamento do clube, mas, perante muita insistência, lá falou das receitas provenientes dos associados: "Temos cerca de 1500 sócios. Pagam dois euros por mês os que têm entre 18 e 65 anos; os mais velhos e os que têm entre 12 e 18 anos pagam um euro. Em relação aos atletas, temos neste momento 180 futebolistas, de várias idades, e 20 no ténis de mesa, fora os do atletismo."
Na escolha do treinador, teve uma quota-parte de responsabilidade. Ricardo Monsanto foi o homem considerado ideal, ele que até tinha um capital de experiência a não desprezar. Foi o próprio a explicar as razões do seu ingresso num clube que vai recomeçar de baixo: "O Estrela reabriu as portas e a verdade é que ninguém diz "não" a um clube como o Estrela. Eu tinha estado a treinar na Irlanda do Norte, depois na República da Irlanda e nessa altura perdi tempo de mercado. Tinha mais convites de lá e também da China, mas entretanto surgiu o Estrela. Eles disseram que precisavam de um treinador como eu. E o Estrela é o Estrela! Num mês aqui, já tenho tido mais mediatismo do que se estivesse três ou quatro anos na Divisão Pró-Nacional."
Treinador do Estrela trabalhou durante quase dez anos com Aurélio Pereira no scouting do Sporting
Monsanto é especialista em talentos
Ricardo Monsanto ainda não tinha 20 anos quando se estreou como treinador nas camadas jovens do Atlético. O grande passo no futebol, porém, deu-o tempos depois, quando iniciou um período de quase dez anos no departamento de formação do Sporting. "Trabalhei de 2001 a 2010 com Aurélio Pereira na deteção de talentos do Sporting. Foi uma das pessoas com quem mais aprendi de futebol. E aprendi a detetar talentos desde muito cedo, em jovens com 14 ou 15 anos. Aliado a uma experiência muito grande, o Aurélio tinha um método e uma equipa muito competente a trabalhar sobre esse método", conta a O JOGO. Questionado sobre as maiores influências, afirma: "José Mourinho e Leonardo Jardim são as minhas referências. No estrangeiro, é Arsène Wenger. Quando eu o seguia, ele ganhava tudo."
David Alves: um Simão em potência
Viveiro de grandes jogadores (ver caixa), o Estrela volta a ter futebolistas promissores nos quadros. Um deles é David Alves (na foto), extremo de 19 anos que, segundo o treinador, é um Simão Sabrosa em potência. "Por acaso, até era dos jogadores de que eu mais gostava", conta David, à conversa no José Gomes antes de mais um treino. "Na altura do Estrela na I Liga, eu nem via jogos. O que sei, de me contarem, é que Benfica, FC Porto e Sporting sofriam muito para vencerem aqui", conta, desvendando sobre si próprio: "A minha maior virtude é a velocidade."
Plantel: 400 vieram para as captações
Para este plantel de 25 elementos, o treinador Ricardo Monsanto convidou 16 jogadores por iniciativa própria, escolhendo os outros nove através de captações. "No total, vieram cerca de 400 jogadores. Só num treino, tive aqui 120. Tive de mandar muitos embora e alguns sem os ver bem. Às tantas, até cometi alguma injustiça", comentou Monsanto.