<strong>O JOGO - 35 ANOS || 1993 || A VÉNIA DE VÍTOR BAÍA - </strong>O FC Porto é campeão nacional de futebol e nasce um mito das balizas. Antes de se impor nas Antas, Barcelona e no Dragão, Baía tinha de saltar o muro para entrar em campo, na Académica de Leça
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Em 1970, havia 6.050 homens entre os 13065 presentes em Leça da Palmeira (Matosinhos) por altura do 11º Recenseamento da População e, distribuídos pelos quase seis quilómetros quadrados da freguesia existiam, pelo menos, 16 equipas de futebol, para lá do Leça FC - a bandeira da "terra mais bonita de Portugal" estava num outro patamar, o dos campeonatos nacionais.
Foi berço de um dos melhores guarda-redes de todos os tempos
O resto era futebol de rua. Uma rua podia ter mais do que uma equipa, famílias dividiam-se em rivais e os dérbis eram rijos. Foi nesse ambiente de amizade de homens novos (com o Ultramar no horizonte) que nasceram Almeiriga, Almeiriguense, Leões da Agra, Leões de Leça, Bebés da Amorosa, Amorosense, Ases de Leça, Desportivo de Leça, Portuguesa de Leça, Santistas, Bairristas, Atlético de Leça, Titãs, Grupo Desportivo da Bateria Anti-Aérea de Leixões (BAAL) e a Associação Académica de Leça.
Nasceram do nada, consumiram-se em torneios sazonais, recordações e amigos para a vida toda, e muitos desapareceram sem alguma vez terem tido morada ou campo. A Académica de Leça resiste e permanece fiel a essa filosofia: já lá vão 53 anos de atividade (foi fundada em 1966) e continua sem ter sede ou recinto próprios, mas, daquele universo, é quem mantém a bola a rolar.
Não já no futebol, antes no futsal (e no bilhar). Sem casa, sem pavilhão, mas com 120 atletas e todos os escalões a funcionar. "Somos o clube do concelho com mais inscritos na Associação de Futebol do Porto", refere Fernando Santos, presidente e fundador.
O que falta em património sobra em sucesso, medido por número e qualidade dos atletas: foi berço de um dos melhores guarda-redes de todos os tempos. Vítor Baía, 50 anos, nasceu desse futebol dos amigos da rua. No tempo dele, o campo era o do BAAL. Muito antes de pisar os relvados das Antas, de Barcelona, do Dragão, o palco era a Bateria, um enorme retângulo de terra batida e as balizas de paus, em pleno quartel, esvaziado após a Revolução do 25 de Abril.
Subia-se o muro, que tinha uma pedra tombada como degrau, e a bola rolava
Subia-se o muro, que tinha uma pedra tombada como degrau, e a bola rolava. Ali e onde houvesse torneios. Numa dessas provas, o FC Porto foi vê-lo e o futebol passou a ser a sério para ele e para Domingos Paciência. A Académica seguiu como era. Não tem sede, mas uma sala cedida pela autarquia no complexo desportivo que se ergueu nas ruínas do quartel. A Bateria foi tomada pelo desporto, a terra batida pelo sintético e a Académica cinquentenária recolheu ao pavilhão.