Milene Ramos, treinadora portuguesa, está há quatro anos na Finlândia, depois de uma passagem pelo Canadá
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Milene Ramos é uma autêntica embaixadora do futebol português além-fronteiras. Com 33 anos, a treinadora natural de Leiria começou a carreira nas camadas jovens da União Desportiva da Batalha e na Associação de Futebol de Leiria. Em 2019 tomou a decisão de uma vida: recusou uma proposta para trabalhar numa academia da Juventus no Kuwait e aceitou o desafio de treinar no Canadá, na London TFC Academy. Em 2020, em plena pandemia, surgiu a oportunidade de trabalhar na Finlândia, onde está há quatro anos.
Depois de representar a UD Batalha, entre 2012 e 2018, e a Associação de Futebol de Leiria, emigrou para o Canadá. O que a levou a tomar essa decisão?
-Estava a ficar frustrada por permanecer na minha zona de conforto. Já trabalhava na UD Batalha há muitos anos, mas não conseguia ser treinadora a tempo inteiro. Dava aulas, jogava futebol e ainda treinava, e o que ganhava mal chegava para cobrir as despesas, para não falar no cansaço. Estudei durante cinco anos, com a ajuda dos meus pais, e sentia que não estava a conseguir retribuir.
O convite surgiu através de um professor seu, que procurava especificamente uma treinadora.
-Sim. O London FC procurava uma treinadora e enviei o meu currículo. Acho que fui a única da turma a fazê-lo. O meu inglês era muito fraco, mas precisava de sair da minha zona de conforto. Quando cheguei lá, não conhecia ninguém e fiquei chocada ao perceber que havia apenas homens. Esperava encontrar mais treinadoras.
Como avalia o futebol feminino no Canadá, que é uma das potências mundiais?
-Era impressionante. A jogadora canadiana revelava uma mentalidade incrível: após os treinos permanecia no campo a treinar. Elas trabalhavam muito mais e tinham um compromisso diferenciado.
Em 2020, na pandemia, surgiu a oportunidade de ir para a Finlândia, através de um convite de um antigo adversário dos tempos da UD Batalha, que estava como coordenador no Peimari United. Foi uma decisão fácil?
-Sentia-me insegura e procurei novos desafios. Foi aí que surgiu o convite do Tiago Santos, um antigo colega de estudos e adversário, que coordenava o Peimari, um clube que apostava muito em portugueses. No entanto, nunca tiveram uma treinadora no clube e o presidente estava muito reticente. O Tiago disse-me isso apenas duas horas antes da entrevista.
E como foi a experiência de ser a primeira treinadora no Peimari United?
-O presidente conversou comigo e apreciou a minha visão do futebol e a minha postura. Estive dois anos no clube e consegui subir de divisão com a equipa sénior feminina. No entanto, foram tempos desafiantes: as jogadoras seniores tinham de pagar para jogar, enquanto os jogadores masculinos não pagavam, e alguns até recebiam. Custou-me muito aceitar essa desigualdade. Fiquei para a segunda época no Peimari pelas minhas jogadoras.
Atualmente está no Espoon Palloseura (EPS), um dos maiores clubes de formação na Finlândia, onde é treinadora principal das sub-15 e adjunta das sub-14. Como tem sido?
-Foi um grande salto. O EPS é um dos maiores clubes de formação da Finlândia e temos várias jogadoras na seleção nacional. Tem sido um desafio para mim, tanto a nível profissional como pessoal.
Como é ser uma treinadora portuguesa nos países por onde tem passado?
-Sinto que valorizam muito os treinadores portugueses. No entanto, tanto no Canadá como aqui, esperava ver mais treinadoras. Na primeira divisão finlandesa, não há uma única treinadora. Sinto que temos de trabalhar muito mais para merecer oportunidades. As competências não têm género.
Por fim, a Milene está há seis anos a trabalhar fora de Portugal. O que mais sente falta do seu país?
-Essa é fácil: a comida. Aqui não há pratos típicos, é muito centrado no salmão. Sinto falta de um bom bacalhau. Às vezes, junto-me com alguns portugueses da minha zona e encomendamos produtos portugueses para nos reunirmos e fazermos jantaradas.