Sendo um dos países mais pobres da Europa e tendo poucas camas em unidades de cuidados intensivos, tendo em conta a população total, Portugal poderia ter tido bastantes mais dificuldades a combater o coronavírus. O The Telegraph analisa e tenta explicar o que é que se fez bem por terras lusitanas.
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Porque é que a percentagem de testagem à covid-19 em Portugal é mais do dobro do que quase todas as outras nações? Este foi o ponto de partida para o jornal britânico "The Telegraph", que analisa a forma como o coronavírus está a ser combatido em terras lusitanas e tenta explicar o porquê do sucesso, quando era expectável que um país com um sistema nacional de saúde mais fraco e uma economia mais debilitada do que a maioria dos países europeus.
Num extenso artigo, a publicação inglesa refere que Portugal é um país com muitas semelhanças a Espanha e Itália, que foram e estão a ser muito mais afetados pela pandemia, e recorda que a percentagem da população com mais de 65 anos é uma das maiores do mundo, superada apenas pela do Japão e da Itália.
Além disso, a quantidade de camas disponíveis em unidades de cuidados intensivos é baixa comparada a muitos outros países da Europa e todos estes fatores podiam fazer prever que Portugal iria ter muitas dificuldades em lidar com o vírus. A verdade é que as piores previsões não estavam corretas e Portugal até tem sido apontado com um exemplo pela forma como lidou com a situação, tomando rapidamente medidas de contenção.
Inês Fronteira, professora de saúde pública no Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa, explica ao The Telegraph que o que aconteceu em Itália e Espanha serviu de alerta para os portugueses e isso talvez tenha sido preponderante.
"Acredito que tenha havido - não digo medo - mas algum tipo de pensamento de 'Bem, devemos ter cuidado, porque podemos não ter a capacidade de resposta que vamos precisar se não ficarmos em casa'. 'Senão respeitarmos as medidas de isolamento, podemos acabar no hospital e não teremos os recursos necessários, porque outros países mais ricos estão a mostrar que não são capazes de responder a isto'", sugeriu.
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Mas, além das medidas tomadas, Portugal é um dos dez países do mundo com mais testes feitos per capita. E isso explica-se pela forma como rapidamente se percebeu que não haveria capacidade para testar rapidamente, a menos que se pusesse mãos à obra e se começasse a produzir internamente.
"Inicialmente houve algum stress para arranjar testes. Não estávamos preparados para testar em quantidade ao ritmo da propagação do vírus", afirma Miguel Viveiros, Professor Catedrático com Agregação em Ciências Biomédicas (Especialidade Microbiologia) na Unidade de Microbiologia Médica do Instituto de Higiene e Medicina Tropical.
"É óbvio que não há testes suficientes. É um teste difícil, demora algumas horas, é caro... O teste que fazemos sempre no laboratório é o PCR, portanto não deverá ser difícil. Em vez de encomendarmos kits de testagem caros de fora, podemos fazer nós próprios". Assim pensou Maria Manuel Mota, diretora do Instituto de Medicina Molecular (IMM) na Universidade de Lisboa.
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Em poucas horas, foi desenhado um protocolo, no dia seguinte falaram com uma empresa portuguesa responsável por fazer os reagentes e, apenas numa semana, estavam prontos a começar a trabalhar, faltando apenas a permissão do Instituto Ricardo Jorge.
"As autoridades portuguesas foram fantásticas. Logo que comecei a chamar as pessoas certas, deram-nos o ok e os testes começaram a ser desenvolvidos", lembra Maria Manuel Mota. Em algumas semanas, os laboratórios das universidades e dos privados estavam a utilizar o protocolo desenvolvido no IMM, ou a desenvolver os próprios testes, aumentando a capacidade de testagem à população.
Filipe Froes, médico pneumologista, diz que o esforço para combater a covid-19 e o sucesso que daí adveio não se prende apenas com a rápida resposta do governo, mas também da comunidade. Dos cidadãos que ficaram em casa e dos produtores que ajudaram hospitais e se reinventaram nesta fase crítica. Um dos exemplos, foram as fábricas que voltaram ao ativo para produzir máscaras de proteção ou as empresas de produção de bebidas alcoólicas que começaram a utilizar álcool para a produção de desinfetante.
"No final de contas, isto não é um milagre. É trabalho e organização. Seguimos uma estratégia. Em Portugal, nós dizemos: 'Se não sabes para onde ir, nenhum vento é favorável'. Portanto, nós sabíamos para onde ir e como tirar vantagem do tempo para nos prepararmos", remata o clínico.