Desde 2009 que Portugal é paragem obrigatória para a elite mundial e não apenas durante a etapa do World Tour. O nosso país organiza atualmente tantos eventos de surf quantos os que têm lugar no arquipélago norte-americano, desde sempre a Meca da modalidade
Corpo do artigo
A passagem pela elite do surf mundial nas ondas portuguesas não se resume ao Moche Rip Curl Pro Portugal, a penúltima etapa da World Surf League que se disputou em outubro último na Praia de Supertubos, em Peniche.
Em crescendo, o nosso país tornou-se uma paragem mais do que obrigatória para os melhores do mundo, de tal forma que atualmente é palco do mesmo número de provas que o Havai, desde sempre visto como a Meca da modalidade e o berço de algumas lendas como Andy Irons (tricampeão entre 2002 e 2004, desaparecido em 2010).
Além da competição de Peniche, são organizadas duas provas do circuito de qualificação com graduação máxima (SATA Azores Pro e Billabong Pro Cascais) e a etapa do World Tour feminino (Cascais Women's Pro), o que perfaz mais de um mês com a presença de grandes nomes do surf por cá.
À boa maneira havaiana existe até o Cascais Trophy, que distingue o melhor surfista ao longo da "perna portuguesa" das três provas masculinas e é inspirado na famosa Triple Crown, criada em 1983.
"Temos claramente uma espécie de Havai na Europa. Não é nenhum exagero dizer isso nem que Supertubos é a Pipeline europeia. É assim que nos queremos posicionar. Queremos fazer com o surf o que os Alpes fizeram com a neve. As pessoas quando pensam em fazer ski pensam em ir aos Alpes. Aqui é a mesma lógica", conta Francisco Spínola, o representante da World Surf League em Portugal, à reportagem da J.
Em 2009, foi Spínola que levou a proposta à Rip Curl internacional para que a etapa mundial se fizesse em Portugal, na altura "já convencido que tudo ia correr bem e que o surf tinha um potencial muito grande". "A prova tem vindo sempre a crescer. Todos os anos temos mais público na praia e temos conseguido ter mais e melhores patrocinadores. Nessa sequência, conseguimos que existisse um conjunto de grandes eventos, o que faz com que Portugal seja, de longe, a maior potência do surf na Europa", assume.
"Search" de 2009 convenceu toda a gente
Quando a elite aterrou em Portugal, em 2009, era suposto tratar-se de uma passagem única, pois vinha para disputar uma competição móvel que todos os anos mudava de sítio. Era o chamado "The Search" ("Busca"), por significar a procura pelas melhores ondas do planeta. Antes, a última vez que uma etapa do mundial por aqui tinha passado foi em 2002, na Figueira da Foz, mas com algum insucesso pelo meio, pois a prova nem chegou ao fim por falta de ondulação.
Tudo foi diferente no caso de Supertubos, onde a perfeição parece ter sido encontrada, já que, de forma inédita, uma prova itinerante se tornou fixa e, passados sete anos, se trata de um evento totalmente sólido e com um impacto assinalável na economia nacional, de 25 milhões de euros, de acordo com os últimos estudos feitos. "Foi fácil propor aos atletas e ter o apoio deles na decisão de a prova passar a ser fixa. Eles querem competir em ondas de qualidade e esta é uma delas, está entre as melhores do mundo. Além disso, uma onda tubular é o melhor que se pode oferecer aos seguidores e até mesmo a quem não é adepto e está a descobrir este desporto", defende o tour manager da World Surf League, Renato Hickel.
No encalço de Tiago Pires
Entre os melhores do mundo, não faltam elogios às águas portuguesas, como é o caso do norte-americano CJ Hobgood, veterano de 36 anos que está prestes a despedir-se, ao fim de 17 no circuito. "Quando penso em Portugal lembro-me sempre as ondas de gabarito mundial e das pessoas. A primeira vez que aqui vim foi como um concerto de rock. Acho que nunca tínhamos passado pela experiência de ter tanta gente na praia. As pessoas daqui adoram surf e isso torna tudo mais fácil".
No entanto, Tiago Pires, dono também de uma carreira longa, pois começou a disputar o circuito de qualificação em 1999 e passou sete anos no top-34 mundial (de 2008 a 2014), ainda tem presente na memória o tempo em que não se dava tanto valor à modalidade, que só em 2011 passou a tema âncora do Turismo de Portugal.
"Tudo na vida é uma aprendizagem. Às vezes quase que é preciso porem-nos as coisas à frente da testa para percebermos. No caso do surf foi um pouco assim", conta o melhor surfista português de todos os tempos, consciente que o seu percurso solitário também ajudou a um maior investimento. "É muito bom ver que o desporto cresceu, um pouco na sequência daquilo que eu fiz. Realmente foi uma longa caminhada. Antes ninguém ligava nada. Hoje em dia toda a estrutura é muito maior e fico muito contente por ter contribuído para isso", completa.
Do contacto mais frequente com a elite resultou o aparecimento de uma promissora geração de portugueses, composta por Vasco Ribeiro (atual campeão do mundo de juniores), Frederico Morais, Nic Von Rupp ou José Ferreira, que quer seguir as pisadas de Saca e sonha com um lugar World Tour.
(reportagem publicada na revista J de 1 de novembro de 2015)