Aos 36 anos, é um dos mais fortes nomes do trail nacional. Ester Alves esteve em grande, em Espanha, ao vencer, pela segunda vez, a Maratona da Serra Nevada. Isto poucos dias depois de ter concretizado um grande objetivo pessoal a nível académico
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O que se sente quando se cruza a meta em primeiro depois de 40 km na montanha?
Uma enorme felicidade. Estive em segundo lugar durante 37 quilómetros e só a cinco da meta é que consegui passar a primeira atleta numa zona de alcatrão, fora do trilho, muito complicada.
Isso aumenta a sensação de conquista? Ou é igual a liderar uma prova desde o início?
Nas provas de montanha nunca há certezas até vermos a meta ao longe. Tudo pode acontecer até aos últimos quilómetros. E cada vez mais me apercebo de que vale a pena ir sempre até ao final e acreditar na nossa superação pessoal.
Há tempo para pensar noutras coisas numa prova de trail? Ou só se pensa na montanha, no trilho e... em não cair?
Depende muito da prova... se é uma prova de 40 ou de 170 km. Na maratona de montanha não há tempo para desviar a atenção do trilho nem de parar nos abastecimentos. Mas nas provas de alta montanha e de cem milhas temos de gerir a alimentação, a motivação, os quilómetros e os pensamentos. Há tempo para pensar em muita coisa.
Qual o maior susto que apanhou?
No trail, talvez tenha sido no chamado "Ice Trail". Na parte mais alta da prova (a 3600 metros), onde corremos sobre neve com crampons, na descida do pico mais alto (Grande Motte), escorreguei e não consegui travar o corpo. Fiquei com várias queimaduras na pele e com muito respeito à neve.
Acabou de concluir o doutoramento...
Defendi doutoramento dia 10 de julho no ICBAS /FMUP na área da Patologia e Genética Molecular. Estive quatro anos a estudar o papel da adrenalina na memória. Não foi nada fácil conciliar o estudo com os treinos e provas. Tive dias e momentos de muita ansiedade em que tudo parecia não resultar e só com o enorme apoio de quem me está mais próximo é que consegui sobreviver a todos os momentos.
É mais fácil concluir uma maratona na montanha ou um doutoramento?
É bem mais divertido e motivante terminar uma maratona de montanha, porque é o que nos está no sangue... num doutoramento, temos de publicar artigos, submeter investigações a revistas científicas e nem sempre somos bem-sucedidos. Mas o certo é que defender o doutoramento foi, talvez, das coisas mais marcantes e gratificantes que fiz, dá-me uma certa tranquilidade espiritual.
Alunos desportistas, que vivam intensamente a competição, são melhores alunos?
Vai tudo da educação de base, do método, da calma e do desafio. Uma coisa não obriga a outra, mas quem pratica desporto ao mais alto nível é porque se dedica de corpo e coração ao trabalho e ao descanso e a superar objetivos e essa forma de vida passa para o estudo. Tive pais exigentes que nunca me deram nada gratuitamente, tive sempre de lutar por tudo que queria. Esse pode ser um segredo.
O trail cresceu imenso nos últimos anos. Qual será o próximo passo?
Criar a logística para os Jogos Olímpicos.
O trail ainda não tem, nas primeiras linhas, nomes fortes do atletismo de pista ou estrada. Encontra razão para isso?
E acho que nem vai ter, porque o atleta de montanha distingue-se pela potência muscular que a subida e a descida e a técnica exigem. Os atletas de estrada precisam de técnica de velocidade, mas não trabalham os Watts necessários para subir dos 0 aos 2000 metros ou descer. É uma abordagem muito diferente....
Se a Ester apostasse no atletismo de estrada, como motivação principal, poderia estar ao nível das melhores atletas nacionais, como Sara Moreira ou Jéssica Augusto, Dulce Félix...?
Eu nunca seria capaz de acompanhar uma Manuela Machado numa meia maratona, mas no passado já fizemos pódios juntas no trail. A Manuela é das poucas mulheres da estrada que nunca teve medo de experimentar o trail.