Apresentamos-lhe um desporto tipicamente de verão! Apesar de não ser muito conhecido em Portugal, o ultimate frisbee é um desporto inclusivo, que requer muita técnica e tática. É barato, já que o praticante só necessita de um disco que custa dez euros e distingue-se pelos valores que transmite: não há árbitro para insultar...
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Por Paulo A. Teixeira
À hora em que a praia começa a ficar deserta nestes dias de verão, antes das 21h00, a equipa do Lisboa Ultimate Club (LUC) chega ao extenso areal de Carcavelos com um sorriso no rosto e um disco de plástico na mão. E mesmo ao frio ou à chuva, todas as terças e quintas-feiras, eles não faltam. É o momento de treinar ultimate frisbee, modalidade reconhecida pelo Comité Olímpico Internacional (COI) que ainda dá os primeiros passos em Portugal. Ao contrário do que possa pensar, nesta vertente de praia (a mais praticada em solo nacional) não é só chegar, correr e lançar o objeto de 175 gramas, com o qual tantos miúdos e graúdos brincam nas praias.
É necessário técnica e não só. "O ultimate bebe componentes táticas de vários desportos, principalmente do basquetebol, a nível defensivo. São feitas marcações individuais e à zona e a nível de fitness é fantástico, porque correr na areia é superexigente em termos físicos", explica Ricardo Patrão, treinador e capitão do LUC.
Um pouco à imagem do futebol americano, num campo com 75 metros de comprimento por 25 de largura, o objetivo é apanhar o disco na chamada "end zone" (zona de finalização), o que equivale a um ponto para a equipa que marca. As equipas mistas são compostas por cinco elementos, que não podem correr com o disco na mão, sendo que o jogo tem a duração de 45 minutos, mas pode terminar mais cedo, caso se atinjam os 13 pontos.
MODALIDADE SEM ÁRBITROS
Com substituições ilimitadas, o ultimate distingue-se das demais modalidades por não ter árbitros. Aqui, o fair play não é uma treta, pois os valores estão acima de tudo. "Quem chega abraça esta modalidade de uma forma singular. Existe competitividade, mas de forma limpa, sem atalhos para os nossos objetivos. O contacto físico não é permitido e quando cometemos uma infração é o nosso adversário que diz que é falta. E nesse momento em que ele chama a falta, aceita-se e o próprio infrator reconhece que errou. Há uma grande honestidade e quando marcamos um ponto espetacular, em que te lanças em voo para agarrar o disco, a primeira pessoa a dar-te os parabéns e a ajudar-te a levantar é o teu marcador direto", comenta Ricardo Patrão, antigo jogador de andebol que teve de adaptar-se a esta realidade, já que no andebol, "a falta é uma arma tática importante". "Aqui não se ganha a qualquer custo e, se num ponto decisivo fizeres falta, vais engolir em seco. Há uma grande camaradagem entre todos, e em Portugal todas as equipas se dão bem. Quem não cumprir este espírito de jogo, vai autoexluir-se, porque toda a comunidade preza o respeito mútuo", sublinha Ricardo Patrão, acrescentando que os mais pequenos, muitos deles habituados a terem o futebol como modalidade preferida, podem aprender com o ultimate frisbee
"É um desporto espetacular, visualmente engraçado e ajuda miúdos a desenvolverem capacidades de resolução de conflitos. Muitas vezes, vemos que no futebol se atiram para o chão. Aqui não há ratice, é mesmo ver quem salta mais para apanhar o disco."
No final dos jogos, há ainda uma prática indispensável. As equipas reúnem-se em círculo e discutem vários aspetos do desafio. Com custos quase nulos para o praticante (por 10 euros adquire-se um disco), pode divertir-se e manter a forma.
DA ARQUITETA À COMUNIDADE DE ESTRANGEIROS
Como outros desportos amadores, o ultimate frisbee é encarado como um escape às rotinas diárias. "É um pequeno sacrifício chegar aqui às 21h00 para treinar e voltar a casa depois da meia-noite, mas compensa. Saio daqui bem-disposta e se o dia de trabalho corre mal, acabo por esquecer o que me aconteceu", explica Carla Oliveira, arquiteta de profissão. De resto, a multiplicidade de ocupações profissionais dos atletas salta à vista. O treinador/jogador e cosselecionador, Ricardo Patrão, trabalha num banco e ainda toca baixo na banda "Matilha" que, no ano passado, tocou num dos palcos secundários do Optimus Alive. Há ainda designers, enfermeiras cientistas e vários estrangeiros, na sua maioria estudantes de Erasmus que mal chegam a Portugal, procuram locais onde possam praticar a modalidade, muito mais enraizada no estrangeiro.
UM HOLANDÊS QUE TROUXE A MODALIDADE PARA PORTUGAL
Originário dos Estados Unidos, o ultimate frisbee surgiu no final da década de 1960. Expandiu-se para a Europa e chegou a Portugal em 1995 pelas mãos de Patrick van der Valk, holandês casado com uma portuguesa, também ela responsável pela implementação da modalidade. "Começámos em Belém na relva, mas apesar de convidarmos amigos, pouca gente aparecia. Então passámos para a praia. Sempre há bares por perto e pessoas que começam a ver e têm vontade de jogar. Em 1996, organizámos o torneio internacional do Meco e, a partir daí, começaram a aparecer mais jogadores", afirma Patrick, presidente da Beach Ultimate Lovers Association, que continua a praticar a modalidade. "Tenho mais de 50 anos e ainda jogo. Faz-me melhorar fisicamente. Acho que os mais jovens têm aprendido comigo, é muito bom estar com eles", frisa Patrick, um empreendedor que tem organizado os campeonatos do mundo de praia, o primeiro dos quais aconteceu na Figueira da Foz, em 2004.
AS PIADINHAS DOS CÃES...
É quase instantâneo. Quem ouve falar em frisbee pela primeira vez faz uma associação imediata a cães. "Quando explico aos meus amigos que jogo frisbee, surge logo a piada do cão e perguntam se também apanho o disco com a boca. Depois até acham interessante", diz Carla Oliveira, uma das raparigas do LUC. Ricardo Patrão acrescenta: "Há uma componente de diversão grande e, depois da primeira reação ser a associação aos cães, as pessoas ficam fascinadas." De resto, em Portugal, há mesmo competições de "disc dog", em que os cães tentam apanhar o disco no ar lançado pelo dono, ou outra pessoa. Os desportos de disco incluem ainda a vertente indoor e relva - o LUC é o atual campeão nacional de ambas -, semelhante ao praticado na praia, existindo ainda o "disc golf" - vertente em que o objetivo é acertar num cesto de metal no menor número de lançamentos - e o "freestyle". Aqui, como o nome indica, lança-se o disco das mais variadas formas.
SAIBA QUE...
- O campeonato nacional de frisbee de praia é composto por seis equipas e tem cinco jornadas. No próximo ano, o objetivo é aumentar o número de formações para oito a dez.
- A Seleção Nacional de Ultimate Praia ficou em quarto lugar no Mundial disputado em março, atrás dos Estados Unidos, cujo número de praticantes ascende aos 42 mil. Em Portugal, há cem atletas...
- A Associação Portuguesa de Ultimate e Desportos de Disco é presidida por uma mulher, Sara Marques. Para o ambicionado aumento do número de praticantes, estão a ser
desenvolvidos projetos junto das escolas.
Com treinos ajustados a cada faixa etária, o Ultimate Frisbee é um desporto inclusivo praticado por gente de todas as idades.
Publicado na revista J a 05/07/2014