É o selecionador de basquetebol da equipa feminina de sub-20 e tem conseguido os melhores resultados de sempre. Mas a carreira de Eugénio Rodrigues, de 47 anos, ex-advogado, passa também pelo estrangeiro
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Lembra-se dos primeiros tempos no basquetebol?
Foram há muito tempo. Já ando nesta vida há 33 anos. Comecei como jogador no Coimbrões, em Vila Nova de Gaia. Quando entrei para a Faculdade de Direito, já dava treinos e dediquei-me apenas a isso. Joguei só três anos.
Foi pouco tempo.
Comecei muito tarde a jogar e convidaram-me logo para ser treinador. O clube viu que a minha paixão podia ser encaminhada para outra atividade além de jogar. Até porque, convenhamos, era um jogador mediano.
Sempre em femininos?
Sempre. Comecei no minibásquete, até aos seniores. Mas foi um acaso. Comecei logo no feminino e as coisas foram acontecendo com algum sucesso.
Viu muitas jogadoras crescer, quase como se fossem suas filhas?
Sim. E vê-las jogar, ao mais alto nível, uns anos depois, é um prazer e um orgulho. Ver que não se perderam e que o trabalho que fizemos com elas foi rentabilizado.
Enquanto treinador, sente o duelo interno entre ser quase um pai, mas também ter de ser autoritário?
É um ponto de equilíbrio muito frágil. Temos de fazê-las perceber o ponto em que motivamos, quando para elas pode parecer destrutivo. O pai quando bate, gosta da filha. É a mesma coisa na relação treinador/atleta. Mas a mesma frase pode resultar de forma diferente de atleta para atleta.
E fez tudo isso sendo advogado durante o dia...
Quando treinava a formação, era comportável. Conseguia fazer tudo. Trabalhava no escritório durante o dia e no pavilhão à noite. Depois, quando cheguei ao nível profissional, com os treinos bidiários, era muito complicado. Tinha de andar sempre a correr do escritório para o pavilhão e vice-versa. Trabalhava das 8 às 23h.
Trocou o escritório pelo estrangeiro.
Verdade. Primeiro aventurei-me na Dinamarca, onde estive dois anos, e agora estou na Roménia, no Phoenix Galati. Vou para a terceira época no clube.
Entre portuguesas, dinamarquesas e romenas, há diferenças no treino?
São atletas muito diferentes. A exigência na Roménia está no topo e, pelo contrário, a atleta dinamarquesa não tem níveis de sacrifício suficientes. Facilmente as atletas desistem. Portugal estará num meio termo.
Falta cultura desportiva na Dinamarca?
É isso mesmo. E tirar o máximo das atletas foi um desafio. Fui obrigado a apelar a outro tipo de argumentos para manter as atletas interessadas. Sou um treinador latino, e muito expressivo, e tive de me modificar para me adequar à cultura, até social, da Dinamarca.
Em que sentido?
No primeiro jogo que fiz em casa, a minha equipa perdeu. Depois do jogo, falei com a minha equipa e saí do pavilhão no imediato. No dia seguinte, o presidente falou comigo a dizer que não podia fazer aquilo. Tinha de ir à bancada falar com as pessoas sobre o jogo. Responder a questões dos pais das jogadoras. A atitude tem de ser sempre positiva, mesmo perante o fracasso.
Conseguiu adaptar-se a isso?
Cheguei a dar uma conferência, antes dos jogos, aos pais em que lhes explicava o que ia fazer no próximo jogo. Havia uma dinâmica interessante.
Seria possível fazer isso em Portugal?
Acho difícil. Resulta ali, naquela cultura. Aqui seria visto como uma hipótese de criticar e não tanto de entender.
Na Roménia é diferente?
As pessoas são mais quentes, com um cariz latino. Lembro-me de num jogo em casa ter havido uma questão com o árbitro. Eu protestei e ele veio ter comigo e pôs-me a mão no braço para me acalmar. Tudo normal, mas os adeptos reagiram como se estivessem a bater nas filhas deles. Houve gente a invadir o campo. Tive de afastar o árbitro dali, defendê-lo. Há um grande sentido de proteção e bairrismo naquele povo. É reconfortante, mas não estava habituado.
Seleção com futuro risonho
Em 2015, a seleção de sub-20 conseguiu o melhor resultado de sempre basquetebol luso, com um sexto lugar no Europeu. Este ano, ficou-se pelo 12.º, na prova que teve lugar em Matosinhos. Com as mais jovens a terem bons resultados, Eugénio vê o futuro risonho para o basquetebol sénior nacional. "Tudo depende das atletas, mas penso que teremos capacidade para estarmos num EuroBasket e fazermos algo interessante."