Desporto não é apenas competição. Também é saúde e bem-estar. E, neste capítulo, precisamos de fazer mais e melhor. O Instituto Nacional de Estatística (INE) divulgou os resultados do Inquérito Nacional de Saúde feito em 2014. Os dados são preocupantes. Será, por isso, fundamental mudar hábitos em 2016.
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Mais de metade da população portuguesa maior de idade tinha excesso de peso em 2014. O Instituto Nacional de Estatística (INE) divulgou na passada semana os resultados do Inquérito Nacional de Saúde, realizado o ano passado em parceria com o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA).
E os dados não são animadores: 52,8% dos portugueses com 18 ou mais anos referiu ter peso e altura compatíveis com um Índice de Massa Corporal (IMC) * correspondente a excesso de peso ou obesidade, o que representa um aumento de 1,9% em relação ao estudo anterior, realizado em 2005/06 [ver quadro em anexo].
O fenómeno não é exclusivo do nosso país, afeta toda a sociedade ocidental e é um problema de saúde pública, pois mais obesidade traduz-se em mais doença. Segundo informação da Organização Mundial de Saúde (OMS), quase dois mil milhões de adultos do mundo tinham excesso de peso em 2014, dos quais 600 milhões eram obesos.
A mesma entidade prevê uma "grande crise" de obesidade na Europa dentro de 15 anos. Portugal, neste contexto, está numa "situação preocupante", de acordo com Davide Carvalho, endocrinologista e presidente da Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade (SPEO).
"Somos um dos países com uma mais alta taxa de obesidade na população adulta. E estamos, com Malta, no topo da tabela no que toca a obesidade infantil", declarou o responsável, em entrevista à J, dias antes do 19º Congresso Português de Obesidade, que hoje termina no Altis Grand Hotel, em Lisboa, subordinado ao lema "obesidade, não é só uma questão de peso".
Exercício físico de mãos dadas com a alimentação
Segundo explicou Davide Carvalho, "comemos cada vez pior e somos cada vez mais sedentários". Observamos que o número de ginásios não pára de aumentar; que a corrida e novas modalidades como o crossfit, estão na moda.
Ao mesmo tempo, também aparecem no mercado cada vez mais opções de comida saudável, inclusive na área da restauração que chamamos de "fast food". Mas, tudo isto, além de não chegar a todos, é ainda uma gota de água na lógica da atual sociedade de consumo, entretanto afetada por uma crise económica que teve consequências na vida e no comportamento das pessoas.
"Mais horas de trabalho significam menos disponibilidade para o exercício físico. Além disso, a modificação da estrutura das cidades afastou muitas pessoas para os subúrbios, o que faz com que passem muito tempo nos transportes e tenham uma vida mais sedentária", refere o presidente da Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade.
Segundo um estudo de abril da Fundação Portuguesa de Cardiologia, cerca de 64% dos portugueses são sedentários, ou seja, praticam menos de 1 hora e 30 minutos de exercício físico por semana. A média europeia é de 42%. De acordo com o mesmo inquérito, 36% mostram, contudo, vontade de se mexerem mais, mas o dia-a-dia acaba por falar mais alto.
No capítulo da alimentação, verifica-se um "maior consumo de alimentos com alto teor de gordura e açúcar". "São mais baratos dos que as frutas e hortícolas e em tempo de crise, as pessoas mais facilmente optam por este género de refeições", afirma o endocrinologista. Depois, claro, há todo um mercado de consumo, gerido por estratégias de marketing e publicidade, muitas vezes enganosa.
"Num supermercado o que está ao nível dos olhos das crianças não é a fruta, são os chocolates e os rebuçados", exemplifica. Mediante todos estes fatores, não é de estranhar que "as camadas de população mais carenciadas do ponto de vista socioeconómico e cultural sejam as que têm uma maior prevalência de excesso de peso e obesidade".
A experiência de Andreia Santos
Andreia Santos, nutricionista, dá consultas no Porto e em Lisboa e tem mais de sete anos de experiência no desenvolvimento de programas de perda, aumento e gestão de peso, bem como de programas de nutrição desportiva, adaptados à modalidade e aos objetivos dos atletas. Para ela, os números da obesidade em Portugal não surpreendem, mas "são assustadores".
"Têm a ver com más escolhas alimentares, muitas vezes por falta de conhecimento, outras porque é mais barato comprar um bolo do que uma sandes de queijo. Mas também têm a ver com o sedentarismo. Hoje em dia, as pessoas andam de carro para tudo e as crianças deixaram de brincar na rua", declara Andreia Santos à J.
"Deparo-me com estas questões todos os dias nas minhas consultas. É o meu dia-a-dia", acrescenta, considerando existirem, contudo, "indicadores positivos de uma mudança de mentalidade".
"Dou consultas em clínicas privadas e se antes apenas as pessoas de classe média/alta me procuravam, hoje tenho pessoas que fazem um grande esforço financeiro para poderem estar na minha consulta. E há cada vez mais pais a levarem os filhos. Acho que a população portuguesa está mais consciente, mas há ainda um longo caminho a percorrer. São precisas campanhas mais agressivas e concertadas. Só daqui a pelo menos dois anos é que as melhorias vão começar a ter reflexos nas estatísticas", considera a nutricionista e namorada do antigo guarda-redes Vítor Baía, lembrando que a OMS aconselha a ingestão diária de 25 gramas de açúcar, o equivalente ao contido numa única lata de 33 cl de um refrigerante.
"Depois há aquelas pessoas que como fazem exercício acham que podem comer tudo o que lhes aparece à frente. Só para terem uma ideia: se uma corrida de 30 minutos pode corresponder a 300 calorias gastas, a ingestão de uma pizza, por exemplo, equivale à ingestão de cerca de 1500."
À atenção dos clubes de futebol
Davide Carvalho, presidente da Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade (SPEO), deixa um repto aos clubes de futebol, principalmente aos grandes, detentores de maior capacidade financeira. "Estive o ano passado num congresso em Inglaterra e fiquei a saber que o Liverpool tem um programa de incentivo ao exercício físico, exclusivamente destinado aos seus adeptos e sócios. Os portugueses também deviam ter essa preocupação. É uma obrigação social", afirma David Carvalho, adiantando que a SPEO estará disponível para "apoiar cientificamente os clubes".
Depressão e dores lombares
A atividade física, como é sabido, tem inúmeros benefícios, para além do relacionado diretamente com a gestão de peso. Um deles é a libertação de endorfinas, a chamada hormona do prazer, que transmite sensações de relaxamento e bem-estar. Segundo os dados do Inquérito Nacional de Saúde 2014, a depressão é uma das principais doenças crónicas a afetar os portugueses, com especial incidência nas mulheres. Portanto, a atividade física pode ter aqui um importante papel a desempenhar no combate a este problema, bem como nas dores lombares e problemas de costas, a principal causa das queixas crónicas da população.
(Reportagem publicada na revista J a 22 de novembro de 2015)