Chegou há poucos dias da Califórnia, onde esteve a correr a Badwater, prova de 217 quilómetros numa das zonas mais quentes do planeta. Bancária de 38 anos, diz que viver sem correr é como "não respirar"
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Por que razão decidiu participar na Badwater?
Para juntar dois sonhos: correr nos Estados Unidos, onde tenho o meu irmão em trabalho, como médico em Boston, mas também por ser um desafio tremendo. Correr com calor e em ambientes de deserto é algo que me fascina.
Superar as provas mais difíceis e duras do mundo é um objetivo de vida?
Acima de tudo, provas que sejam desafiantes e cujo simples acabar já seja uma vitoria pessoal. Mas normalmente estão incluídas nas listas de provas mais difíceis do mundo.
Como se treina para uma prova com características tão únicas, nomeadamente o calor extremo?
Reparti a preparação em três partes: preparação física para a distância, para o calor e a parte psicológica. Tentei foi correr semanalmente acima de 100 km, para conseguir suportar a elevada distância. Treinei dentro da sauna, para habituar o corpo ao calor, e fiz algumas viagens ao Alentejo no sentido de poder correr com temperaturas mais elevadas. Relativamente à preparação psicológica, que é a que nos permite superar as dificuldades ao longo do percurso, o importante é contrariar a mente; ir contra aquilo que o corpo e a mente pedem. Correr 40 km a um domingo, no meio do Alentejo, com temperaturas acima dos 40 graus, é desafiar a vontade.
Agora que já passou uma semana, que avaliação faz da prova?
Ainda me traz muitas saudades, dado que foi vivida muito intensamente por mim e por toda a equipa, que eram o meu companheiro, Hugo, o meu irmão e um grande amigo. Foi uma vitória pessoal, mas, acima de tudo, da equipa que esteve comigo ao longo de todas as horas. Embora terminar fosse o meu único objetivo, gostaria de o ter feito em menos tempo, mas consegui trazer o sonho!
Um dos concorrentes em prova era o Carlos Sá, que já a venceu. Pediu-lhe conselhos?
Não pedi porque temos objetivos distintos para a prova. Fundamentei muito a minha preparação na leitura de informação sobre a prova, experiência de outros atletas (através de leitura), e tive uma enorme ajuda num dos elementos da equipa do Carlos Sá, o seu médico, o doutor Pedro Amorim, que foi muito importante em muitos conselhos, em especial na parte da logística.
Custou-lhe vê-lo abandonar ou nem se apercebeu disso durante o percurso?
Custou-me muito porque não deixa de ser um dos nossos e a nossa maior referência e inspiração em Portugal, mas compreendo que tal pudesse acontecer, dado que o Carlos segue a prova de uma forma diferente, sempre no seu limite; seguir no limite tem os seus riscos. Fiquei muito feliz por vê-lo, e toda a sua equipa, à minha espera na meta no final da minha prova. Foi muito especial.
Há quando tempo corre?
Comecei a correr há cerca de seis anos. A corrida fazia com que me sentisse bem, dado que ajudava a libertar-me do stress do meu dia a dia profissional, tinha efeitos físicos e psicológicos muito positivos e foi tornando-se viciante. Neste momento, já não me é possível viver sem correr: é um cenário que, para mim, se assemelha a viver sem respirar. Neste momento, já concluí 50 maratonas e ultramaratonas, no seu total. A prova que mais me marcou foi a Maratona das Areias, que fiz em 2015. São sete dias a correr 250 km no deserto do Saara, em que temos de transportar na mochila toda a nossa alimentação, saco-cama, roupa, forma de cozinhar, tudo. Foi mais do que uma prova, foi uma experiência de vida.