Isa Sebastião, professora de Educação Física, 43 anos,é a recordista mundial da maior distância percorrida num Stand Up Paddle Board. Agora, vai resistir "apenas" oito horas, para motivar os outros a fazer o mesmo
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O que passa na cabeça de uma pessoa quando está 24 horas em cima de uma prancha a tentar bater um recorde mundial?
Passa muita coisa, mas há períodos em que não se pensa, sequer. Nos treinos organizo a minha vida, nas provas e eventos é só desfrutar e ter prazer no que estou a fazer. Tenho sempre a cabeça livre para o que estou a fazer, a nível de alimentação, também, mas porque a mente comanda tudo. O corpo aguenta se a cabeça aguentar. A mente é que tem de ter capacidade de ignorar as dores. O corpo dá sinais, mas se a mente estiver determinada esconde esses sinais.
De onde nasceu esta paixão pelo Stand Up Paddle (SUP)?
Sempre fiz desporto e até aos 26 anos a minha carreira desportiva foi como jogadora de basquetebol. Mas sempre gostei de atividades de outdoor. Comecei a fazer kitesurf, depois entrei em contacto com o SUP, quando ainda não havia nada em Portugal. Experimentei e fui crescendo com a modalidade no nosso país, que tem condições excelentes. Fui uma das pioneiras no SUP por cá.
Deixou o basquetebol bastante cedo...
Sim. Deixei de jogar aos 26 anos. Na altura parecia-me o mais correto. Ainda era uma "bebezinha", mas não me arrependo. Enquanto me deu gozo e prazer em jogar, joguei, mas depois queria fazer outras coisas. Foi no timing certo para o que queria fazer depois.
E até estava com uma carreira de sucesso, sendo internacional portuguesa.
Estava a ser boa, é verdade. Mas queria experimentar outras coisas. Era praticamente semiprofissional e isso retirava algum prazer pelo jogo. Tinha algum cansaço acumulado também, porque estava a tirar o curso de professora de Educação Física e depois, noutra fase, já dava aulas. Havia estágios da equipa e da seleção, tinha todo o tempo ocupado e tomei essa decisão. Queria mesmo fazer outras coisas, montanhismo, kitesurf, SUP, entre outras coisas, e não podia porque enquanto jogadora não queria correr esse risco.
Chegou a ter convites para ir para o estrangeiro?
Sim. Tive um convite muito bom de Espanha, mas chegou numa altura em que tinha acabado de entrar na Faculdade e isso fez-me recusar. Não me arrependi. Tirei o curso, tenho a minha profissão... Não era o momento certo. Tive outro, para os Estados Unidos, que chegou numa fase diferente, mas também recusei e não me arrependo.
Como professora de Educação Física tem a missão de passar essa paixão pelo desporto aos seus alunos?
Esse é um dos meus objetivos. Mais que ensinar uma modalidade, tenho de ensinar a gostar da atividade física em geral.
As crianças estão mais ou menos viradas para o desporto atualmente?
Infelizmente, agora não temos as brincadeiras na rua, que havia há 20 ou 30 anos. Perderam-se as atividades livres na rua, correr e saltar. Isso faz falta. Os pais tentam colmatar com as atividades organizadas, mas a rua era muito importante. Era bom essa brincadeira livre voltar. Saltar, correr, cair, ir buscar a bola debaixo do carro...
Voltando ao SUP, a solidão dos treinos é aliada ou inimiga?
O processo é muito solitário, sim, mas dá-me prazer. Mas às vezes pesa um bocadinho. Nos treinos à noite é mais complicado.
A escuridão do mar e dos rios é assustadora?
Lembro-me do primeiro treino que fiz à noite e foi assustador, de facto. Levava uma luz frontal, mas, com o movimento de remar, a luz refletia nos meus olhos e tive de a desligar. Fiz quase 20 quilómetros a remar na completa escuridão, sozinha. Estava muito tensa e acabei o treino muito cansada.