A jovem do Acro Clube da Maia, que vai integrar o espetáculo "Varekai", partiu ontem para Montreal, no Canadá, para a concretização de um sonho, mas antes recebeu a reportagem de O JOGO para contar como tudo começou. A vinda de dois treinadores do maior circo do mundo a Portugal, em maio de 2016, foi o ponto de partida.
Corpo do artigo
"Quando me iniciei, não sabia nada de ginástica, era tudo novo, mas à medida que o tempo foi passando e fui ver alguns espetáculos do Cirque du Soleil, dei comigo a pensar que era mesmo isto que eu queria." Um sonho já antigo tornou-se agora realidade para Jéssica Correia, que representa o Acro Clube da Maia. A jovem de 18 anos prepara-se para ser a primeira portuguesa da ginástica acrobática a ingressar no maior circo do mundo, integrando o elenco do espetáculo "Varekai", o mais antigo da companhia canadiana - nasceu em 2002. A ginasta embarcou nesta grande aventura ontem de manhã, rumando a Montreal, mas tudo começou há quase um ano e meio, conforme contou à reportagem de O JOGO num dia de últimas afinações no complexo dos maiatos.
"O grupo de elite ao qual pertenço ganhou o Got Talent Portugal em 2015. Dois treinadores do Cirque du Soleil [a canadiana Caitlan Maggs e o russo Alexey Karuline] viram o nosso esquema de grupo e quiseram vir cá. Em maio do ano passado, estiveram connosco uma semana, a ver os nossos treinos e a dizer-nos o que poderíamos melhorar. Era a única atleta com 18 anos - só se pode ir para o Cirque du Soleil a partir dessa idade - e um deles disse para fazer uns vídeos de casting. Fi-los, ele mandou para a sede e eles gostaram muito de mim. Como também sou pequenina dá-lhes jeito", conta, entre risos, a atleta que mede 1,45 metros.
Palavra de origem romena que significa "em qualquer lugar", numa homenagem ao espírito nómada circense, "Varekai" voltou a Portugal em janeiro deste ano durante 10 dias, depois de ter sido mostrado por cá pela primeira vez em 2009. Jéssica Correia foi uma das que assistiram ao vivo ao espetáculo, aproveitando para conhecer "toda a gente". "No dia seguinte, o diretor artístico mandou-me um email com o contrato. Fiquei muito feliz. A minha mãe também, o meu treinador [Lourenço França] disse que tenho um longo trabalho pela frente e no clube disseram-me para não desperdiçar a oportunidade. Ficaram todos muito orgulhosos. Há sempre aquele receio de deixar tudo e ir sozinha, mas é uma experiência que qualquer um gostava de ter", defende.
Em digressão até ao fim do ano
Para começar a tão desejada caminhada no Cirque du Soleil, Jéssica Correia vai passar os próximos 20 dias em formação na sede da companhia, o que engloba "treinos, maquilhagem, experimentar e ajustar fatos, aprender a parte artística e técnica das acrobacias". Só depois se iniciam as digressões, primeiro pela Europa (há já sete espetáculos programados em seis países diferentes) e, mais para o fim do ano, pela América. Nos finais de outubro, estão previstas duas semanas para voltar a casa e matar saudades.
Quanto à participação propriamente dita, a jovem está inserida no ato "Slippery Surface" ("Superfície Deslizante"), durante o qual os acrobatas vão criar a ilusão de patinarem. "Sei o grupo onde me vou inserir e exatamente aquilo que tenho de fazer no meu número. Eles enviaram material do que gostavam que eu fizesse, então já sei tudo ao pormenor", assegura Jéssica, que tem treinado todos os dias, entre quatro a cinco horas.
Para já, o vínculo com o maior circo do mundo vai até 31 de dezembro, mas a portuguesa gostava de prolongar o sonho. "Mais tarde, falarão comigo de novas oportunidades, mas acabei a minha carreira desportiva no ano passado e queria dedicar-me à vertente artística."
Carreira na alta competição terminada
Já se sabe que a carreira dos ginastas é de curta duração e a acrobática, em que um atleta se torna sénior aos 15 anos, não foge à regra. Por isso, Jéssica Correia já está retirada da alta competição passados sete anos. "Decidi acabar porque não se ganha nada e não dá para tirar muito mais tempo, mas normalmente sim, a carreira vai até mais ou menos esta idade", explica. Para trás, ficam alguns feitos como o de ter sido várias vezes campeã nacional, finalista em dois campeonatos do mundo seniores (2014 e 2016) e líder do ranking mundial no final do ano passado, num percurso itinerante como aquele que agora vai encontrar. "Basicamente, todos os sítios que conheci foi por causa da ginástica", atira, elencando alguns dos países que já visitou - EUA, Azerbaijão, França, China, Bélgica, Ucrânia, Polónia, Bulgária, Alemanha, Holanda.
Admiradora do nadador Michael Phelps, da judoca Telma Monteiro e do futebolista Cristiano Ronaldo, a ginasta deu os primeiros passos na modalidade aos nove anos, por influência de uma amiga da mãe, que já tinha uma filha no Acro Clube da Maia, criado em 2004. "No início andava aqui mais para passar o tempo e não para competir. Depois, os anos foram passando e entrei para a classe de elite", lembra. A proximidade das instalações do clube com a Escola do Levante da Maia, que frequentou, facilitou a tarefa de conciliar o treino com os estudos. E estes não vão ser descurados, mesmo com o grande desafio do Cirque du Soleil, pois Jéssica Correia já está inscrita em Bioengenharia, na Faculdade de Engenharia do Porto.