FORA DE JOGO >> A sobriedade do Rui Orlando a fazer a narração de um jogo de futebol mantém-nos em respeito. Jornalista e responsável a norte pela SPORT TV, é um ex-homem da rádio, um grande camarada destas vidas.
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Como é que foi deixar Paredes, de onde és natural, para procurares no Porto o teu caminho profissional?
Em boa verdade, eu procurei-o a partir de Paredes. Só muito mais tarde é que vim viver para o Porto, quando já trabalhava na Sport TV. O concelho de Paredes tem muita centralidade, é servido por três autoestradas, em meia-hora estás no Porto ou no aeroporto. É uma cidade aberta ao país e ao mundo.
A rádio é um mundo à parte. Concordas?
Concordo. A rádio no mundo atual não tem mais a força do mediatismo, mas continua a ser o império do sentidos dos meios de comunicação social.
Foi na rádio que te deste a conhecer. O que é que recordas desses tempos?
Entre o contacto lúdico e o início profissional foi tudo muito rápido, tudo muito intenso. Comecei aos 15 anos a fazer rádio, com o meu amigo Tó Ferreira, que infelizmente já não está entre nós, na Rádio Paredes, e aos 18 anos iniciei o meu percurso na Antena Um com o meu amigo Carlos Daniel, que acabou por ser o maior responsável por ter feito desta a minha vida profissional. Essa relação com a rádio durou até 1998, desde os 19 anos, já acumulando com a televisão. A rádio foi uma parte substancial da minha vida. A rádio representa os meus amigos, a família, os filhos. Esse tempo da rádio traz-me memórias desses mundos todos.
Tens saudades de fazer um relato?
Não e penso que já não o faria bem, porque mesmo que o relato e a narração repousem sobre algumas características que os profissionais da rádio devem ter, o resto é tudo diferente. Na rádio, o jornalista tem que criar no imaginário do ouvinte a imagem do que se está a passar. E o essencial do seu trabalho está feito quando a consegues produzir fielmente. Na televisão, isso é um ponto de partida, porque as imagens estão lá todas. A televisão é mais exigente.
A Sport TV tem hoje uma importância tremenda no futebol português. Quando estás a narrar um jogo tens consciência que, se te enganares, muita gente te vai apontar o dedo?
Tenho, absoluta consciência, mas devo dizer que a maioria dos consumidores consegue relativizar o erro humano em função do contexto em que ele acontece. O público é sempre sábio. Há muita sensibilidade clubística. Basicamente, vivo atento à necessidade de respeitar o público, ser rigoroso na interpretação dos factos, e tenho uma máxima: não espero aplausos, não sou protagonista.
Consegues separar a tua preferência clubística, se é que a tens, quando estás a narrar um jogo?
O conceito que eu tenho da nossa profissão implica que sem nenhuma hesitação te responda que sim. Se em consciência não conseguisse, teria escolhido outro caminho para a minha vida profissional. Se eu cometesse um erro de análise em relação à minha equidistância, eu acho que não resistiria a um mercado tão agressivo e escrutinadíssimo que o meu trabalho teve a vida toda.
"A pandemia mostrou-nos que o futebol é um espetáculo muito específico. O público tem interferência ativa num jogo de futebol"
Diz-se, por aí, que os jogos transmitidos depois das 21 horas são por exigência da Sport TV. Não podiam ser mais meigos com os horários?
Não sei se tem muito a ver com a Sport TV. A questão dos horários tem de ser vista desintegradamente e respondendo às circunstâncias. Consigo encontrar boas razões para qualquer um dos horários dos jogos de futebol.
Como é que foi narrar os jogos quando não havia público nos estádios?
Foi sobretudo estranho, como tudo, aliás, o mundo ficou um lugar estranho. Aquele tempo provou que a natureza de um espetáculo de futebol é específica. O público não assiste apenas ao espetáculo, o público é parte integrante do espetáculo. Tem interferência ativa no jogo.
Qual foi o momento que mais gostaste de narrar ao longo da tua carreira?
Muitos, felizmente. As finais do Euro 2016, de Sevilha, de Gelselkirchen, pela sua magnitude, foram as que mais me marcaram
E o que te deu menos prazer?
A noite trágica de 25 janeiro de 2004, no Estádio D. Afonso Henriques. A morte do Miklos Féher. Estava fazer a narração desse jogo para a Sport TV. Foi muito duro.
Quem achas que vai ganhar este campeonato?
Podes me fazer essa pergunta daqui a duas semanas, por favor?
És uma pessoa feliz?
Sou, mas às vezes preciso de me lembrar disso de vez em quando para estar feliz.