FORA DE JOGO - Fernando Eurico é, entre a classe, dos jornalistas mais queridos. Um camaradão. Voz inconfundível da Antena Um, relatador sóbrio e exímio, tem uma "doença" que lhe vem da adolescência. o Arsenal de Londres.
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Foi pesado para ti deixares o peso da Régua, onde nasceste, e vir Douro abaixo à procura do teu caminho profissional?
Sim foi bem difícil. Nunca tinha saído da minha terra, cresci com as minhas irmãs e a minha mãe porque o meu pai, antigo guarda redes do SC Régua, tinha falecido de morte súbita aos meus 10 anos de idade. Foi mesmo sair da zona de conforto, passar os montes que sempre vi no horizonte e descobrir as luzes da cidade, mas a decisão era inevitável. Trabalhava na RDP- Rádio Alto Douro e percebi que rapidamente tinha ultrapassado o meu horizonte profissional lá.
E sobes muitas vezes o Douro ou já te esqueceste do caminho?
Jamais o esqueci. Não vou lá com a frequência que desejava devido aos afazeres profissionais, mas sempre que posso vou ao meu Reino Maravilhoso. Tenho grande orgulho em ser de Peso da Régua e saudades imensas daquela gente. São os meus 107 quilómetros mais queridos.
E esse teu amor pelo Arsenal, quando é que nasceu?
Foi amor à primeira vista. Tinha 14 anos e no 14 de Maio de 1980 a família tinha ido às novenas de Fátima e a TV era só para mim. Arsenal-Valência. Final da Taça das Taças. Tudo contou. Os cânticos nas bancadas do Heysel, o choro no final pela derrota nos pontapés de penálti, as camisolas com corpo diferente da manga, os nomes, a forma como jogavam para a frente... Foi tiro e queda. Costumo dizer em tom de brincadeira que quando conhecer pessoalmente o Graham Rix vou agradecer-lhe aquele penálti falhado porque trouxe paixão à minha vida. A partir desse dia decorava tudo na escola para comprar com o dinheiro das fotocópias a revista Onze que trazia sempre artigos sobre futebol inglês.
E sofres muito com o Arsenal?
Já sofri mais. A idade dá-te menos coração e mais razão. Mas sim sofro porque é a minha paixão mais duradoura em 55 anos de vida.
Já relataste jogos do Arsenal. Foi difícil?
Foram os mais fáceis de fazer. Porque pude falar sobre o que conhecia profundamente. Relatei três jogos da Champions, dois com o FC Porto e um na final de 2006 com o Barcelona, em Paris. Sei que muita gente ficou com a orelha atenta mas recebi muitos parabéns. Existe sempre a tendência para se julgar alguém pelo gosto desportivo, mas poucos percebem que as coisas não têm que se confundir quando trabalhas.
Tens consciência que se fosses adepto do Sporting, do FC Porto ou do Benfica havia quem não te tolerasse?
Absoluta consciência. Porque em Portugal tudo é suspeito e maligno. Porque a suspeição sobre o trabalho e a honestidade dos profissionais sem que os conheçam de lado algum é um mandamento social. Porque existe o lema "se és dos meus és grande profissional, se não és, és tendencioso". Faz parte da arte de narrar jogos. Já liguei mais a isso, agora nem tanto até porque à segunda sou portista para uns, à terça benfiquista para outros e sportinguista à sexta para mais uns quantos.
As pessoas ouvem a tua voz e sabem logo quem és. Isso é um dom?
Julgo que sim. Porque cada um tem a sua forma de se expressar, vocabulário próprio, slogans que te marcam perante a audiência. Sei que quando digo "grita que é golo" ou "está na hora de aumentar o volume à telefonia" sabem do outro lado que sou eu.
Como é que surges na rádio?
Caí na rádio aos trambolhões apesar de passar as noites quentes transmontanas deitado no telhado de casa a escutar um velho rádio de pilhas. Ia seguir a vida militar, mas um amigo lá de Peso da Régua convidou-me para ser segunda voz num programa sobre Ecologia. Fiquei três meses, gostaram tanto que me ofereceram um contrato profissional; três anos depois, a Antena 1 no Porto abriu-me as portas.
Tens alguém que inspirou profissionalmente?
Dois. Óscar Coelho e Rui Orlando. São as minhas referências. Pela sobriedade, conhecimento, ética e rigor.
Vou confessar-te uma coisa. tenho saudades de ouvir as tardes de desporto da Antena Um...
Olha, eu também porque era uma marca distintiva. Mas trago uma excelente novidade. Vão voltar e nós já contamos os dias. Ter de novo o som dos estádios e pavilhões, o relógio em marcador e os golos em catadupa... Até tremo das perninhas.
Quais foram os momentos que mais te marcaram?
Tive vários momentos porque construí um currículo preenchido. Seis Jogos Olímpicos, 10 finais internacionais (2 com Futsal e Hóquei em Patins ), mas o relato que escolho é o FC Porto-SC Braga em 2011 da final da Liga Europa em Dublin porque é a primeira final 100% nacional e provavelmente irrepetível no meu tempo profissional restante.
Quem achas que vai ser campeão?
Futebol é momento. E neste momento o FC Porto está mais forte que Sporting e Benfica, numa dinâmica impressionante e com um grupo muito determinado. O dragão está mais perto do caneco.
És uma pessoa feliz?
Mesmo sendo um conceito relativo, sim. Sou. Continuo a sorrir e a provocar sorrisos noutras pessoas. Em agosto vou casar. Ando nas nuvens.