Começou por estudar Gestão Agrícola, mas ao fim de um ano decidiu mudar para Educação Física. E ainda bem, diz hoje o treinador que elevou o patamar do râguebi em Portugal e é muito requisitado atualmente pelo meio empresarial para dar palestras sobre liderança.
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Encontrei Tomaz Morais na praia da Poça, em São João do Estoril, numa manhã soalheira. Não houve fotos nesse dia e local. Vinha "todo partido", como explicou, na sequência do torneio de padel em que tinha participado na véspera e onde chegou à final. "Joguei seis partidas no mesmo dia", contou, queixoso com dores musculares, o ex-diretor técnico nacional de râguebi, agora consultor da federação, além de professor universitário, comentador televisivo e palestrante sobre liderança, motivação, gestão de equipas e comunicação.
Como começou a dar palestras sobre liderança e gestão de equipas? E há quanto tempo?
Comecei em 2001 ou 2002. Estava há um ano na Seleção Nacional. Uma pessoa disse-me que gostava de ter um treinador que falasse na sua empresa sobre como é gerir uma equipa. Sempre tive muito interesse por essa área, correu muitíssimo bem, estavam cerca de 160 pessoas na sala.
Já tinha falado para tanta gente junta?
Não, mas todos os dias tinha de comunicar com a minha equipa. Fi-lo com naturalidade, preparei quatro ou cinco slides e aquilo bateu certo: o que era importante para mim também o era para eles. As pessoas que estavam do outro lado não esperavam ver alguém do desporto dizer-lhes o que precisavam de fazer no seu dia-a-dia. Na altura, o impacto foi forte.
Não ia nervoso?
Não. Sempre tive uma boa capacidade para controlar a ansiedade, nunca foi coisa que me tirasse o sono. Sempre gostei de desafios e fiz tudo com muita naturalidade. Não tinha nada a perder. Mas atenção: continuo a ir para todas as palestras como se fosse a primeira. É preciso paixão naquilo que fazemos. O jogo, o treino nunca podem ser uma rotina.
Deu recentemente uma palestra com o nome "Liderança, boas práticas diárias". O que é isso das boas práticas diárias?
O líder hoje em dia é o oposto àquilo que vem escrito na maior parte da literatura científica. A liderança é uma ação e as pessoas estão muito agarradas à liderança como uma posição ou função. É um erro e isso é logo a primeira coisa que vou abordar com eles. Começo com uma reflexão. Depois dou indicadores das melhores ações diárias para potenciar o trabalho em equipa, para levar as pessoas a ter ambição e a evoluir diariamente. Se um líder não quer que as pessoas que o rodeiam se acomodem, tem de estar perto delas.
Qualquer pessoa pode aprender a ser um bom líder?
Depende do contexto, da sua formação e da sua conduta. É impossível alguém ser líder sem ser capaz de assumir um compromisso. Essa é a primeira coisa a ser testada. Depois há pessoas que pela sua personalidade e vivências, têm mais facilidade em comunicar. Um líder tem de ter atitude, conhecimento, tem de estar à vontade no domínio da matéria. E tem de ter também valores educativos.
Um amigo costuma dizer-me que um bom líder nunca precisa de levantar a voz.
É verdade, porque um bom líder é alguém que se controla emocionalmente. Quanto maior for a sua capacidade de controlar as emoções, mais confia em si próprio e melhor conseguirá liderar. Um líder tem de ter cooperar e delegar, que é uma coisa que falta muito nas lideranças que encontro. A coisa mais difícil que existe nos líderes atuais é a delegação. Se as pessoas querem relações de confiança, têm de delegar. Além disso, o envolvimento de um líder tem de ser total.
Com tantos livros de autoajuda e conteúdos que há na Internet sobre estas temáticas, como as suas palestras podem fazer a diferença?
Na Internet ou no livros as ideias são passadas sem energia, acho que as pessoas querem a prática. Nós próprios, no râguebi, convidamos pessoas de fora, como o Nelson Évora ou a Elisabete Jacinto, para irem discursar à equipa. O meu objetivo é obrigar as pessoas a fazer uma reflexão, num clima com energia e boa disposição. Além disso, tenho sempre um objetivo que é manter a naturalidade e ser genuíno. Se não formos naturais, somos iguais a tantos outros.
Tem alguma história mais curiosa em torno das palestras que dá?
Acho piada quando vou dar palestras a empresas mais à volta de produtos de beleza, a maioria só com senhoras, trabalham muito sozinhas na venda. Acabam por ser palestras muito engraçadas, são pessoas que gostam de ouvir e precisam de ser motivadas. Elas entusiasmam-se, fazem imensas perguntas, depois querem saber mais.
O ser um homem bonito ajuda?
Não sei, nunca pensei nisso (risos). Estas coisas é mais o que vem de dentro, as pessoas gostam de ver a alma, pois vivem muito enfiadas no computador. O que noto é que as pessoas trabalham em espaços comuns e mandam emails umas às outras.
O povo português é individualista?
É. E também mimado, gosta de carinho. Se não fosse, não estávamos a viver esta crise política: um povo que fez um esforço enorme para sair da crise, toda a gente deu imenso e depois temos isto? Não somos um povo nacionalista. Estamos a assistir a uma crise de valores gravíssima. O que faria de nós um povo que não é mimado? Sermos mais dados ao trabalho e à luta do que somos. Andamos sempre muito à procura da nossa zona de conforto. E mais: as gerações de jovens que me têm chegado às mãos são muito pouco dadas ao sacrifício e cheias de direitos. Eu cresci muito na rua, a dar e a estar com os outros e senti o que a vida me custou, tudo com muito rigor, exigência e espírito de família. Acho que há agora muito egocentrismo e conformismo, as pessoas querem o conforto, o que precisam e têm dificuldades em encontrar causas comuns. O respeito devia estar inerente, nem devia ser assunto, e temos de andar a pedir respeito. Isso não é bom. Temos de aumentar níveis de exigência e rigor.
Quais as causas que encontra para este maior individualismo?
Tem sido o grande problema destas gerações, quando estava com a seleção nacional de râguebi, mandava vir o jantar para a mesa e todos os jogadores estavam com a cabeça no telemóvel. Vivemos com uma grande distração externa que nos tira muitas vezes o foco do que é a vida em família. Se vivermos bem em família, integramo-nos bem numa equipa. Acho que o ser humano um dia vai perceber que todos estes meios tecnológicos acabam por reduzir a inteligência, o foco e a criatividade das pessoas. O que sinto nos jovens é uma grande dificuldade de focalização. Depois não há prioridades e objetivos bem definidos.
Sempre foi uma pessoa eloquente, com capacidade em transmitir mensagens?
Sou conversador desde miúdo, o meu pai tinha um pronto-a-comer em Carcavelos, que tinha muita gente. Comecei lá a trabalhar muito cedo, a atender ao balcão com 10, 11 anos. Até lá fazia a copa, lavava os copos, fazia os croquetes e as empadas, depois passei para o balcão. Aos 18 ou 19 anos era quase gerente daquilo.
FALTAM SUPER-HERÓIS COMO LOMU
Após a morte de Jonah Lomu, em novembro último, Tomaz Morais deu inúmeras entrevistas a falar da maior estrela de todos os tempos do râguebi mundial, vergada pela doença aos 40 anos. O que faltou dizer? "O desporto tem de continuar a dar ao mundo superheróis como Lomu, que sejam imagens de marca, não acessíveis ao comum dos mortais, no sentido de que parecia que tinha capacidades sobre-humanas", afirma. "Hoje em dia fazemos autênticas escolas de formação de desportistas e, com isso, limitamos. Olhamos e não temos mais atletas como Pelé, Cristiano Ronaldo, Messi, Michael Jordan ou Carl Lewis e isso dá que pensar", acrescenta.
SAIBA QUE
Tomaz Morais deixou de ser diretor técnico nacional de râguebi em julho passado, por decisão do anterior presidente federativo Amado da Silva. Como está requisitado pela federação até abril de 2016, continua mas com cargo de consultor, dando apoio a clubes e associações regionais, mas sem poder de decidir. Entretanto, recentemente houve eleições e Cassiano Neves, advogado de profissão e especialista em Direito do Desporto, é o novo presidente da Federação Portuguesa de Râguebi, cuja seleção de sevens masculina falhou o apuramento olímpico.
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Tomaz Morais jogou râguebi dos 8 até aos 27 anos de idade. Acabou por abandonar devido a uma lesão nas costas. "Vou ser honesto: fiquei todo partido com o râguebi. Treinava com muita intensidade, na minha altura os treinos eram feitos muito à descoberta. O treino mudou muito, treinávamos fisicamente até à exaustão. Lesionei-me nas costas, joelhos, parti o fémur, lesionei os dois ombros, costelas partidas era como riscar o para-choques [risos] Jogava sem proteção e partiram-me a dentadura toda também", conta bem-disposto o treinador que tem atualmente 45 anos e três filhas, todas mulheres