JOGO FINAL - Uma opinião de João Araújo
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"Cristo morreu, Marx também e eu já não me estou a sentir muito bem", dizia Herman José num dos seus muitos memoráveis "sketches", longe de imaginar as ligações perigosas que a frase poderia inspirar, pensando nela depois de assistir ao megaevento que ontem pôs o Mundo de olhos em Riade. E esta a sorrir de volta...
Um mês após a final do Mundial, outra nação do Golfo Pérsico reuniu estrelas do futebol e os olhares do planeta. O desporto-rei, o "kurat alqadam", já virou divertimento de milionários?
Se Cristo esteve na origem da ideia de Karl Marx que a religião era o ópio do povo, substituída no século XX pelo futebol como droga entorpecente da população, aquilo a que ontem se assistiu torna-se difícil de definir. Dir-se-ia que foi mais do que os conceitos de "soft power" e "sportswashing" a que recorrem a Arábia Saudita e demais estados totalitários do Golfo Pérsico para "amaciar" o planeta, sobretudo o lado Ocidental, em relação às atrocidades ali cometidas. Como se depois da falcoaria, das corridas de dromedários, de motos ou de automóveis também o futebol - o "kurat alqadam", como dizem naquelas latitudes - fosse apenas mais uma opção no rodízio de brinquedos dos meninos ricos do petróleo.
Comprados Manchester City, PSG, Newcastle, Aston Villa, Sheffield United e patrocinadas outras "praças fortes" europeias como Arsenal, Barcelona ou Benfica, o que restaria? Que tal, um mês após o Mundial do Catar que tanta indignação fez correr, juntar Ronaldo, Messi, Neymar e Mbappé? Milhões testemunharam a satisfação de Turki Al-Sheikh e Nasser Al-Khelaifi, árabe e catari, numa Riade bem mais distante do que os 34 anos que a separam daquela outra onde a seleção portuguesa de Sub-20 espantou o planeta da bola e se sagrou campeã mundial, plena de epopeia e de razões para o povo rejubilar. E ao contrário do "ópio" ontem servido, que um dia destes afastará o povo. Até Marx concordaria.