<strong>ENTREVISTA - </strong>Daymaro Salina nasceu em Cuba há 32 anos, mas vive no Porto desde 2011 e transformou-se numa das peças-chave e capitão de um FC Porto que tem surpreendido a Europa do andebol. E, por sinal, a ele também...
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Do alto dos seus 2,00 metros e 101 quilos, Daymaro Amador Salina, um pivô nascido em Havana mas já naturalizado português, impressiona qualquer um pelo poder físico. Mas, fora do campo, revela-se um gigante simpático e até algo tímido. A O JOGO, falou de coração aberto sobre a época fantástica do seu clube de sempre, o FC Porto.
Se há um ano alguém lhe dissesse que iam ganhar a Kiel e golear em Montpellier, acharia que estava maluco?
-Depende do momento em que me fizessem essa pergunta: o ano passado também foi extraordinário.
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Foi essa época, com a ida à final-four da Taça EHF, que levou aos brilharetes na Champions?
-Foi. Há um ano, quando ganhámos contra aquela equipa alemã, o Magdeburgo, tudo mudou. Daí para a frente acreditámos que podíamos ganhar a qualquer um.
O que mudou na equipa desde esse momento?
-Não sei! Também me faço a mesma pergunta: qual é a diferença? Antigamente também fazíamos bons jogos... Depois de ganharmos àqueles alemães, passámos a acreditar mais no nosso andebol. Mas, mesmo assim, tem sido inacreditável. Por vezes chego a casa, deito-me e fico a pensar: "O que nos está a acontecer?!"
Sendo difícil explicar o crescimento europeu do FC Porto, Salina destaca a tranquilidade conferida por Magnus Andersson. "E vou para o jogo a saber tudo o que fazer", diz.
Sentem-se melhores jogadores?
- Sim, sinto que estamos mais maduros, que encaramos o jogo com mais calma. O treinador transmite-nos tranquilidade. Não entramos a pensar nos outros, mas a saber que vamos lutar, batalhar pelo resultado, e logo vemos se corre bem. Até agora tem corrido, tanto na Liga dos Campeões como no nosso campeonato.
Descobriram que são tão bons jogadores como os outros...
-Ganhar tem esse efeito. Percebemos que podemos sempre ir mais além. A filosofia é ganhar, não é pensar no adversário. Entramos sempre para jogar igual; afinal, é um confronto homem a homem e somos jogadores como eles.
Disse uma vez, em entrevista a O JOGO, que sonhava vencer uma competição europeia pelo FC Porto. Mantém esse sonho?
-Já disse isso há muito tempo! É verdade, e estamos há vários anos a tentar. Fomos sempre morrendo na praia. Mas cada dia vejo esse sonho mais perto de se concretizar.
Até onde pode crescer o FC Porto na Liga dos Campeões?
-Podemos passar a fase de grupos e daí para a frente iremos ver. Não posso dar certezas, só sei que vamos tentar ir o mais longe possível. Para isso, podem contar connosco!
Isso apesar de o FC Porto andar limitado pelas lesões. É muito duro jogar a Champions?
-É realmente muito duro, sobretudo tendo ainda o campeonato. E a cada partida falta um jogador, e depois mais outro...
O Daymaro é conhecido pelo poder físico, mas também deve receber umas pancadas...
-Durante os jogos, por acaso nunca sinto nada muito forte. Mas às vezes, depois de acabar, olho para o meu corpo e digo: "Nossa, eles deram cabo de mim!"
"DRAGÃO DE OURO? FIQUEI FELIZ E A PENSAR QUE HAVIA UM DISCURSO..."
Daymaro Salina é o capitão do FC Porto - "Representa muito para mim, é um orgulho, pois sempre pensei que havia outros, como dizê-lo, mais tranquilos" - e recentemente teve outra distinção do seu clube, ao receber o Dragão de Ouro para atleta de alta competição. "Não contava, não. Quando me disseram, fiquei muito feliz, mas também a pensar que tinha de fazer um discurso... Não gosto de discursar. Já falo um bocado de português, mas sou do tipo caladinho. Preparei um discurso, mas, quando cheguei lá, estava tão nervoso que disse outras palavras. É um dia que vai ficar marcado na minha vida. Estava muito feliz, muito feliz..."
"SELEÇÃO DEVE TER ESTA MENTALIDADE DO FC PORTO"
"O andebol em Portugal passa um grande momento, tal como nós no FC Porto", sorriu Daymaro Salina, recordando a histórica vitória da Seleção Nacional frente à França (33-27), no apuramento para o Europeu. Este está à porta - a equipa nacional entra em estágio quinta-feira - e Portugal defronta de novo os franceses, mais Noruega e Bósnia.
Vai ter a Seleção Nacional no Europeu. O grupo é difícil e falta o Gilberto Duarte...
-O grupo será muito difícil, mas, na Seleção, devemos ter a mentalidade que temos no FC Porto, que está num grupo difícil da Champions. Vamos lá para os olhar de frente, mostrar que também sabemos e que podemos ganhar.
Podem bater de novo a França?
-Claro que pode voltar a acontecer. Aliás, mesmo no jogo de lá esteve equilibrado até aos últimos 15 minutos [23-22 aos 46"].
Sente-se português e portuense, gostava de trazer mais familiares de Cuba e vai agora para a fase final do Europeu com a confiança que exibe no clube: os rivais são fortes, mas é para ganhar...
Como se sente a jogar por Portugal?
-Sinto muito orgulho. Já cá estou há algum tempo e jogo por Portugal como se fosse por Cuba. Foi o país que me deu uma oportunidade.
Quando chegou, pensava ficar nove anos?
-Não. O primeiro ano é sempre difícil, só pensava em voltar para o meu país. Agora é o contrário, gosto de cá estar.
Planeia ficar para sempre?
-Gostava. Não tenho essa certeza, mas já tenho cá família e queria ter mais. Sinto que sou do Porto.
Quer acabar a carreira no FC Porto?
-Sim, mas não depende só de mim. Se fosse por mim, ficava sempre.
Já foi campeão várias vezes e este ano parece que a luta será de novo a dois com o Sporting...
-Nunca dou nada como definitivo: o Benfica ainda está aí. Temos a fase final, as equipas vão com metade dos pontos e ficam apertadinhas.
Mas o Sporting tem sido o rival...
-Estão com muita confiança e têm boa equipa. Estão a fazer uma Champions como nunca pensei, depois de os ver perder uns jogos. Estão muito melhor. A luta vai ser dura!
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"QUANDO COMEÇOU O 7X6, ESTRANHEI"
Só nas últimas épocas começou a marcar golos. Teve de aprender a atacar?
-Isso aprende-se e tive de o fazer. Na Europa, trabalha-se mais a posse de bola e eu, sendo pivô, tive de me focar mais no ataque e cresci ao fazê-lo. De início estava sempre pronto para defender.
Entretanto, também passou a atacar no sete contra seis...
-Quando o Magnus disse isso pela primeira vez, estranhei. Fiquei... hummm [coça o queixo]. Eu teria de jogar mais perto da ponta e, não tendo muito ângulo, não sabia se conseguiria marcar. Felizmente tem corrido bastante bem.
Salina só defendia nos anos de Obradovic como técnico e teve de treinar para se fazer goleador
Agora já gostam de atacar em 7x6?
-Jogamos muito bem assim, conseguimos ganhar a grandes equipas, portanto... porque não continuar?
Como pivô, tem uma responsabilidade: não pode perder a bola quando lha passam...
-Essa é uma certeza. Quando me passam a bola, penso sempre que temos a baliza aberta. Já temos sofrido uns golos de baliza a baliza... Lá está, pode correr bem ou só um bocadinho bem!
REVELAÇÕES
Obradovic exigente, Andersson tranquilo
"Gostei muito de trabalhar com o [Ljubomir] Obradovic. É muito bom treinador, de um país de andebol, e trabalha bem. O Magnus [Andersson] é mais tranquilo, sabemos que vamos para o jogo para fazer a coisa bem, com tranquilidade. Com o Obradovic, aprendi a ser agressivo na defesa, com o Magnus que não podemos entrar sempre a matar."
Pedro Valdés é o mais difícil de defender
"O adversário mais difícil que já encontrei foi o Pedro [Valdés], do Sporting. Ele e o Valentin Porte, do Montpellier. São muito fortes e impressionam. Se não estiveres a 100%, eles entram com força e dão cabo de ti!"
Cuba é nas férias mas até a água falta
"Nas férias vou sempre a Cuba, tenho lá a minha mãe e a família. É o meu país, naturalizei-me, mas serei sempre cubano. Mas também é um país com muitas necessidades, queres comprar uma garrafa de água e não há... Este Natal, e tendo a Seleção, será cá. Tenho cá família e os outros cubanos. Somos todos amigos, formamos uma comunidade."