Jorge Braz, campeão de toda a gente, regressa às origens: "Se pudesse ficava aqui"
REPORTAGEM, PARTE I - Passear pelas ruas de Chaves é um jogo de paciência, pois poucos são os que não abordam o selecionador para guardarem uma recordação. O melhor do mundo sente-se em casa entre os seus
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Jorge Gomes Braz é o nome do homem que guiou a Seleção Nacional de futsal até ao topo, mas nenhuma das conquistas recentes (Mundial 2021, três vezes melhor selecionador do mundo e Euro"2018) fez mudar o que quer que seja no treinador nascido em Edmonton (Canadá) e que aos oito anos imigrou para Sonim, freguesia de Valpaços (Vila Real).
Dois meses e meio de preparação intensa do Campeonato do Mundo tiraram-lhe a possibilidade de ir à casa que o viu crescer e onde vai "sempre que pode". É ali que vive a mãe, Judite, cheia de saudades do filho.
Dois meses e meio depois, O JOGO passou quase um dia inteiro com Jorge Braz e promoveu o regresso a Chaves e Sonim. A viagem para a aldeia só se fez ao fim do dia, mas era a que guardava maior emotividade.
O abraço apertado à mãe compensou a distância física, atenuada por telefonemas regulares, ao mesmo tempo que Judite acompanhava a carreira de Portugal pela televisão, sempre com enorme sofrimento. "O único jogo em que não sofri foi um que uma vez vi em deferido. Esse já sabia que Portugal tinha ganho", sorri.
Quando Jorge Braz tinha cinco anos, a vida colocou Judite à prova. O marido faleceu, vítima de um acidente de trabalho, e deixou-a com dois filhos para criar. Três anos mais tarde, voltou para Portugal e instalou-se em Sonim.
"Adorei a escola primária, onde jogava à bola com os amigos. Foram para os amigos de infância as primeiras chamadas após a final. Vir a Sonim e não ir ao café não existe. Muitas vezes vou primeiro ao café antes de ir a casa" conta. Subimos a escada e três quartos da habitação estão preenchidos com recordações trazidas pelo selecionador.
O encerramento da Coop21 motivado pela pandemia, instituição de solidariedade na qual Jorge Braz e a esposa apoiavam crianças com deficiência, fez com que camisolas, bolas, cartazes e medalhas viessem todas para Sonim. Ali ainda se encontram casacos dos tempos do Chaves que remetem para a época em que, aos 14 anos, o selecionador teve que deixar a aldeia.
"Vim estudar para Chaves com a opção de Desporto. O meu padrasto solicitou ao clube se podia treinar lá e quase um mês depois de ter estado à experiência lá me pediram a foto e o bilhete de identidade. Diziam que tinha jeito para guarda-redes e fiquei a morar sozinho em Chaves. Quando cheguei a sénior, assinei um contrato de três anos. Fiquei um ano nos seniores e depois fui emprestado ao Vila Pouca de Aguiar e a outros clubes", narra.
Ainda nos seniores do Chaves, a vida de jogador/estudante não era fácil. "O José Romão permitia-me ir às aulas. Estudava no Porto até quarta/quinta-feira e depois vinha à sexta-feira. Às vezes, saía à sexta às 6h00 de autocarro para assistir a aulas que não queria faltar e voltava depois do almoço, sem o José Romão saber. Ele encaminhou-me", elogia.
Veio o futsal, mas as origens são sagradas
O futsal surgiu no caminho na universidade. "Jogava tudo. Fui a uma fase final de futebol de cinco (ainda não se chamava futsal) e fui convocado para a seleção universitária e depois para o Mundial universitário", explica. A partir daí, não mais largou a modalidade. No entanto, sempre houve um ponto assente para Jorge Braz: nunca esquecer as origens.
Tanto é que passear pelas ruas de Chaves com o selecionador é um jogo de paciência. Uma foto aqui, outra acolá, um cumprimento, uma mensagem de parabéns... o treinador é reconhecido por quase toda a gente e não rejeita qualquer pedido. "Não tenho problemas com isso", garante.
A tarde começou na Orpea, residência para idosos da cidade, onde Jorge Braz visitou a mãe do sogro. "Senhor Braz, podemos tirar uma foto?", pediram-lhe, repetidamente. "O senhor António ainda está aqui?", pergunta o míster.
Natural de Sonim, o senhor António, utente do lar, não perdeu um único encontro da Seleção Nacional. Depois de alguma espera, Jorge Braz abraça o senhor António, comovido pela visita inesperada. "Houve um jogo em que me chamaram para jantar, mas não fui enquanto não acabou", remata o senhor António.
"Na televisão, fica mais gordo", brincam com o selecionador. "Sofremos tanto, tanto, tanto", atira uma outra adepta. Um autógrafo numa mochila, uma paragem num café de um amigo, outra para conversar com mais amigos do futebol. "Todos são especiais", diz o campeão mundial.
Longe das câmaras, da concentração imperturbável que exibe durante as partidas, Jorge Braz é assim mesmo, simples e humilde, o campeão que se sente em casa entre o seu povo. E nem no final da noite, depois de um dia cansativo, o selecionador cede: "Ainda tenho que parar no café para ver a malta. Férias? Por acaso gostava de ter. Se pudesse ficava aqui, em Sonim, durante três ou quatro dias, mas não pode ser".
Domingo começa um estágio da Seleção Feminina e Jorge Braz nunca falha uma concentração seja de que escalão for.