ENTREVISTA - João Almeida avalia a sua capacidade atual e faz a análise das bonitas três semanas que o levaram ao terceiro lugar no Giro. O JOGO foi a A-dos-Francos conhecer as raízes do ciclista da UAE Emirates, que está entusiasmado com a progressão para ser ainda melhor na montanha e feliz por voltar a casa com o objetivo cumprido.
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Foi um dia em A-dos-Francos para conhecer o mundo de João Almeida. O JOGO visitou as origens do homem que levou Portugal ao primeiro pódio da Volta a Itália, viu o monumento de homenagem que a irmã Matilde costuma visitar várias vezes e entrou na casa onde João cresceu, agora ampliada a pulso pelo pai, Dário, mecânico de profissão. Longe dos holofotes, e com a Serra de Montejunto visível do terraço, é ali que o jovem de 24 anos encontra a tranquilidade e... o jantar feito a horas pela mãe, Patrícia.
Qual o sabor do regresso a casa?
-Já não vinha cá há muito tempo. Andei por Andorra, onde agora vivo e passo grande parte do ano. Depois, estive na Serra Nevada, em estágio com a equipa. Passo cada vez menos tempo aqui e sabe bem vir cá no inverno, aproveitar o clima e ver os meus pais e a restante família. Sabe bem descansar, principalmente depois de um objetivo concluído. Se não o tivesse atingido, mentalmente continuaria em busca de algo. Não ficaria satisfeito. Mas ao ter atingido o pódio, ter vencido uma etapa e também a camisola branca, fico tranquilo comigo.
Em 2022 passou mal este período, imagina-se.
-Houve muita frustração. Muito tempo de treino, de recuperação, que foi por água abaixo devido à covid-19. Nunca vamos saber, mas acho que teria feito pódio nesse Giro.
Este terceiro lugar foi o reembolso desse insucesso?
-Foi, e principalmente com estes rivais, Roglic e Thomas. É ainda mais especial. São grandes corredores, têm grande palmarés e muita classe, tanto fora como na bicicleta.
Dá mais importância ao pódio ou ao facto de ter ficado a pouco mais de um minuto de ganhar?
-Esse minuto de diferença talvez corresponda a um ano ou dois de evolução. Estamos perto. Foi um Giro com algumas particularidades, como quedas, doenças, desistências. Vários rivais saíram, mas é uma seleção natural. Faz parte da corrida. Mas fiquei muito feliz com o resultado, e com os tempos, porque são bons indicadores. No futuro, posso chegar onde quero. Ainda não estou no patamar de Joaquim Agostinho, mas já foi um bom passo. Tenho dez milhões de pessoas comigo.
Onde se posiciona quanto aos rivais?
-Não me coloco no topo dos topos, mas estou perto. Estou a subir o nível. Coloco-me no top-10 mundial. Pogacar, Roglic, Thomas, Evenepoel e Simon Yates estão à frente.
E ainda ganhou uma etapa que queria há muito.
-A experiência no Giro é fundamental. É uma prova longa. Tinha ficado perto do pódio e isso dava uma força extra. Tinha quatro segundos lugares e alguns terceiros. Fiquei completamente feliz, foi incrível. Não há palavras. Era uma etapa mítica, duríssima. Dá confiança e já acreditava na rosa, mas depois de ganhar ainda mais. Estás ali, contra os melhores, e provas que estás em grande nível. É a vitória com mais importância, é das que me vai marcar. Mais do que uma geral da Volta a Polónia.
E reforçou a crença pela camisola rosa?
-Nos dias seguintes, os adversários mostraram-se fortes e as coisas ficaram mais justas. Até ao contrarrelógio acreditava que era possível.
Ficou orgulhoso com o último contrarrelógio?
-Só se estivesse muito mal é que cairia do pódio, mas nunca tinha feito pódio e receei algum azar. Na subida, não tínhamos muitas referências dos tempos dos rivais, andei a pedir aos meus diretores isso mesmo... Mas fiz um bom esforço, não conseguia ter feito melhor. Treinei a troca de bicicleta na Serra Nevada e fi-lo de forma perfeita. Nada podia ter saído melhor. Reconhecer o segundo contrarrelógio foi importante, mas o último era basicamente inútil, porque era uma questão de pernas. Tinha aquela percentagem a subir. E o Roglic teve mais força.
Colega e amigo: "Ganhei e o Pogacar enviou-me mensagem"
"As mensagens mais bonitas foram de quem me ajudou muito, de quem fez parte do percurso", declara João Almeida. Mas Tadej Pogacar, bicampeão da Volta a França, não passou indiferente: "Pogacar enviou-me mensagem quando ganhei a etapa. Mandou-me os parabéns e até disse para eu atacar e ficar com a rosa. Com o nível que ele tem, ainda dá mais motivação". Joxean Matxín, diretor-desportivo, também estava contente: "Ficou muito satisfeito com o desempenho, com a minha evolução. Estamos todos no caminho certo".
"Ciclismo está como a Fórmula 1, cada pneu faz a diferença"
João Almeida andou com os melhores nos contrarrelógios do Giro e teve uma evolução notória face a 2022. "Trabalhámos mais no túnel de vento, melhorámos a posição, mas estamos sempre condicionados pelo material que temos. Do ano passado para este, a equipa deu um grande salto. São os materiais que fazem a diferença no resultado. O ciclismo está mais ou menos como a Fórmula 1, cada pneu faz a diferença. Por isso é que se batem registos de corridas de há 20 anos", detalhou, rejeitando ter perdido peso e, consequentemente, também dotes no crono: "Estou praticamente igual desde 2021. Talvez tenha mais definição muscular e isso ajuda ao sprint. Ajudou a ganhar uma etapa e ajuda no crono, porque são mais watts que gero. Mas é tudo uma questão de aerodinâmica. O peso pouco conta".
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