O Presidente da Federação Portuguesa de Ciclismo, Delmino Pereira, aponta à falta de uma ponte para o salto dos portugueses. Pista é nova aposta e ser "satélite da UCI" um desejo. Doping não foi esquecido na entrevista.
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Este sábado, W52-FC Porto e Rádio Popular-Boavista estarão à partida do Grande Prémio Miguel Indurain, em Espanha, numa das poucas internacionalizações das equipas portuguesas. Uma formação de cariz internacional faz falta a um ciclismo português que está a crescer, como explica a O JOGO o presidente da Federação Portuguesa de Ciclismo, Delmino Pereira.
Longe vai a crise económica que afetou o investimento no ciclismo. Como vê agora a modalidade?
-O ciclismo português está em crescimento e a alargar a abrangência. Estamos a trabalhar variantes, como é o caso da pista, ainda recente. Temos cinco anos de trabalho. Há ainda o BTT e o BMX. Desde 2013, passámos de 11 mil praticantes para 17 mil federados.
O ciclismo de estrada continua a dominar as atenções?
-Está cada vez mais internacional e com grande nível à escala global. É altamente profissional. A federação tem tentado acompanhar uma onda positiva da modalidade, mas também do desporto à volta da bicicleta.
Qual é o maior desafio da Federação?
-A constante dependência de financiamento. É uma modalidade que não tem receitas próprias. Vive dos governos e dos patrocínios.
Qual a percentagem de dependência do Estado?
- Do orçamento geral, 46% advém do Estado. É, por isso mesmo, um orçamento de risco.
Referiu o desenvolvimento do ciclismo de pista. É uma aposta concreta da Federação?
-Os países mais desenvolvidos do mundo trabalham o seu alto rendimento a partir da pista. É aí que se trabalha a perfeição e que começam os grandes projetos.
Os resultados têm compensado...
-Estamos a acompanhar a vanguarda do rendimento, mas tem sido fantástico o sucesso dos nossos atletas. O projeto está em afirmação. Desafiamos mais jovens a virem praticar ciclismo de pista.
Há infraestruturas para esse crescimento?
-Temos uma pista [Anadia]. Até aqui, tem sido suficiente. Se continuarmos a crescer, veremos a necessidade. Para já, a concentração de meios num espaço daqueles, não só os aparelhos ao dispor, mas as pessoas, compensa. A grande aposta da Federação é valorizar os técnicos.
Até que ponto era importante a subida de uma equipa portuguesa a uma divisão superior?
-Precisamos urgentemente de uma equipa continental profissional, que seja a grande referência do ciclismo português nas grandes provas.
Pode estar para breve?
-Já estivemos mais longe. Vamos esperar que a onda positiva da modalidade continue. Vai acontecer, mais ano menos ano.
Seria necessário investimento estatal?
-Não. Deverá ser sempre uma consequência do mercado, dos investimentos privados. E essa subida teria de partir de um clube.
O trabalho português é reconhecido lá fora?
-Temos bicicletas totalmente desenvolvidas em Portugal, ainda que com componentes internacionais. Levamos produtos nacionais para exibir lá fora. E fizemos uma candidatura à UCI, para que o nosso Centro de Alto Rendimento seja reconhecido como centro satélite mundial.
Em Sangalhos?
-Sim, na pista da Anadia. Queremos estar na rede dos centros de referência. Só há dois na Europa. O alto rendimento exige cada vez mais das federações. Só teremos desporto de excelência se procurarmos quem está na frente do conhecimento.
"Universidade de Coimbra já nos ajudou"
Já trabalham com universidades?
-Sim. Somos altamente dependentes da tecnologia, tanto na bicicleta como na exigência de ser ciclista. Há sempre metodologias inovadoras no treino e na recuperação. Nos Jogos do Rio, em 2016, adaptámos o equipamento às condições climatéricas, para ter melhor penetração no ar. Foi fabricado por uma empresa portuguesa, sob a supervisão da Universidade de Coimbra.
Parcerias com o ensino superior são o futuro?
-Temos um projeto com a Universidade de Coimbra. Queremos estar na vanguarda. Além do protocolo com a Faculdade de Ciências do Desporto, alargaremos para as Faculdades de Ciências, Farmácia e Medicina. Até vamos introduzir em Coimbra a disciplina de ciclismo!
"Há menos doping e caso de Froome vem em contraciclo"
As especulações sobre o doping de Chris Froome e da Sky afetam o nosso ciclismo?
-Afetam. Para a opinião pública é um produto apetecível e a comunicação é tão variada que inquina muito os factos. Estamos perante um caso que nos preocupa, mas vem em contraciclo. Há, claramente, menos doping no ciclismo.
Isso é visível?
-Basta olhar para as classificações e ver como as corridas se desenrolam. No Paris-Nice deste ano houve 10 ciclistas a lutar pela geral na janela de um minuto de distância. São mudanças que estão aos olhos de todos.
Mas o doping continua a ser o principal fantasma da modalidade?
-Deve ser tudo esclarecido o quanto antes. Impacto do doping na opinião pública desvirtua a mudança real e efetiva. Seremos das primeiras modalidades a ter um compromisso com a ética ao nível do doping, que é, cada vez mais, residual. Não podemos continuar com essa mancha.