"É difícil e cruel ser ciclista profissional. Sofremos muito, sacrificamos a nossa vida, a família..."
Matej Mohoric desejava que todos ganhassem mas foi ele o vencedor da 19ª etapa do Tour
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Matej Mohoric saboreou, pela terceira vez, a sensação que gostava que todos os ciclistas experimentassem, a de ganhar uma etapa na Volta a França, dando uma emocional terceira vitória à Bahrain Victorious nesta edição.
Foi preciso recorrer ao photo finish para perceber quem tinha conquistado a 19.ª etapa, com o esloveno de 28 anos a superiorizar-se por centímetros a Kasper Asgreen (Soudal Quick-Step), o vencedor da véspera, e a celebrar, em lágrimas, o terceiro triunfo da sua carreira no Tour e o terceiro da sua equipa, a correr em memória de Gino Mäder, na 110.ª edição, numa jornada que se assemelhou a uma clássica e que ficará na história como a quinta mais rápida de sempre (excluindo contrarrelógios), por ter sido percorrida a uma média de 49,130 km/h.
"É difícil e cruel ser ciclista profissional. Sofremos muito na preparação, sacrificamos a nossa vida, a família. Fazemos tudo o que podemos para chegar aqui preparados e, depois, passado um par de dias, percebemos que todos são incrivelmente fortes. [...] Às vezes, sentimos que não pertencemos aqui", confessou um muito emocionado Mohoric, que cortou a meta ao lado de Asgreen, com o duo a completar a etapa em 03:31.02 horas, quatro segundos antes de outro dos muitos fugitivos do dia, o australiano Ben O"Connor (AG2R Citroën).
Num discurso inspirador, em que elogiou os dois homens com os quais chegou à meta, após o trio se ter destacado de uma "multidão" em fuga, Mohoric teve uma palavra para aqueles que o acompanharam hoje, mas também para todo o pelotão, que chegou a Poligny 13.43 minutos depois, comandado pela Jumbo-Visma do camisola amarela Jonas Vingegaard, visivelmente tranquilo por ter mantido imutáveis as diferenças na geral, nomeadamente para Tadej Pogacar (UAE Emirates), segundo a 07.35, e Adam Yates (UAE Emirates), terceiro a 10.45.
"Durante todo o dia, só quis dar o meu melhor. Sempre soube que podia ganhar uma etapa na Volta a França, porque já ganhei duas [em 2021]. Sei que sou suficientemente forte, mas também sei que o são os outros 150 tipos. Não sou o único que pode vencer uma etapa no Tour. Cada um dos corredores merecia um momento destes [...]. Eu sei quanto ganhar uma etapa aqui pode mudar a tua vida e desejo que todos pudessem vencer, mas não é possível e isso é cruel", concluiu o também vencedor da Milão-Sanremo (2022) e de uma etapa no Giro'2018 e na Vuelta'2017.
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Os 172,8 quilómetros entre Moirans-en-Montagne e Poligny representavam a última oportunidade para os "caça-etapas" e, por isso, desde o início da 19.ª tirada, desenhada ao estilo de uma clássica, os ataques infrutíferos multiplicaram-se. O elevado ritmo e forte vento provocaram uma "cisão" do pelotão ao quilómetro 35, com Adam Yates a ficar momentaneamente "cortado".
O britânico conseguiu recuperar, ao contrário de outros, "condenados" pelas tentativas de fuga, finalmente formada aos 54 quilómetros, pelo incansável Julian Alaphilippe (Soudal Quick-Step), Tiesj Benoot (Jumbo-Visma), Matteo Trentin (UAE Emirates), Jack Haig (Bahrain Victorious), Nils Politt (BORA-Hansgrohe), Mads Pedersen (Lidl-Trek), Georg Zimmermann (Intermarché-Circus-Wanty), Warren Barguil (Arkéa-Samsic) e Victor Campenaerts (Lotto Dstny), este pelo segundo dia consecutivo.
Cansado do desenrolar alucinante da primeira hora, o pelotão "travou" a fundo, com as equipas representadas na fuga a fazerem um bloqueio na estrada, para não deixar mais ninguém chegar à frente da corrida, da qual Politt desapareceu depois de um percalço técnico.
Ainda assim, os fugitivos nunca estiveram a muito mais de um minuto dos perseguidores, uma situação que permitiu que uma "multidão" se lhes juntasse a pouco mais de 65 quilómetros da meta, com nomes tão sonantes como Mohoric, Asgreen, O"Connor, o camisola verde Jasper Philipsen e Mathieu van der Poel (Alpecin-Deceuninck), Thomas Pidcock (INEOS) ou Neilson Powless (EF Education-EasyPost).
Com dois homens entre os 36 escapados - também lá estava Christophe Laporte -, a Jumbo-Visma deixou a fuga seguir e ganhar mais de 13 minutos. Com tantos candidatos à vitória na etapa, não surpreendeu que Campenaerts e Simon Clarke (Israel-Premier Tech) tentassem a sua sorte, mantendo-se à frente dos seus companheiros de jornada durante mais de 20 quilómetros.
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Clarke foi derrotado pelas cãibras na Côte d"Ivory, a contagem de terceira categoria da jornada, mas o belga da Lotto Dstny não haveria de ficar muito tempo sozinho na frente, recebendo a companhia de Asgreen, O'Connor e Mohoric, antes de também ele ceder ao desgaste de duas jornadas consecutivas em fuga.
Foram vários os ciclistas que tentaram chegar ao trio da dianteira, mas a inegável qualidade do esloveno da Bahrain Victorious, do dinamarquês da Soudal Quick-Step e do australiano da AG2R Citroën, quarto na geral final do Tour2021, e o seu excelente entendimento fez com que a vantagem para os seus ex-colegas de aventura só fosse aumentando, até uns irrecuperáveis 39 segundos, a diferença com que Philipsen cortou a meta.
Asgreen voltou a ser o primeiro a lançar o sprint, tentando repetir a tática que lhe deu a vitória na véspera, mas Mohoric, vindo de trás, ultrapassou-o sobre o risco, para dar o terceiro triunfo à Bahrain Victorious nesta edição, depois dos de Pello Bilbao (10.ª) e Wout Poels (15.ª)
Após ter ficado em branco na passada edição, vincadamente marcada pelas buscas feitas à equipa antes do arranque da Volta a França - algo que já tinha acontecido no ano anterior, mas durante a prova -, a formação do Bahrain vai sair desta "Grande Boucle" como uma das grandes vencedoras, estatuto de que Jonas Vingegaard é o maior representante.
O camisola amarela e campeão em título enfrenta no sábado o derradeiro teste à sua liderança nos duros 133,5 quilómetros entre Belfort e Le Markstein, que incluem seis contagens de montanha, as duas últimas de primeira categoria.
A 20.ª etapa, que antecede o "desfile" de consagração até aos Campos Elísios no domingo, será palco dos últimos ataques ao dinamarquês, mas também da definição da geral, na qual Nelson Oliveira (Movistar) e Rui Costa (Intermarché-Circus-Wanty) são, respetivamente, 56.º classificado, a 02:55.55 horas de Vingegaard, e 70.º, a 03:32.26.