Desporto na COP26: dos primeiros passos de Portugal ao impacto positivo de Paris'2024
Setor fez parte do alinhamento da cimeira que terminou, no sábado, em Glasgow. 273 organismos comprometeram-se a reduzir emissões em 50% até 2030, atingir a neutralidade carbónica em 2040 e apresentar relatórios anuais. Em Portugal, a sustentabilidade gerou algumas iniciativas, sem continuidade
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A 26.ª Conferência das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (COP) foi quase como uma competição desportiva, com alegrias, desilusões e até um prolongamento - a declaração final dos 197 países só foi apresentada no sábado, um dia depois do previsto.
O desporto esteve presente e Georgina Grenon, do Comité Organizador de Paris"2024, falou da necessidade de "todos nos tornarmos Atletas do Clima". Nomes como Hannah Mills (bicampeã olímpica na vela), Pau Gasol (antigo basquetebolista, três vezes medalhado em Jogos) ou Eliud Kipchoge (recordista mundial da maratona) deram a cara e desafiaram os líderes mundiais a agir de acordo com as metas estabelecidas no Acordo de Paris (2015), onde o compromisso foi de limitar, até 2100, o aumento da temperatura média global do planeta entre 1,5 e 2 graus centígrados acima dos valores da época pré-industrial - ao atual ritmo, e tendo havido um recorde de emissões em 2020, mesmo com a pandemia, o planeta estará 2,7º C mais quente no final do século...
Em Glasgow, a Estrutura do Desporto pela Ação Climática (na sigla original S4CA, de Sports for Climate Action), em consonância com o acordo global, comprometeu-se a reduzir para metade as emissões poluentes no setor até 2030, a atingir a neutralidade carbónica (total equilíbrio entre a quantidade de carbono que é emitido e aquele que é retirado da atmosfera) em 2040 e a apresentar relatórios anuais.
A entidade, inserida na Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (UNFCCC), foi criada há três anos na Polónia, mas só agora traçou objetivos concretos, reunindo 273 subscritores até ao momento. Sporting, Federação Portuguesa de Judo, Federação Portuguesa de Ciclismo e Federação de Campismo e Montanhismo de Portugal são as instituições nacionais signatárias, mas organismos como FIFA ou Comité Olímpico Internacional, que têm jurisdição sobre organizações lusas, também são membros.
Da sustentabilidade fora da agenda aos exemplos pontuais
Portugal é 16.º mundial no Índice de Desempenho das Alterações Climáticas com um nível "alto" na luta pela redução dos gases de efeito estufa, num ranking sem pódio (nenhum país está no patamar "muito alto"). Acabado de lançar a Lei de Bases da Política do Clima e estimando atingir a neutralidade carbónica em 2045 ("antecipando o horizonte previsto de 2050"), o país tem alguns casos de preocupação ambiental vindos do desporto.
Integrando vários projetos europeus ao abrigo do programa Erasmus + da União Europeia (um visa a diminuição do impacto ambiental na atividade regular dos clubes no futebol e outro estuda a instalação de painéis fotovoltaicos nos equipamentos desportivos), a Federação Portuguesa de Futebol levou a cabo, a 14 de novembro de 2017, no particular Portugal-EUA, realizado em Leiria, o primeiro evento Carbono Zero. A própria Cidade do Futebol, inaugurada em março de 2016, tem um funcionamento eficiente. Aliás, a obra incluiu a plantação de 11 370 árvores e a reutilização de três milhões de blocos de basalto existentes no terreno na construção dos muros do complexo.
Em 2019, na última passagem do circuito mundial de surf pela Praia de Supertubos, em Peniche, nasceu o projeto "The Unwanted Shapes" ("As formas indesejadas"), pondo atletas profissionais a disputar um heat especial com pranchas feitas de lixo plástico, para despertar consciências. No ano passado, na sequência das novas normas adotadas pela União Ciclista Internacional, a Volta a Portugal em bicicleta estreou as zonas de descarte de lixo para os ciclistas.
São bons exemplos, mas pecam por pontuais, estando as questões ambientais e de sustentabilidade no desporto "completamente fora de agenda", segundo o presidente do Comité Olímpico de Portugal (COP), José Manuel Constantino. "O COP tem tomado algumas iniciativas, quer internas quer externas, sensibilizando para a importância que o desporto tem, e o Comité Olímpico Internacional tem sido muito insistente relativamente a essa matéria, mas em Portugal é um tema que passa ao lado da agenda política", reforça o dirigente a O JOGO.
Paris"2024 será primeiro evento com impacto positivo no clima
"Em Tóquio já se notavam algumas preocupações. O COI criou um quadro de exigências na apreciação de candidaturas às cidades que acolhem os Jogos", diz José Manuel Constantino, presidente do Comité Olímpico de Portugal, a propósito do programa de sustentabilidade que está desenhado para a próxima edição dos Jogos.
Realizando-se na cidade onde se fez o último tratado ambiental, Paris"2024 está a preparar-se para ser exemplar, anunciando-se como o primeiro evento desportivo internacional com impacto positivo no clima. O Comité Organizador já estabeleceu um teto nas emissões, de um máximo de 1,5 milhões de toneladas (55 por cento abaixo de Tóquio"2020, que chegou a 3,5 milhões), e anunciou o apoio a iniciativas ambientais que compensem o carbono que for largado na atmosfera.
"Estamos realmente comprometidos em ir além do objetivo do COI para 2030 [redução das emissões em 50 por cento], fazendo-o seis anos antes", vincou Georgina Grenon, da organização de Paris"24, em Glasgow.
FIFA e UEFA em contradição
Ao mesmo tempo que se comprometeu com as metas da S4CA, pois "o futebol não é imune às mudanças significativas no planeta", segundo o presidente Gianni Infantino, a FIFA propôs-se organizar o Mundial de dois em dois anos, um desastre ambiental pelo aumento que gera na circulação de pessoas (equipas e adeptos).
O organismo internacional arrisca-se a ficar debaixo de fogo também em questões climáticas - praticamente ninguém quer o aumento dos Mundiais -, tal como esteve a UEFA (outro membro da S4CA) pelo mau exemplo dado no último Campeonato da Europa, comemorativo dos 60 anos do torneio e repartido por 11 países - Portugal fez dois jogos em Budapeste, com uma deslocação a Munique pelo meio, acabando a campanha em Sevilha, eliminado nos "oitavos" pela Bélgica. A tendência crescente para as organizações conjuntas, que permitem aos países dividir a fatura, gera um aumento de deslocações em muitos casos difícil de entender, por não existir proximidade geográfica entre organizadores. Um exemplo será o Europeu de andebol de 2028, depois de a Suíça se juntar à candidatura de Portugal e Espanha.
No entanto, José Manuel Constantino coloca a tónica noutro ponto. "Não há como evitar a mobilidade das pessoas. A mobilidade é crescente. Os equipamentos dessa mobilidade é que podem ser mais ou menos poluentes. À escala global, e não apenas no desporto, é necessário encontrar soluções mais amigas do ambiente. As viagens não são uma especificidade do desporto. A especificidade do desporto tem a ver com os usos que faz do ambiente, um uso predador que não permita a regeneração dos elementos naturais e uma construção artificial", comentou o presidente do COP.
F1 com combustível sustentável em 2025
Se, com Bernie Ecclestone como patrão, as alterações climáticas não eram uma preocupação na Fórmula 1, mesmo depois da entrada na era híbrida (2014), com a chegada da Liberty Media o panorama alterou-se. Em 2019, pela primeira vez, foi apresentado um plano para tornar as corridas mais sustentáveis até 2025 e chegar à neutralidade carbónica em 2030.
Revelando que uma época inteira significa a criação de 256 mil toneladas de CO2 (fora as emissões geradas pelos adeptos, pois aí o número cresce para 1,9 milhões), a Fórmula 1 já baniu plásticos de uso único e anuncia viagens e transportes "ultra-eficientes", escritórios alimentados por energias renováveis e a criação de um combustível totalmente sustentável, feito em laboratório.
Estará disponível em 2025, e terá carbono, lixo municipal e biomassa não alimentar. Já na próxima época os combustíveis vão ter 10 por cento de etanol (biocombustível de origem vegetal), acima dos 5,76 por cento de biocomponentes usados da atualidade.
"Estou muito orgulhoso dos passos que têm sido dados. Claro que ninguém consegue ser rápido o suficiente, mas a Fórmula 1 está a mostrar que se preocupa cada vez mais. Os eventos estão a tornar-se mais sustentáveis. Recentemente participei no Grande Prémio dos Países Baixos e 80 por cento dos espectadores foram de transportes públicos ou de bicicleta. Foi fenomenal", enalteceu o alemão Nico Rosberg, campeão do mundo em 2016, falando de "avanços gigantescos" no setor do desporto mais criticado quando se fala de proteger o ambiente.
Em 2022, o Mundial de ralis (WRC) entrará no mesmo caminho da Fórmula 1, aligeirando os motores de combustão ao torná-los híbridos.