Confessa o treinador da W52-FC Porto: "Gosto de corridas com estratégia, pensadas"
Nuno Ribeiro já levou a W52-FC Porto a quatro vitórias graças a fugas inesperadas nas primeiras etapas da Volta e deu aos ciclistas o exemplo da Jumbo no Tour como erro a não fazer
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Há no mundo um técnico que pode dizer nunca ter perdido naquele que é o seu "campeonato", a Volta a Portugal. Nuno Ribeiro tem uma no currículo como ciclista e vai em seis como diretor desportivo.
Nuno Ribeiro vive momentos de pesar, devido ao falecimento da sua mãe. Foi ainda antes de receber essa notícia triste que o diretor desportivo da W52-FC Porto conversou com O JOGO. Aos 43 anos, e tendo-se estreado no cargo em 2015, numa W52 que na época seguinte se juntaria ao FC Porto, possui um currículo inigualável: ganhou sempre a Volta a Portugal e o Grande Prémio JN, maiores objetivos da época, e celebrizou-se pelos ataques decisivos, como o que levou Amaro Antunes ao triunfo este ano. Como ciclista, ganhou a Volta de 2003 e passou pelo ciclismo internacional.
Quando planeou o ataque do Amaro Antunes na Senhora da Graça?
-As etapas são todas estudadas antes da Volta a Portugal. Logo aí programa-se uma estratégia, que durante a corrida vai sendo passada aos atletas, para que tudo seja a favor da nossa equipa.
Que conversaram antes da Senhora da Graça?
-A Senhora da Graça é uma subida muito rápida. Se quisermos ganhar ali a Volta a Portugal temos de atacar antes da subida final e entrar com vantagem. Já lá ganhei uma Volta da mesma forma que o Amaro, fugindo na montanha anterior. Quem entra com alguma vantagem em Mondim pode ganhar. Sabia que o Amaro tinha perdido tempo no prólogo e iriam dar-lhe alguma margem. Foi aproveitar todas as peças para fazer diferenças e, a partir daí, ter a Volta mais ou menos controlada.
O António Carvalho diz que era missão dele seguir o Amaro. Se o tivesse feito, que aconteceria a seguir?
-Ou o Amaro iria atacar para o Carvalho responder ou, ainda antes, quando o Carvalho atacasse teria um ciclista nosso na roda dele e estaríamos sempre em vantagem. As coisas são o que são. Fizemos o planeado e resultou.
E se a fuga do Amaro fosse anulada?
-Iríamos manter o João Rodrigues e o Gustavo Veloso juntamente com os outros e ver o que daria a subida final. Mas as diferenças aí seriam sempre poucas.
Esta foi a quarta, nas cinco vitórias do penta da W52-FC Porto, com uma fuga numa das três primeiras etapas. Há uma apetência para ganhar assim?
-Prefiro estar mais confortável, numa situação em que tenha vantagem. Se dizem que temos a equipa mais forte, preferimos fazer diferenças e depois geri-las. Não queremos matar a equipa para depois ficarem outros com vantagem.
Gosta de ciclismo de ataque?
-Gosto que tenha estratégia, que seja uma corrida pensada, e também de utilizar as armas que tenho. Digo sempre aos meus ciclistas que qualquer um deles pode ganhar a Volta. Quem alinha pela nossa equipa tem esse intuito.
Em 2019, o João Rodrigues só ganhou a fechar...
-Foi a única Volta para decidir no final, mas ficou marcada pela queda da nossa equipa em Bragança. Só aí tive dúvidas. Mas depois percebeu-se que no confronto direto o João Rodrigues estava superior ao Jóni Brandão e iria fazer diferenças no contrarrelógio.
"A Jumbo tinha várias soluções para ganhar o Tour e conseguiu ficar só com uma e para decidir no final. Isso às vezes não resulta"
Se fosse o diretor desportivo da Jumbo, deixaria a decisão da última Volta a França chegar ao contrarrelógio final?
-Não! Esse foi um dos exemplos que dei aos nossos ciclistas. A Jumbo tinha várias soluções para ganhar a Volta a França e conseguiu anular todas e ficar com uma, para decidir no final. Não foi por isso que deixaram de fazer um bom Tour. Dominaram e podiam ter ganho. Optaram por controlar de forma a todos irem confortáveis e esperar pelo contrarrelógio. Isso às vezes não resulta. Por isso prefiro usar as peças todas que tenho.
Muito encurtada, a época de ciclismo só terá agora o Grande Prémio JN, entre o próximo dia 28 e 1 de novembro. Será mais um intervalo, até uma das provas mais importantes. Custou dizer aos ciclistas que há novo intervalo de três semanas?
-Não, vamos apenas preparar-nos outra vez. Temos cinco vitórias seguidas e é para nós a corrida mais importante depois da Volta a Portugal. Portanto, a equipa irá preparar-se para lutar por mais um triunfo. Talvez não com todos os que estiveram na Volta, pois queremos dar a oportunidade a outros.
Amanhã já treinam?
-Eles treinaram logo na manhã depois de ganharem a Volta. Vamos trabalhar para estar bem, queremos alinhar na máxima força.
"A Efapel também tinha dois..."
Nuno Ribeiro gosta de usar as peças todas e os adversários dizem que tem mais peças do que os outros. Ele não concorda. "É a opinião de toda a gente, mas a Efapel também tinha dois ciclistas para ganhar a Volta. Nós tínhamos dois e ainda o Gustavo, que nos últimos anos tinha claudicado na etapa da Torre. Não sabíamos como iria subir este ano. Temos uma equipa boa e humilde, com um espírito de grupo que se calhar mais ninguém tem, agora quanto a favoritos estamos em igualdade com a Efapel. A nossa mais-valia é a equipa de trabalho", diz.
"Nunca há grandes mexidas"
Nuno Ribeiro teve de preparar a equipa numa época quase sem corridas antes da Volta a Portugal e com esta adiada mais de um mês. "No sentido de ser um ano de incertezas, foi uma época muito difícil. Mas mentalizamos os ciclistas para manterem a preparação. Nesta equipa, quando é para treinar é para treinar, quando é para brincar eles brincam", diz, fazendo a mesma análise simples quanto a possíveis mudanças no plantel, que em breve será formado para mais dois anos: "Esta equipa tem uma estratégia, que tem sido a de manter a sua base, apostando todos os anos em mais alguns jovens. Se não sair de repente nenhum dos ciclistas importantes, o que obrigará a ir buscar alguém para esse lugar, não teremos grandes mudanças".