VOLTA A PORTUGAL: O JOGO analisou as audiências desde 2000 e constatou que um português perto da amarela faz disparar a atenção, como se prevê neste ano
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Quem recuar a agosto de 2005 lembrar-se-á de um país unido no apoio a um ciclista. Cândido Barbosa, um sprinter capaz de subir como poucos, transformou a Volta a Portugal desse verão pós-Euro 2004 num evento de larga escala. Vladimir Efimkin ganhou por 34 segundos, mas a luta até final valeu a segunda maior audiência da prova deste século, com quase 580 mil espectadores, por dia, a prenderem-se ao ecrã.
Este ano, os principais líderes das equipas serão portugueses: Jóni pela Efapel, Machado e Frederico pelo Sporting-Tavira e muitos lusos para o hepta do Sobrado
O contrarrelógio final dessa edição contou com 870 mil pessoas, um recorde. Em 2006, David Blanco deixou Cândido mais longe, no terceiro lugar, e a atenção baixou para 550 mil, porém não afugentou o mito: o Foguete de Rebordosa, em 2007, foi novamente segundo e fomentou-se a marca maior desde 2000: 610 mil espectadores diários.
Fica provado como a Volta a Portugal precisa dos ciclistas portugueses a lutar pela amarela para aumentar a expectativa. "Que digam os franceses, que procuram um vencedor do Tour há 34 anos... É claro que o ciclismo português está carente de um ídolo", admite a O JOGO Joaquim Gomes, diretor da Volta.
"A Volta não piorou só porque saí, coincidiu com a mudança da modalidade, já que vários ciclistas portugueses deram o salto e ficámos sem tantas referências. Fui sempre muito combativo e as pessoas acreditaram em mim. Posso dizer que fui o ciclista mais vezes multado por assinar o livro de ponto fora de horas. Foram três ou quatro dezenas... Não tinha coragem de negar uma foto ou um autógrafo", revela Cândido Barbosa.
Se o sprinter teve três das cinco Voltas mais acompanhadas, Rui Sousa, terceiro em 2002 e 2013, tem as duas remanescentes. Não interessa não terem vencido: a emoção de andarem na luta prendeu o país ao ecrã. Depois, sim, surgem as vitórias lusas: Vítor Gamito, em 2000, as de Nuno Ribeiro em 2009 e 2003 (a primeira retirada por doping), tudo dados recolhidos por O JOGO junto da Marktest, MediaMonitor e Podium.
Para a edição 81 da prova, a começar na quarta-feira e indo até 11 de agosto, os líderes das principais formações são portugueses. Raúl Alarcón está em dúvida para o "tri" pelas lesões de uma queda no GP Abimota. Assim, a W52-FC Porto pensa em Edgar Pinto, António Carvalho, João Rodrigues e Ricardo Mestre para tentar o sétimo triunfo seguido da formação radicada em Sobrado. Tiago Machado e Frederico Figueiredo capitaneiam o Sporting-Tavira e na Efapel Jóni Brandão é dono e senhor. "O baralho de cartas está mais aberto na W52-FC Porto e isso pode dar emoção. O Jóni tem estado bem e é candidato. O Tiago é lutador, um tresloucado e as pessoas gostam disso. Vai animar", garante Cândido.
Critério maior para o entusiasmo é a luta constante pela amarela
Nos dados recolhidos é notória uma supremacia da Senhora da Graça em relação à Torre, as duas subidas mais míticas da prova. A Serra da Estrela é mais dura e mais longa. "Andei anos a desejar que ela não lá estivesse", confessa Cândido Barbosa sobre a Torre, a escalada mais decisiva na geral, mas que na última década só em 2008 bateu em audiência a Senhora da Graça, tida como mais espetacular. O contrarrelógio principal da corrida regista sempre bons valores, já o prólogo é encarado como isso mesmo: um prefácio para as muitas etapas que ficam a restar.
Plataformas móveis ganham terreno. mas falta ainda serem auditadas
Ter portugueses em grande destaque é uma ajuda ao mediatismo da corrida, mas não é fator único. Em 2011, Ricardo Mestre ganhou pelo Tavira e o pódio foi 100% luso. Contudo, o ciclismo português estava em profunda crise financeira e sem as referências de outrora. Nem na televisão nem na estrada, foi essa uma prova memorável.
A associação do FC Porto ao projeto que nascera em Sobrado deu balanço à modalidade e as lutas de Jóni e Rui Sousa com Gustavo Veloso alimentaram o mediatismo tanto em 2014 como em 2015. O Sporting reforçaria a tendência, mas os dados da televisão deixaram de ser tão significativos.
A Volta modernizou-se e a plataforma RTP Play, que ainda não está auditada, substituiu a televisão nalguns casos. "Os grandes clubes trazem sempre mais pessoas à estrada. Identificam-se com eles... Vemos as pessoas com tablets e telemóveis a seguirem ao minuto. Essas pessoas não contam para as audiências", refere Joaquim Gomes.
Em 2016, Rui Vinhas foi o último português a vencer. Apesar da popularidade, não entrou para os primeiros postos em termos de audiências. "Até adeptos do Benfica diziam que torciam por mim", refere, ele que é, hoje, o maior ídolo nacional. "Sou visto como uma pessoa amiga. Depois da queda do ano passado, senti um carinho maior, talvez até, do que quando ganhei em 2016", comenta quando O JOGO o informa de que o trambolhão fora a notícia mais vista nesse dia no nosso online. Até com o futebol a começar cada vez mais cedo, ninguém rouba o palco à Grandíssima.
Apesar do elogio aos grandes, preocupa a hegemonia dos últimos seis anos do projeto que nasceu em Sobrado
Faltam estrelas
Em 2017 e 2018, por outro lado, o domínio da W52-FC Porto demoveu telespectadores. As duas edições estão nas menos vistas pela TV. Alarcón dominou com Amaro Antunes e no ano seguinte cedo envergou a amarela. Nem uma rivalidade até ao último dia com Jóni Brandão fez alterar a tendência. "A hegemonia tem sempre os lados negativos", diz Cândido, recordando como o Tour sofre desde que a ex-Sky, agora Ineos, domina.
O outro problema são os protagonistas estrangeiros. Desde que a Vuelta colou à Volta, as principais figuras têm faltado. Apesar de este ano até termos duas equipas que serão World Tour em 2020 (Arkéa e Israel Cycling Academy), faltam nomes para disputar a amarela. Esses têm optado por outras provas com mais pontos para o ranking em competições com menos dias de corrida. A Volta não piorou na última década, pelo contrário, mas a reformulação do calendário UCI tem prejudicado. Esse pode ser um dos maiores desafio à corrida.