Gonçalo Semedo, filho de craque, brilha na AF Aveiro: "Vejo astros alinhados”
Gonçalo Semedo é filho de antigo craque portista e estrela de uma Ovarense que luta com Lamas e Espinho pelo regresso aos nacionais
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Filho de Semedo, 314 jogos na história do FC Porto e oito títulos de campeão nacional, Gonçalo mantém o apelido do pai e espalha o mesmo perfume familiar, contribuindo para uma campanha notável da Ovarense na Distrital de Aveiro. O histórico emblema de Ovar luta para regressar aos campeonatos nacionais, agradecendo, ao cabo de 15 jornadas, ao avançado de 23 anos, autor de 15 golos.
“Fico orgulhoso e feliz com este início de campeonato da equipa e pela forma como me está a correr. Para pensar noutros patamares, teria mesmo de acontecer esta época, ainda para mais jogando pelo clube da minha cidade, em minha casa. Isto depois de ter perdido o meu avô pouco tempo antes de começar a época, ele que também atuou na Ovarense muitos anos. Por várias razões, é um arranque com sabor especial, acho que os astros se alinharam”, confessa Gonçalo Semedo, que cumpre a segunda época nos vareiros, e está a apenas a três golos de igualar o registo de 2021/22: 18. E vai acreditando num salto estratosférico. “Sempre tive a ideia de seguir os passos do meu pai e singrar no futebol. Desde pequeno esse é o desejo; a nível pessoal e coletivo, estou na melhor fase. Isso alimenta muito a vontade de chegar a palcos maiores”, acrescenta o avançado, rápido, com poder de desmarcação raro e potente jogo de cabeça, podendo ser extremo ou ponta-de-lança.
“O meu crescimento teve um capítulo importante aos 15/16 anos, no Avanca, em que fiz uma época inteira a jogar nos sub-19, vivendo um ambiente de balneário com jogadores três e quatro anos mais velhos. Era muito diferente e tive de me adaptar a nível físico. Na época seguinte, chego ao Feirense e provo as melhorias qualitativas, no rigor, nas condições e nos objetivos. Depois faço o meu primeiro ano de sénior, a competir com jogadores com o dobro da idade. Chega a ser assustador, mas aproveitando o que tem de bom. É um ponto chave para a carreira de qualquer um. E, agora sim, reúno experiência e maturidade que me ajudam a perceber as melhores decisões a tomar”, resume o atacante, lúcido e categórico na autoavaliação.
“Sinto-me melhor a jogar mais solto atrás do ponta-de-lança. Essa foi sempre a melhor posição e onde retiro melhor rendimento. Mas não me sinto preso, sou polivalente e entendo funções de outros lugares. Nunca tive uma posição fixa, passei por quase todas, da defesa ao ataque”, argumenta o mais novo da família Semedo, decididamente privilegiado por uma escola prematura, a partir de casa. “As necessidades da equipa diferem de jogo para jogo e de adversário para adversário. Trabalho para dar o melhor em cada contexto”, revela, também capaz de responder ao preço da pressão por exibir na camisola nome marcante.
“Essa pressão existiu e vai existir. A partir de uma certa idade torna-se saudável. Quando era mais novo, tinha sempre isso em mente, se outros lá chegam, eu também tinha de chegar. Mas, depois, percebi que não fazia sentido. Ser conhecido como o ‘filho do Semedo’ deve ser só um motivo de orgulho por tudo o que meu pai conquistou. Poder ser comparado a ele, pelos melhores motivos, é extremamente motivante. Trabalho para chegar onde ele chegou”, garante, agradecido pelo apoio familiar. “Sempre me acompanhou e, para mim, ter alguém com essa experiência futebolística pronto a ajudar é uma sorte que poucos têm. Sou muito grato”, completa.
Fã do pai e de Lucho
Gonçalo Semedo não teve ensejo de acompanhar a carreira do pai, não tendo jogadas cravadas como inspiração, restam-lhe golos e títulos guardados como adorno da alma futebolística. Nasceu em 2000, depois de Semedo se despedir dos relvados, em Vidal Pinheiro, em 1998/99.
“Infelizmente, não tive a possibilidade de ver o meu pai jogar ao vivo e sobram poucos jogos do seu tempo para ver pela televisão. Fui vendo algumas coisas, pesquisei vídeos, mas não há coisas específicas. Vivo com o que me dizem e acho que a nossa maior proximidade é a valia técnica, não tanto de fintar vários rivais, mas mais ao nível do passe. Depois, o entendimento dos momentos do jogo, bons taticamente, maleáveis a diferentes posições. No que são diferenças, tenho mais faro de golo, mas também jogo mais adiantado. Consigo jogar com o meu pé mais fraco, ele diz que não conseguia. Mas ele era mais explosivo no arranque. Não consigo ter muito mais certezas”, relata Gonçalo, admirador inevitável de Messi e Ronaldo, considerando-se privilegiado por ter acompanhado o auge de ambos nos relvados. “Quando era mais novo, tinha também um fascínio pelo Lucho quando ele jogava no FC Porto”, junta.
Estudos foram decisão certa
O rendimento de Gonçalo Semedo reflete alguém embalado na vertigem por se fazer futebolista de eleição. Corre sem freio depois de uma condução cautelosa da carreira, atendendo e cuidando de outras prioridades sugeridas de casa. Tardou um pouco, mas acabou por ativar o seu turbo. “Desde sempre tive o sonho de ser profissional no futebol, mas os meus pais, com as suas lições, fizeram-me dar prioridade aos estudos. Conseguir ser jogador é um caminho largo e difícil e então, caso não aparecesse nada mesmo certo, teria primeiro de terminar a minha licenciatura. A partir desse momento, já decidiria o que queria fazer”, explica o avançado, já formado em Engenharia Informática. “Foi a decisão certa, seria um risco enorme apegar-me só ao futebol e poderia prejudicar o meu futuro. Assim, o sonho pode ser realizado da mesma forma e, caso não seja, tenho os meus estudos feitos e já trabalho na área. Não descarto a possibilidade de arriscar e seguir o mundo do futebol, mas tem de ser uma decisão ponderada e na procura do lugar certo”, explica o avançado.
Reconhece, apesar de tudo, que essa primazia dada aos estudos obstaram a uma planificação de carreira mais ambiciosa nos relvados. “Não arrefeceu, mas terá dificultado, porque tomei decisões, em termos de clubes, a pensar nos estudos. Posso ter prejudicado o futebol, mas nada que me arrependa. Se as coisas tiverem de acontecer, vão acontecer”, atira, peŕentório a sublinhar uma imperiosa dedicação incutida pelos pais. Gonçalo trabalha hoje das 9 às 18 horas, treinando na Ovarense ao final da tarde. Com golos, muitos golos, não se contendo nesse apetite pelas balizas, além dos computadores. “Prometi aos meus pais acabar o curso e agora confesso que o foco pelo futebol tem crescido, passei a estar mais perto de conquistar o que queria, mas não posso dar passos maiores que as pernas. Tudo a seu tempo”, prossegue Gonçalo Semedo, centradíssimo nos planos traçados.
Quem o conhece, caso de Miguel Fernandes, seu treinador no Avanca, garante capacidade para jogar, nesta altura, muito tranquilamente nos melhores projetos da Liga 2. “Não escondo que quero jogar no topo, em Portugal. Se assim fosse, não podia pedir mais, depois ver-se-ia como corria. O objetivo é esse!”, remata o avançado da Ovarense.
“Subir era inexplicável”
Semedo não jogou pela Ovarense, mas o seu pai, avô de Gonçalo, sim. Ovar é o centro de ação e convergência familiar, a Ovarense uma paixão infinita. O avançado sente o apelo de conseguir ajudar a colocar os vareiros nas lides nacionais, de onde andam arredados há vários anos. “Subir seria um sentimento inexplicável. Seria também representativo da conquista de um primeiro campeonato como sénior. Vencer pela Ovarense é sempre mais especial. Mas antes de pensar nisso, temos muito trabalho a fazer para que tal aconteça. Não será nada fácil”, alerta.
“Estamos muito contentes pela fase que passamos, mas nada está garantido. É, para já, só uma possibilidade e uma motivação extra para tornar este sonho possível. Não só de um clube, mas de uma cidade! Vamos fazer por isso, por chegar aos nacionais!”, explana Gonçalo, consciente de que haverá luta de outros históricos, como União de Lamas ou Espinho. Aliás, o conjunto lamacense aproveitou, entretanto, a derrota da Ovarense em Oliveira do Bairro para se se impor como líder.