Zé Valente disseca aventura no sudeste asiático, numa altura em que foi adiado um jogo entre o Persebaya, o atual clube do atacante, e o Arema, isto porque há dúvidas de segurança quanto a uma rivalidade que custou a vida a 130 pessoas em outubro.
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Aos 28 anos, Zé Valente é aquele português que contagia e se deixa contagiar por um admirável mundo novo. Na Indonésia já alcançou estrelato no Persebaya, um dos históricos do país, caçando afetos por toda a parte na cidade de Surabaya, na ilha de Java. É com golos e assistências que veste a pele de super herói dos fanáticos adeptos da sua equipa e com uma criatividade que enamora os fãs e potencia as maiores ambições internas. O atacante, que vestiu em Portugal camisolas do Aves, Vizela, Estoril ou Penafiel, decidiu rumar ao sudeste asiático com convicções inabaláveis e uma certeza de felicidade já conquistada.
Já comanda coreografias com adeptos, beneficia de louvores e arrebata corações. São bancadas cheias, paixões ardentes que alimentam Zé Valente numa busca da superação, brindado de apoteótico entusiasmo mas longe de qualquer conforto e também segurança, já que foi na Indonésia num Arema-Persebaya, jogava ainda o português no mais modesto Sleman, que seu deu uma tragédia difícil de descrever e difícil de acreditar, que roubou a vida a 130 adeptos, esmagados numa fita de horror. O triste acontecimento de 1 de outubro ficou para trás mas parou a Liga por dois meses. Zé Valente foi, entretanto, reforço do Persebaya, por quem contabiliza 8 jogos, dois golos e cinco assistências.
-Imagino dias de felicidade na Indonésia, onde joga e desfruta de uma paixão muito especial dos adeptos?
-É um balanço muito positivo, procurei adaptar-me o mais rápido possível para conseguir também sentir-me bem e feliz. Tenho desfrutado e vivido esta experiência ao máximo. Neste momento estou muito feliz por representar um clube como o Persebaya.
-Há a sensação de alguma deceção por não ter seguido a carreira em Portugal no patamar mais elevado?
-Desilusão não foi de forma alguma, sou uma pessoa muito realista e sei perfeitamente que para alcançar em Portugal o nível que gostaria isso passa por jogar na Primeira Liga e as chances já eram quase nulas. Creio que existem timings para tudo e eu tive esse timing e as coisas não aconteceram. Eu continuava com contrato em Portugal mas não me estava a sentir feliz nem motivado. Simplesmente fui atrás daquilo que queria e, felizmente, consegui rescindir com o Penafiel e dar outro rumo à minha carreira. Já tinha vontade de jogar na Indonésia há algum tempo para poder ter a oportunidade, acima de tudo, de jogar em ambientes destes, com muita pressão. Precisava de sentir isso, precisava de poder vivenciar aquilo que me fez apaixonar pelo futebol que é a emoção, óbvio que aliado às condições que exigi as coisas aconteceram e não hesitei. Estou muito feliz.
-Que retrato arrisca da Indonésia ao fim destes meses?
-É um país onde a emoção está sempre presente, onde se vive o futebol como em poucos lugares, onde as pessoas são capazes do melhor e do pior, um país também muito atrasado e com uma educação muito conservadora. Mas teríamos de entrar em aspetos culturais e religiosos e são sempre assuntos muito delicados e que prefiro não abordar. Só nos resta respeitar e aceitar mesmo que não se concorde com muita coisa.
-Falava à pouco que o destino Indonésia já fervilhava na mente. Então o que podemos saber?
-É verdade. Estive de férias em Bali há uns seis anos e quando lá estava decidi pesquisar sobre o futebol e fui surpreendido pela quantidade de adeptos que se deslocavam aos estádios, pelas coreografias que faziam, pela forma apaixonada como as pessoas sentiam o futebol. Em tom de brincadeira comentei que iria jogar ali um dia, não me referindo propriamente a Bali, mas que seria o um clube local daqueles que adorava representar. Poder viver em Bali e fazer o que mais gosto era juntar o útil ao agradável. Quando me torno campeão pelo Estoril estou a aproveitar as férias e recebo uma proposta para poder ir, precisamente para o Bali, mas, nessa altura, a minha decisão passava por jogar perto de casa por causa do meu filho. E também porque seria um ano de futebol sem adeptos por causa da pandemia. Mas é engraçado como a vida dá tantas voltas e algo que parecia impensável podia ter-se tornado uma realidade. No final das contas aqui estou pela Indonésia.
-Vive-se bem na Indonésia ou há mais contratempos que prazeres?
-Tenho um estilo de vida bem básico aqui, até porque não há muito para fazer, estive inicialmente numa cidade turística onde tinha bastantes atrações, muitos templos para visitar, vulcões, cascatas e agora mudei-me para uma cidade empresarial, muito mais desenvolvida mas sem atrações. A única coisa que posso fazer é, por vezes, ir até ao shopping porque os shoppings aqui parecem cidades, são incrivelmente grandes e tenho cerca de sete shoppings na cidade, mas não é algo que goste muito de fazer. A ideia de que a Indonésia é um paraíso cheio de praias e que vamos treinar e depois vamos para a praia é completamente errada, é um país muito poluído onde as pessoas não têm consciência alguma sobre a importância de cuidarmos do meio ambiente, não há uma consciencialização direcionada nesse sentido como também não há para a importância da alimentação nas nossas vidas e, especialmente, para quem joga futebol. Não se importam também minimamente com isso... a comida local é toda ela a base de fritos, molhos e extremamente picante. É, de facto, uma realidade muito diferente, ver o que vejo muitas vezes faz-me sentir como se estivesse a viver há 20 anos. As pessoas precisam de se desenvolver, mas teríamos de entrar na questão cultural e religiosa, assuntos sempre muito delicados de serem falados. De resto, são pessoas muito pacatas e simpáticas e quando gostam de ti não têm meias medidas, gostam mesmo!
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