Rúben Sosa, um craque diabólico que encantou o Uruguai e assinou conquistas na Europa; foi rei das alcunhas e dos sul-americanos mais temidos dos noventas
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Jogou com Francescoli, Bergkamp ou Andreas Möller. Falamos de Rúben Sosa, um dos maiores craques uruguaios dos oitentas e noventas, verdadeiro tratado nas bolas paradas, um dos grandes bombardeiros dessas décadas, senhor de obras de arte alucinantes. Ainda hoje ligado ao futebol, é, aos 56 anos, treinador de avançados do seu Nacional. Um trabalho à sua medida, por si reclamado, para emprestar o mais supremo detalhe aos que escolhem a profissão goleadora. Está ao dispor de todas as categorias do clube.
"Não quis ser treinador, chateei-me com a Federação e vim para o meu clube de sempre, onde fui capitão e ganhei muitos troféus. O meu objetivo é ajudar o treinador na definição, em todos esses exercícios de definição que servem para atirar à baliza. Tenho tudo na minha cabeça, não preciso de livros! Ainda recentemente tive uma conversa bonita como rapaz dos sub-15 que não me havia conhecido como jogador, quis pegar no telemóvel e começou a ver esses golos. Depois só queria tirar fotos comigo", conta Rúben Sosa, abrindo, assim, a conversa...sempre com franqueza e acutilância.
«É um trabalho lindo, é a nossa vida. Agora que sou velho, pensando que se não fosse futebolista, gostaria de ser cantor, poderia cantar até aos 90 anos. Um jogador termina aos 35 e custa deixar. Tive a sorte de estar com o Nacional, auxílio, ensino e explico as nossas raízes futebolísticas», acrescenta Rúben Rosa, mais que tudo, recordista de alcunhas no futebol.
"As alcunhas começam no Baby Futbol, ainda no Danúbio. Pequenino já me chamavam de Peter Pan, eu voava. Quando chego à Europa ao Saragoça, muito jovem, passei a ser o «Poeta del gol» ou também "Speedy González". Na seleção era o "Principito", porque jogava com Francescoli que era o "Príncipe". No meu clube de sempre, o Nacional, era o "Sosita", a alcunha que perdura. Se chegar aos 90 anos ainda me vão chamar de Sosita", brinca o uruguaio, recordando anos dourados na Europa e experiência vencedoras em países como Espanha, Itália e Alemanha.
"A minha carreira é fácil de resumir, passei por muitos clubes e ganhei muitos troféus. O meu propósito era jogar com alegria, não tinha amarras ou condicionalismos, só vontade de fazer do futebol algo belo. Ganhei muito, uma Taça de Espanha muito jovem pelo Saragoça, marquei e decidi a final contra o Barcelona de Schuster. Conquistei uma Taça UEFA pelo Inter, fui campeão alemão pelo Dortmund. Ganho imenso pelo Nacional. Também ganhei na China. E disputo três Copas Américas e ganho duas pelo Uruguai".
Realização precoce no Saragoça e o Calcio das estrelas
Deixando a seleção uruguaia para parágrafos posteriores...desafiámos Rúben Sosa a partilhar o sentimento de realização pelos seus anos na Europa. Primeira paragem: Saragoça, anunciava-se a época 85/86.
"O Saragoça tinha ambições na Copa, no campeonato era difícil entrar nos primeiros. E realmente na primeira época conseguimos vencer a Taça do Rei sobre um Barcelona de primeiríssimo nível. Marquei de livre e resolvi o jogo. Ainda tive dificuldades iniciais em Espanha para me adaptar a um jogo mais físico. Era o Saragoça de Pardeza e onde jogou um ano Rijkaard", precisa, avançando para outro capítulo: Lázio, a partir de 88/89.
"Sigo para Itália, não ganho nado na Lázio, que era uma equipa modesta promovida da Serie B e não tinha jogadores internacionais. Faço quatro anos em Roma e depois três no Inter. É aí que tenho a minha grande explosão. Fiz grandes temporadas e alcancei imenso protagonismo. Ainda há pouco estava entre os 25 melhores estrangeiros do Inter. Era um Calcio com os melhores jogadores do mundo, o Nápoles de Maradona, Careca e Alemão, o Inter dos alemães, o Milan dos holandeses, ainda Vialli, Mancini ou Baggio. Saio para a Alemanha e faço um ano no Dortmund, uma equipa muito potente", adianta-se sobre o sucesso na Bundesliga, merecendo o Calcio um rescaldo mais apurado.
"Arranjei um contrato com o Inter que meteu uma aposta com o meu representante, se eu fizesse mais de 20 golos na primeira época, eu escrevia o valor que ele me teria de pagar, se fizesse menos era ele que escrevia. Cheguei ao fim com 23 golos. Nos sete anos de Itália marquei 98 golos, Maradona em período idêntico marcou 102 ou 103», lembra o uruguaio, tendo, forçosamente, que descrever o impacto de Diego na sua vida.
"Maradona o maior, não pode ser diminuído pelas questões da droga"
"Em Itália jogavam os melhores sul-americanos, os brasileiros, os argentinos e os uruguaios. Era o boom do Calcio. Era uma relação saudável, éramos todos embaixadores dos nossos países. Acima de todos, estava claro Diego. Ele era grandíssimo. Nunca ninguém o poderá menosprezar ou querer reduzir o jogador pelas questões da droga. Foi um fenómeno de futebol, quando soube da sua morte fiquei um par de dias encerrado na minha casa. Ele era um mago. Se tanto falam da droga, é imaginar, se não se drogasse teria jogado ainda mais do que jogou. Como pessoa era formidável, era amigo e próximo das pessoas", tributa El Pibe e desfia os contornos do respeito.
"Cada vez que o defrontava, sempre me cumprimentava como amigo. Ele era muito carinhoso, eu era muito alegre. Vivi uma semana espetacular com ele no Rio de Janeiro num evento FIFA. O que mais fica claro é que Maradona defendeu sempre o futebol, defendeu os jogadores até à morte, deu a mão a muitos", confessa.
"Bergkamp escandalizava-me por não festejar"
"Eu apanhei o Milan de Rijkaard, Gullit e Van Basten. Eram monstros! Escolheria essa equipa como a melhor, porque ganharam realmente tudo o que havia para ganhar. Eu também tive a meu lado outro grande holandês, o Bergkamp, era muito novo, talvez estivesse com 22 anos. Era um jogador muito distinto de classe A. Só que não desfrutava muito do futebol, para ele era jogar e marcar. Eu não compreendia como ele quase não celebrava os golos. Fazia um golaço e apenas levantava a mão. Isso escandalizava-me! Dizia-lhe sempre para vibrar mais."
"Posso dizer que onde fiz mais amigos foi na Lazio, fui treinado por Zoff e Materazzi, que foi um pai para mim. Mas também ficaram muitos no Inter como Zenga, Bergomi, Ferri ou Berti. Se vou a Milão e Roma sempre tenho muitos encontros", explica, passando ao seu esplendor nas bolas paradas.
"Eu via Maradona e Branco como batiam os livres. Queria bater parecido ou em jeito ou em força. Olhava preferencialmente para quem batia forte. Como adorei mais tarde Roberto Carlos! Os golos favoritos são o da final da Taça do Rei e também um muito bom pelo Dortmund contra o Bayern, um livre ao Kahn. Na final da UEFA pelo Inter dei uma assistência. Marquei muitos, fiz três ao Parma. Mas o momento mais sentido de todos é esse golo pelo Saragoça ao Barcelona, no dia anterior tinha feito anos, foi uma bela prenda", resume Rúben Sosa, reconhecendo, sim, o fracasso da vivência mundialista em 1990.
"Do Mundial não são realmente boas memórias. Estive no de 1990, era difícil ganhá-lo. Fiquei com uma dívida. Estava na Lazio e deu-se o embate com a Itália. Venceram-nos 2-0. Queríamos fazer melhor e eu errei nesse jogo ao falhar um penálti. Não desfrutei do Mundial. Mas a Copa América venci por duas vezes, na Argentina, contra a campeã do mundo de 1986, e no Chile, e fiquei ainda perto de uma terceira vitória. Fui, no entanto, o goleador da prova, mas na final fomos batidos pelo Brasil, golo do Romário", argumenta, descrevendo a felicidade de pertencer a uma geração liderada por Enzo Francescoli, um dos grandes da América do Sul.
País dos milagres futebolísticos
"Enzo era um senhor capitão, cuidava de todos. O que ele dizia estava sempre perfeito. E como jogador era grandioso, mesmo franzino e débil fazia jogadas incríveis. Gostava de ter a bola, chutava bem, era muito habilidoso. Era enorme!", rende-se Sosita.
"É uma geração que está a acabar como acabou a nossa. Já fazemos muito quanto a futebol, somos um país milagroso. Somos 3 milhões e meio de habitantes e uma grande percentagem vira jogador. Os pais oferecem bolas aos miúdos, nada de computadores. Cada menino cresce com uma bola e uma camisola do jogador que mais goste. Aos 5 anos todos jogam nas ruas", explica o antigo craque uruguaio, atravessando um pouco da história do país e das suas idiossincrasias.
!a minha geração foi muito boa, a de Forlán também, que se prolongou até esta de Cebola, Suárez e Cavani. Mas eles ainda vão continuar, no Uruguai é assim! É manter até ao final, somos apaixonados pelo futebol, custa-nos muito deixar", enaltece.