"Roberto Martínez é perfeito para Portugal, um técnico que percebe tudo e é um vencedor"
Shadab é adjunto do Wigan e uma figura inspirada pelo selecionador de Portugal, a quem apresentou um plano para derrotar o Barcelona, então guiado por Pep Guardiola. Shadab tinha 21 anos quando se cruzou com Martínez e a sede de futebol foi tão vasta que o selecionador de Portugal o quis como colaborador
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Shadab Iftikhar, 35 anos, adjunto de Shaun Maloney no Wigan, é detentor de uma das histórias mais fascinantes, que se cruza de raspão com Portugal pelo que viveu e bebeu junto do selecionador nacional, Roberto Martínez, fonte de inspiração que não se apagará. Com raízes paquistanesas, cresceu em Preston e, com uma paixão incomum pelo futebol, foi-se aproximando do espanhol, que teve uma história incrível no Wigan, onde jogou várias épocas, voltando como treinador, de 2009 a 2013, e conquistando para os latics uma Taça da Liga. O jovem Shadab, com apenas 20/21 anos, aparecia aí sedento de informação, aproveitando a curta distância para Hesketh Bank. Já exercia funções de adjunto na equipa de uma vila, dirigindo miúdos de sub-12, tendo ele 18 anos. Ainda treinou o Real Mahad sub-15, equipa amadora, de amigos, vinculada a uma mesquita da sua zona.
Entusiasta feroz do Championship Manager e do Football Manager, o jovem, desafiado pelo irmão, ousou apresentar-se a Martínez com um relatório em que exibia os seus conceitos, ao pormenor, para anular o Barcelona de Guardiola, de Xavi, Iniesta e Messi, que se fazia mandão na Europa. Com o mesmo desassombro e descaramento de Villas-Boas quando se encheu de confiança diante de Bobby Robson. Os recursos analíticos, a assertividade e a paixão foram de tal forma convincentes que Roberto Martínez acabou por depositar inteira confiança em Shadab como seu scout durante duas épocas no Wigan, outras duas no Everton e também na seleção da Bélgica, aqui como olheiro para o Europeu 2020. A relação fluiu com uma humanidade tremenda, tendo o atual adjunto do Wigan uma veneração arrepiante pelo treinador de Portugal, sendo que Martínez continua a ser tema em Wigan, já que Maloney também se fez fiel discípulo depois de ter sido estrela dos latics na era de comando do espanhol. Antes deste regresso ao universo dos latics, Iftikhar protagonizou também trajeto singular, até insólito, nos últimos anos, trabalhando nas ligas da Mongólia e Samoa, e também nos sub-20 do Paquistão como etapa última, num apelo de afetos e origens.
Para conversar com Shadab Iftikhar...recentemente condecorado com o prémio destinado a Treinador Profissional na gala asiática, o primeiro tópico é, obrigatoriamente, o Football Manager, que lhe inspirou a mente em menino, aprofundou o bichinho do adolescente e acabou mesmo por potenciar o treinador de hoje.
“Honestamente, eu era o típico jovem que adorava o jogo de futebol e era obcecado por ele. Se não estava a jogar, metia-me na Play Station ou computador a jogar. As minhas memórias de infância estão todas relacionadas, sem exceção, com o futebol. Aluguei um escritório só para pensar o jogo. O Championship Manager e o Football Manager foram momentos incríveis, foram dias incessantes a jogar. Nunca esquecerei as minhas conquistas com a superequipa do Valência”, recordou, tocando no prazer que a armada che na era de Aimar despertava. “Consumia todo o futebol. A Série A no canal 4, a La Liga, passando pela Liga dos Campeões e pela Premier League. Mas, sem dúvida, era um rapaz hipnotizado pelo Valência de Benítez. Amei!”, sublinhou Shadab, que estava perto de conhecer outro herói, este mais real, pelo contacto visual. “Roberto é o ‘Jefe’. Sempre o chamei assim! É um homem especial, que estava muito à frente do seu tempo. Temos o Antonio Conte como famoso por trazer o 3-4-3 para Inglaterra, mas Jefe estava a fazê-lo com o Wigan, depois com o Everton, fazendo Gareth Barry cair na retaguarda. Era um estilo de futebol diferente e agora vemos que é praticamente exigido a todas as equipas”, rebobinou.
“Ele ensinou-me muito, dentro e fora do campo, alguém excecional e profundamente inteligente. Cada conversa ao longo dos anos revelava-se brilhante e inspiradora. O seu maior trunfo é o cérebro, não só a grande componente tática, mas, mais ainda, a inteligência geral. Tem uma maneira de pensar inacreditável”, louvou Shadab Iftikhar, percorrendo os momentos que o embriagaram de amores a partir da aceitação de Martínez quanto ao seu valor de olheiro.
Os elogios ao selecionador nacional são largos e perentórios. “Ele aplica o bom senso a todo o tipo de situações e esta é uma grande competência. O seu nível de análise e detalhe são incríveis, sabe tudo sobre os adversários. Obtém muitas informações mas destaca-se pela forma como as disseca”, observou, sem travão na leitura dos méritos de Martínez. “Ele tem o dom de compreender o perfil dos jogadores de forma surpreendente. Por ele todos querem dar tudo, tem uma aura especial que une as pessoas, grupos e organizações”, sustentou, definindo o espanhol como “um líder notável”.
Do trabalho na Bélgica para a visão do que vai sendo a marca de Martínez pelas quinas. “Portugal terá sucesso e garanto que quando ele deixar o cargo, a Federação Portuguesa estará num lugar melhor. É isso que ele faz melhor, nos clubes ou nas seleções. Gere como se estivesse lá há 100 anos, o trabalho de bastidores na Bélgica foi incrível. Ele é perfeito para Portugal, um país fantástico, que quer e é capaz de vencer, e um técnico que percebe tudo e é um vencedor”, destacou.
Grande amor por Rui Costa e Ricardo Carvalho
Shadab Iftikhar lembra o fascínio pelo agora presidente do Benfica em criança, mas garante que o tempo fez do antigo central o seu português favorito. E ainda o lado especial de Mourinho.
Ainda tal e qual uma criança entusiasta com os craques que via, Shadab marca inegável apreço por figuras do futebol nacional. “Figo era o jogador preferido em minha casa, pelos meus irmãos, enquanto o meu favorito era Rui Costa. Passado algum tempo passou a ser Ricardo Carvalho. Não se pode falar de jogadores portugueses sem mencionar o Cristiano Ronaldo. Ele mostrou a todos que tudo é possível, vendo o que ele foi capaz de conquistar. Não haverá outro Cristiano Ronaldo nas próximas gerações, foi muito especial”, avisa.
“Os jogadores portugueses têm tido desempenhos fantásticos e são de nível superior. Estão espalhados por ligas de todo o mundo e são jogadores de topo em toda a parte. É impressionante como é bom o talento e, seguramente, será maravilhoso o futuro. Confiem em mim e no comando do ‘Jefe’”, atestou Shadab, também de certa forma familiarizado com o sucesso de José Mourinho ou com o processo de André Villas-Boas, que também forjou carreira de treinador a partir de estudos sem escola própria sobre futebol. “São exemplos perfeitos que tudo se consegue com muito trabalho, dedicação, e que é preciso um pouco de sorte. Assim o é em qualquer esfera da vida. É preciso pessoas boas à tua volta, isso é essencial. Pessoas que te digam a verdade e não o que queres ouvir”, testemunhou, classificando o raio de luz trazido a Inglaterra pelo atual técnico do Fenerbahçe.
“Mourinho mudou o futebol e o seu impacto foi especial. Mudou o tipo de gestão de um treinador, deu esperança a muitas pessoas, inclusive a mim, sendo um ‘Special One’. Ganhou tudo e teve sucesso em clubes de diferentes níveis. Tem um lugar seguro na história”, remata.
Paquistão em nome do coração
A emoção da carreira, do prémio alcançado na Ásia, os passos dados com firmeza e muito estudo, que também o fizeram treinar em 2021 os escoceses do Fort William, considerada em 2019 a pior equipa do Reino Unido, acompanham Shadab Iftikhar, sem se colocar refém da nostalgia, apontando apenas baterias ao futuro. O trajeto exótico é abordado nesta conversa.
“Para a situação em que me encontro atualmente, muito contribuíram essas passagens pela Mongólia, Samoa, Paquistão e Escócia. Foram etapas que desempenharam papel vital, foram cargos de gestão que me ofereceram experiências variadas dentro e fora do campo. Fiquei preparado para as funções que tenho hoje no Wigan, fazendo parte do elenco principal”, diz.
Convocado por Shaun Maloney, o inglês de origem paquistanesa vive um período de confiança brutal. “O meu foco está todo no Wigan, Shaun é um treinador de topo, aprendo com ele todos os dias. Recebi uma oportunidade fabulosa e quero retribuir ao máximo o que ele fez por mim”, atestou, debruçando-se sobre a chamada paquistanesa, tão íntima. “É um país especial para mim e foi ótimo voltar a casa e trabalhar diretamente dentro das minhas raízes. Foi um sonho tornado realidade! Adorei cada minuto, foi o melhor momento da minha carreira. Todo o percurso com os sub-20 e a equipa principal foi fantástico. Ganhei irmãos para a vida”, sublinhou.
CURIOSIDADES
Herói ao treinar clube pitoresco da Escócia
Fez história em 2021/22 ao treinar o Fort William, da Highland League, 5.º escalão escocês, conseguindo ser o primeiro asiático do sul a treinar no futebol sénior da Escócia, assumindo uma equipa que era considerada a pior do Reino Unido por não vencer qualquer jogo há dois anos. O clube é também conhecido pelo seu pitoresco campo, o absolutamente deslumbrante Claggan Park, localizado no inebriante sopé da mais pujante montanha britânica, Ben Nevis, num enredo de cortar a respiração.
Insólitas aventuras na Mongólia e Samoa
Que treinador podia ter para contar passagens pelo Bayangol, da Mongólia, e pelo fascinante Kiwi FC, da Samoa? Só mesmo Shadab Iftikhar, que chegou à Mongólia candidatando-se ao cargo com o seu currículo muito próprio e uma licença UEFA B, que lhe pertencia desde os 22 anos. Na Mongólia foi ainda adjunto da seleção principal, ganhando a reputação de entender melhor os adversários que os próprios treinadores. Teria ainda a ousadia de treinar a equipa exótica do Kiwi FC, do top 5 da Liga da Samoa.