Primeiro jogador negro na seleção inglesa: "Foi uma sensação avassaladora"
Viv Anderson, antigo lateral, defende a O JOGO que devia haver mais negros em cargos importantes no futebol, até como forma de dar o exemplo às crianças, incentivando-as a tentarem singrar
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Viv Anderson é um homem essencial para enaltecer as conquistas do jogador negro numa Inglaterra que via perdurar as descriminações e condicionamentos racistas. Antes de 29 de novembro de 1978, nenhum jogador com matiz afro havia tomado lugar nas escolhas de um selecionador inglês, tendo sido Viv a quebrar o terrível e injustificado paradigma. Saltou para o campo por opção de Rob Greenwood num particular com a Checoslováquia, integrando um onze com Shilton, Trevor Cherry, Ray Wilkins ou Kevin Keegan.
Nos anos setenta, um lateral ganha força no Nottingham Forest. Aparece com 18 anos em 1974, conseguindo apanhar, no seu imediato - sinal de partida -, o comboio de Brian Clough, da louca vertigem, com paragem em Munique e Madrid, para estado de graça de uma geração de jogadores que em três anos subira à divisão maior de Inglaterra, atingindo com brutal honra e superação o título inglês e duas vitórias consecutivas na Taça dos Campeões Europeus .
Glória histórica, sublime-se, pois ninguém conseguirá repetir proeza semelhante ao Forest de Clough, maior da Europa em 1979, derrotando o Malmoe e, em 1980, ultrapassando o Hamburgo em duas finais vencidas por margem mínima, com golos de Trevor Francis e John Robertson.
Anderson fazia-se campeão inglês com 21 anos e atingia a seleção inglesa nessa época de 1977/78. Era um lateral-direito indiscutível, um poço de energia, poderoso a defender, veloz nas incursões ofensivas. Encantou Clough e construiu uma história de 297 jogos por um clube que era modesto até essa altura, assinando 16 golos. Defendeu mais tarde Arsenal, Manchester United e Sheffield Wednesday, mas foi a estrada feita nos The Reds que o fez divino e detentor de gracioso baú, pelas participações nos Europeus de 1980 e 1988, e nos Mundiais de 1982 e 1986.
Esse Forest quase abafou a lenda de Robin Hood, Nottingham agigantou-se pela Europa num ápice. Viv Anderson, em entrevista ao JOGO, perpetua aos 68 anos a importância do momento, o grito de uma história que teria de ser diferente em Inglaterra, na Europa e no Mundo, mesmo que os problemas raciais continuem teimosamente impregnados. “Essa minha estreia em 1978 funcionou como uma grande honra para mim e para a minha família. Foi um privilégio e uma sensação avassaladora. O cariz simbólico e influente daquela noite ainda hoje é relevante, pois há mais rostos negros nos clubes de futebol do que nunca”, aprecia, não deixando de ser crítico pelo que falta conquistar ou pelos passos atrás gerados por ruídos extremistas e impulsos radicais de direita com custos raciais e humanos.
Viv deu o primeiro passo, outros o acompanharam, o espaço foi sendo conquistado pela dimensão de nomes como John Barnes, Des Walker, Paul Parker, Ian Wright, Andy Cole, Les Ferdinand, Paul Ince, Sol Campbell... Viv comunga das preocupações de Lilian Thuram, voz mais forte no universo do futebol, com pensamentos consolidados e literatura publicada subordinada à temática racial, sobre os contornos estruturais do preconceito e discriminação no futebol, como consequência de partirem de comportamentos enraizados na sociedade. “Tenho de concordar com tudo o que é frequentemente dito por Thuram. Estamos a precisar de mais negros que se representem como modelos em altos cargos. Temos de mostrar às crianças negras, privilegiando as novas gerações, o que é possível alcançar. Para que se sintam incentivadas a prosseguir pelo seu sonho e possam ajudar a mudar o futebol para sempre”, avalia o antigo craque.
Brian Clough surge intimamente ligado ao que foi a afirmação de Anderson... uma espécie de convite expresso à ribalta. “Nos anos setenta eram poucos os negros a jogar e, por isso, ir a sítios como Newcastle era difícil. Lembro-me de jogar lá e entrar no campo para o aquecimento. Todo o estádio começou a vaiar e a gritar coisas horríveis para mim, que envolviam insultos, preto isto e preto aquilo, sons variados, bananas. Não era um ambiente simpático, nem saudável. Avisei o treinador que não queria jogar, tinha 18 anos, mas Clough respondeu prontamente: ‘Coloca o teu equipamento de jogo, não podes permitir que essas pessoas te influenciem, caso contrário não serás suficientemente bom para mim, para o clube e para ti’. Isso marcou-me! A partir desse instante, dessa frase, nunca mais deixei que uma multidão influenciasse o meu rendimento no campo”, recorda o outrora defesa, que também tem nas suas introspeções e partilhas, memórias cheias de amargura traduzidas por arremessos de frutas, carregadas de uma violência atroz na mensagem que se refletia para um miúdo de 18 ou 20 anos.
“Apenas três treinadores negros”
Hoje, os negros até são maioria tantas vezes, mas não há transposição próxima para a esfera do poder. “Fizemos progressos evidentes a partir do momento em que eu, Clyde Best, Laurie Cunningham e Cyrille Regis conseguimos entrar em cena, mas ainda há muito a fazer. É indiscutível que há outras coisas a lograr. Temos apenas três treinadores negros em todas as ligas e estamos por conhecer uma administração com um papel relevante de algum negro, desde que Les Ferdinand deixou o Queen Park Rangers”, avisa Viv Anderson.
“Brian Clough mantinha-te sempre alerta”
Guiado por uma força maior, Viv Anderson atravessou todas as provações, impulsionando outras ascensões ou saídas da sombra. Brian Clough recolhe méritos pela carreira de sonho e os títulos conquistados pelo Forest. “Foi o catalisador de tudo o que conseguimos. Entrou num clube que tinha pouca expressão e, praticamente sem experiência de ganhar o que quer que fosse. Conseguiu-nos incutir uma mentalidade vencedora desde o primeiro dia”, vinca, ciente de um contributo absolutamente ímpar no sucesso coletivo e individual.
“Sem a influência de Clough nunca teria conseguido alcançar as minhas conquistas. A sua gestão foi determinante para o Nottingham e para cada um dos jogadores”, acrescenta Viv Anderson, tentando encontrar a melhor resposta que suporte a linda história do Nottingham promovido em 1977, campeão inglês em 1978 e campeão europeu em 1979 e 1980.
“Muito simplesmente foi um cruzamento entre muitos bons jogadores que estavam no momento certo e um treinador que também entrou nesse clube na hora certa. Houve talento e uma gestão que sabia que tudo era possível”, aclara, gabando o núcleo duro desse Nottingham Forest. “É importante recordar que, quando chega Clough ao clube, já encontra cinco jogadores que vieram a fazer parte de todo o sucesso: eu, Bowyer, Robertson, Woodcock e O’Neil”, evidencia, destacando ainda as singularidades do técnico que moldou a história do futebol mundial, a partir de dois trabalhos com alcances impensáveis nos vizinhos Nottingham Forest e Derby County, que fizera campeão inglês em 1971/72 -havendo uma estrada chamada “Brian Clough” que liga Derby a Nottingham.
“A chave do seu sucesso era ser um homem do treino e do comando. Era brilhante e nunca sabíamos em que ponto estávamos com ele. Mantinha-te sempre alerta, não podia haver excesso de confiança. De uma semana para outra, nunca sabias se serias selecionado para jogar na primeira equipa ou nas reservas”, sublinha, sintetizando a alma e o legado. “Ele raramente perdia a paciência. Detinha controlo absoluto, muito bom conselheiro dos jogadores e com visão do futuro”, atesta sobre Clough, conhecido por guerras viscerais com outros técnicos, como a que travou com Don Revie.