Polónia é a terra prometida: "Só os três grandes podem igualar o que se paga por cá"
Em conversa com O JOGO, Luís Rocha (Cracóvia) e Flávio Paixão (Lechia) apontam o conforto financeiro e as infraestruturas de topo como os principais motivos para um casamento de sucesso
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Escondido dos holofotes mediáticos do futebol europeu, o campeonato polaco assume-se por estes dias como a terra prometida para os jogadores portugueses. Atual 28.ª classificada do ranking da UEFA, a Ekstraklasa está abaixo de ligas como a de Chipre ou a do Azerbaijão, mas a modesta posição na tabela não impediu que se tornasse naquela que reúne mais jogadores portugueses.
Ao todo, os representantes do nosso país ascendem aos 22, número suficiente para bater os que se registam na glamorosa Premier League (20) e no principal escalão do Luxemburgo (18), país com uma enorme comunidade lusa. O ramalhete fica completo com a presença de Paulo Sousa como selecionador de um país que luta para recuperar a força das décadas de 1970 e 1980.
De Norte a Sul, os adeptos locais já não travam a língua para cantar o nome dos grandes craques das suas equipas e O JOGO contou com a ajuda de Luís Rocha (Cracóvia) e Flávio Paixão (Lechia Gdansk) para responder à pergunta que se impõe: o que é que a Polónia tem?
O ex-lateral do V. Guimarães foi rápido no gatilho. "A nível financeiro bate tudo certinho. Os clubes pagam bastante bem e não conheço casos de salários em atraso. A mensagem acaba por passar de um português para o outro e isso ajuda. Acho que até somos bastante acessíveis a nível económico para estes clubes", afirmou Luís Rocha, que chegou à Polónia em 2019 à boleia de boas informações de pioneiros do casamento luso-polaco como Flávio Paixão, contratado em 2013 pelo Slask aos iranianos do Tractor.
Este, capitão e segundo melhor marcador da história do Lechia, admitiu as dúvidas de rumar a uma liga da qual não tinha nenhuma informação. "Era um país completamente desconhecido para mim e temia, sobretudo, o frio. Agora já ninguém tem esse problema, porque o círculo de portugueses é sólido e damos sempre conselhos a quem está para chegar. Quando vim, em 2013, aquilo que mais me seduziu foi a parte financeira. Em Portugal só os três grandes estão à altura de igualar o que se paga por cá", contou Flávio Paixão, acrescentando que a reputação deixada pelos primeiros portugueses a jogar na Polónia deu conforto aos clubes para darem sequência a essa aposta. "O jogador português tem deixado uma imagem de qualidade e sucesso que convida à aposta."
Feliz em Cracóvia, uma cidade cheia de vida e do agrado da família, Luís Rocha revelou que as excelentes infraestuturas dos clubes têm o seu peso na hora de optar pela Ekstraklasa. "As pessoas não têm noção de como a Polónia é desenvolvida. As condições de trabalho são de topo e os clubes são bem estruturados. Os estádios são excelentes e os centros de estágio são de primeiro mundo. O futebol polaco está a progredir a olhos vistos e creio que a invasão lusa não vai parar por aqui", adiantou o lateral do Cracóvia. Flávio Paixão também deixou rasgados elogios às infraestruturas dos clubes polacos, revelando que o Europeu"2012, organizado a meias com a Ucrânia, foi decisivo para essa evolução: "Foi um toque a despertar para a construção de novos estádios e academias e uma porta de entrada para a modernidade."
O estranho caso do Légia
Atual bicampeão polaco, o Légia não tem protagonizado exibições dignas do seu estatuto e amarga um penúltimo lugar que tem deixado o país em choque. Os maus resultados motivaram, inclusive, um ataque dos ultras mais radicais ao autocarro da equipa de Yuri Ribeiro, André Martins, Josué e Rafa Lopes que culminou em agressões a Emreli e Luquinhas, brasileiro que passou no Vilafranquense, Benfica B e Aves.
Conhecedor da realidade e da exigência do Légia, onde jogou entre 2019 e 2021, Luís Rocha revelou que a pausa de inverno trouxe consigo um ambiente mais tranquilo.
"Falei com alguns dos portugueses que lá jogam e agora estão mais calmos, porque estavam muito assustados nos primeiros dias. Joguei no Vitória, onde também havia muita pressão, mas nunca vivi algo parecido. E eles também não", frisou o lateral do Cracóvia, que explicou as razões do insucesso do antigo clube em 2021/2022 por entre a certeza de uma recuperação na segunda metade da temporada.
"Foi uma má da estrutura, que descartou uma base bicampeã. Se falham o acesso à Champions, como foi o caso, mandam tudo embora. Fazem isso todos os anos e num deles tinha de correr mal. Em surdina já se fala da descida, mas toda a gente acha impossível. Se conseguirem mudar o chip ainda vão à Europa", disse.
Flávio Paixão é da mesma opinião do compatriota do Cracóvia: "O Légia está a passar por uma fase dura e isso não é bom para ninguém, porque temos compatriotas a passarem mal. A pausa pode servir para ganharem outra energia e motivação, porque têm bons jogadores, com os portugueses à cabeça. É uma situação incrível, mas o futebol vive-se dia a dia e não de história."
Paulo Sousa privilegiou a bola
A diáspora na Polónia não se resume aos craques do relvado, mas também à presença de Paulo Sousa no cargo de maior prestígio do país. Contratado em janeiro deste ano para comandar a seleção polaca, o português recebe nota positiva dos compatriotas, que o elogiam por estar a quebrar velhas idiossincrasias da metodologia polaca.
"O Paulo Sousa teve o mérito de colocar os restantes treinadores a olharem de forma diferente para o jogo. A velha guarda polaca gostava era de nos colocar a correr e no ginásio, mas agora já coloca muita bola no treino. Depois do fluxo de jogadores portugueses acho que o Paulo Sousa pode abrir as portas da Polónia para outros treinadores do nosso país", referiu o avançado do Lechia, enquanto Luís Rocha falou de uma "grande evolução" na seleção: "Os treinadores portugueses estão um passo à frente e deixam os polacos desconfiados. Aqui havia muito a ditadura do GPS e do trabalho físico, porque a liga joga-se muito no confronto. Nós, jogadores, já tínhamos despertado os polacos para o trabalho técnico com bola, que não é o forte deles. Com o Paulo Sousa, a seleção evoluiu muito e essa ideia ganhou ainda mais fãs."