Bashkirov, médio russo de 32 anos, formado no Zenit joga hoje nos finlandeses do VPS e fala abertamente contra a invasão da Rússia contra a Ucrânia. Não só fala como tenta radiografar uma visão mais ampla do problema.
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Muito se falou de jogadores e desportistas russos escondidos no silêncio relativamente ao tema da guerra na Ucrânia. Foi razão mesmo da ira de muitos atletas ucranianos contra velhos amigos dos campos de futebol ou outras lides desportivas. Uma situação muito questionada, sabendo-se que a palavra de um jogador globalmente conhecido corre mais depressa que qualquer voz comum, sinalizando um alerta mais vigoroso.
Falou-se do medo de represálias, do conforto pouco ético ou até mesmo da cumplicidade com as ideias da política russa. Não foram muitos, realmente, a opinar e a declarar uma visão contrária a Putin, a colocar a palavra guerra no espaço público. Na conversa com Evgeni Bashkirov, médio hoje com 32 anos, formado no Zenit e com carreira feita na Polónia e Finlândia desde que rebentou o infame confronto bélico em solo ucraniano, cada resposta foi uma surpresa, muito mais pelos argumentos expostos numa narrativa ousada, do que pelo posicionamento, naturalmente também ele arejado. O contexto das relações entre jogadores russos e ucranianos foi logo atirado como primeiro tópico.
"É claro que a invasão russa mudou e, provavelmente, destruiu as nossas relações durante anos. Só posso rezar para que acabe o mais rápido possível, esperando que não fiquemos totalmente desconectados" sublinha o médio, pronunciando-se sobre os efeitos da propaganda do regime de Putin.
"Na Rússia as pessoas gostam de dizer que nem tudo é tão claro. É uma frase regularmente usada para evitar pensar em algo genuinamente importante. Já chega de nos escondermos atrás dessa fase, pois há uma lista de atos que podem ser julgados de forma bastante simples. Não é só pelas consequências que a guerra trouxe, é apenas porque não devia ter sido iniciada. Foi um ato inaceitável, desencadeador um conflito com um pais próximo. Esse foi o passo errado", explica.
"O segundo passo é que temos de superar o medo e é nisso que a comunidade europeia podia ajudar o cidadão comum da Rússia. Refiro-me ao caminho da cooperação, da gentileza e do apoio a quem tem força e coragem para mostrar a sua voz", argumenta Bashkirov, lapidar no desenho de um povo amordaçado.
"Num país onde o Estado controla cada palmo de terra e cada canto, a vida torna-se um andar descalço sobre brasas", relata o médio russo do VPS da Finlândia, tendo deixado o Rubin Kazan para atuar pelo Zaglebie Lubin, da Polónia. Jogara também no Tom Tomsk e Krylya Sovetov.
"Não devemos pensar que o que está a acontecer na Rússia se relaciona só com os seus próprios problemas. Gostaria muito que as ideias fossem mais barulhentas que as bombas, isso exige mais solidariedade de todos nós", exorta Bashkirov, entendendo o quadro de múltiplas sanções que isolaram a Rússia.
"As sanções devem funcionar adequadamente, as pessoas devem ouvir-se umas às outras, a guerra deve parar", resume o médio, que sentiu na pele o divórcio global só por ter um bilhete de cidadão russo, quando em nada alinhava com as políticas de Putin e seus pares.
"Não é fácil comentar as políticas de vistos e de migração na União Europeia. Estou bem ciente da indignação pública e do tipo de reação que os cidadãos russos podem provocar. Deixo apenas uma observação: um dos objetivos ocultos da guerra na Ucrânia era mostrar aos russos o quanto são odiados nos países europeus. Cada restrição imposta a cidadãos russos deve ser vista como uma vitória da propaganda de Putin", lamenta.
"Assistimos, no geral, a um desastre geopolítico provocado pelo estado e povo russo, que decidiram que os seres humanos são um instrumento. Mas acho que somente, juntos, podemos resolver isto. Ninguém se pode esquecer do real valor de um ser humano", alerta Bashkirov, resumindo o alívio de jogar na Finlândia.
"Estou muito feliz que meu clube tenha visto a minha personalidade, dando-me a oportunidade de ser profissional e ser uma pessoa comunicativa. Espero que a minha aventura na Europa tenha apenas começado", denota.
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