Van Basten, antigo avançado de classe mundial, lançou a autobiografia "Basta". Uma viagem pelo tempo, das alturas aos infernos.
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Entre os anos 1980/90, Van Basten era provavelmente o melhor ponta de lança do mundo. Jogava no Milan, provavelmente a melhor equipa do mundo. Era internacional holandês, campeão europeu em 1988, tendo anotado na final frente à URSS aquele que é provavelmente dos golos mais impossíveis de sempre. Mas uma lesão grave no tornozelo direito e três operações depois derrubaram o herói dos Países Baixos, terminando-lhe a carreira aos 28 anos e deixando-o afogado num mar de agonia. Por esta altura, as dores no tornozelo eram atrozes a ponto de fazer com que Van Basten tivesse de ir de gatas da cama até à casa de banho. Voltou a andar, mas psicologicamente tardaria muito mais a levantar-se. Por dentro, o antigo craque ainda tem resíduos dessa tristeza.
É assim, a contar este gatinhar, que Marco Van Basten começa por narrar a sua viagem, das alturas aos infernos, na sua autobiografia "Basta", publicada na passada semana.
Revelado pelo Ajax onde pontificava um regressado Johan Cruyff, Van Basten era um valor seguro. Tinha tudo: agilidade, velocidade, técnica, elegância e uma inesgotável capacidade multifacetada de atirar para golo. Depois de conquistar Amesterdão, seguiu para Itália, onde foi figura de proa do Milan inesquecível dos três holandeses: Van Basten, Gullit e Rijkaard. Pela Holanda, devolveu mecânica à laranja de Michels e deu-lhe o título de campeão europeu, acabando com o rótulo de "bonitos perdedores" atribuído aos neerlandeses. Era tudo dele. 19 títulos coletivos e 17 títulos individuais ajudam a explicar porquê. Mas as lesões levaram a melhor e ceifaram a meio uma carreira ainda assim estupenda.
"Eu não fazia nada sem dor", escreve a páginas tantas Van Basten, depois de lembrar o rapaz fulgurante de Utrecht que foi e a figura discreta que hoje prefere ser. Agregada à dor física, a depressão apoderou-se do espírito do antigo avançado, que se perdeu num limbo de confusão e autocomiseração. Depois de uma operação arriscada, conseguiu finalmente terminar com o processo doloroso e tentar encarar a vida normal, com o futebol por perto.
"Eu não sou um bom treinador", confessa Van Basten, que ao voltar ao ativo após anos de escuridão chegou a ser selecionador da Holanda, comandando ainda o Ajax o Heerenveen, optando depois pela sombra - tornou-se técnico-auxiliar. A causa? A outra dor: a das derrotas. Lidar com a falta de vitórias passou a ser o inimigo principal do antigo super-herói do golo. Após cada derrota, era uma companhia insuportável para jogadores, adjuntos, amigos e familiares. Até que passou a ser uma companhia insuportável para si mesmo. Era tempo de mudar. De ser finalmente positivo. De sair de todo.
"Eu precisava viver a vida porque o futebol faz mal à saúde", admite Van Basten a meio do livro. Dedicou-se à esposa, aos filhos, aos netos, tornou-se comentador desportivo, mas fez mais. Foi lá atrás, reconciliar-se com o passado, principalmente com o seu mestre, o seu herói: Cruyff, então já doente com o cancro que o iria vitimar. Tinham-se desentendido quando se reencontraram no Ajax, onde as ideias de ambos para ao futuro do clube chocaram de tal forma que a relação tornou-se sulfúrica. A tempo, Van Basten foi a Barcelona fazer as pazes e abraçou pela última vez o seu ídolo.
"Eu já não sinto dores", escrever o antigo avançado-centro de 56 anos. Já não pode jogar futebol nem ténis, diz-se grato por ainda poder jogar squash, diz que teve sorte por viver 10 anos de "uma linda experiência no futebol".
O futebol também teve essa sorte.
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