ENTREVISTA - Abre o coração sobre as emoções no Celta, onde a passagem foi curta, mas intensa: salvou a equipa contra o Barça e seguiu-se desencontro com a Direção. Carlos Carvalhal garante que Luís Campos, homem forte do futebol do Celta, ficou sempre do seu lado, e que a saída foi feita sem atritos, justificando-a pelo divórcio de ideias para o futuro.
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Carlos Carvalhal treinou o Celta alguns meses, foi idolatrado pelos adeptos e projetado como homem de longo alcance no clube. Munido de vários convites, vai-se inclinando para um ano sabático.
Ao aceitar este convite, idealizava aventura longa?
-Fui contratado com o Celta de pés na água, no limite de uma descida. Foi-me proposto salvar a equipa em ano de centenário. Aceitei, com o estímulo de ter crescido a ver jogos nos Balaídos. Havia esse lado emocional e conseguimos os objetivos. Faltava entender a satisfação de todas as partes. Tive o apoio da massa associativa, dos jogadores também, mas houve divergências, ou ideias diferentes, e concluímos que era melhor terminar. Gostava de ter tido outros instrumentos para fazer evoluir o plantel. Saio do Celta com emoções acentuadas sobre o clube. Agradeço ao presidente e ao Luís Campos a oportunidade de treinar numa das ligas mais importantes.
Mas houve ali uns resultados que sugeriam uma continuidade, certo?
-Penso sempre a curto prazo, logicamente procurando projetar jovens que são o futuro dos clubes. É um pensar no futuro a viver o presente. Era um contexto complicado, uma equipa descrente, jogadores em baixo. Havia uma série negativa para quebrar. O plantel não era extenso e, mesmo quando os resultados eram bons, sabíamos que as coisas podiam mudar, certas baixas podiam criar entropias nas nossas dinâmicas. Tivemos onze jogos em que só fomos superados por Barcelona e Real Sociedad. Estamos muito orgulhosos pelo trabalho realizado e pelo futebol praticado nesse melhor período, o que permitiu valorizar muitos jogadores, como o Gabri Veiga. Cumprimos objetivos, mais uma vez, e foi deixada porta aberta para o futuro.
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Existiram várias fases no Celta, foi tipo montanha-russa de sensações?
-É uma liga dura, há uma grande qualidade dos treinadores, uma tremenda organização das equipas e uma qualidade individual fortíssima em todas. Os pontos em Espanha são muito caros, difíceis de ganhar. Houve percalços, mas o espectro da descida só o sentimos na última semana. Sem relaxar, andámos, por norma, tranquilos. Foram emoções próprias de um campeonato.
A relação com o Luís Campos saiu beliscada?
-Em todas as relações, há um esgrimir de argumentos e deu-se um divórcio. Faltou uma comunhão de ideias num conjunto alargado de situações. Sem atritos, com um aperto de mão. Fui uma escolha do Luís, que na função dele é um dos melhores do mundo. Esteve sempre do meu lado, gostaria que eu continuasse. Fica a certeza de que podemos trabalhar juntos noutros projetos. Vivi uma experiência numa liga incrível e uma envolvência muito forte no Celta.
Celebrar a permanência, tão suada, contra o Barcelona, foi especial?
-É o tipo de jogo que pago para viver essas emoções. Vi um grande amor clubístico, manifestações desde que saímos do hotel até à chegada ao estádio, foi impressionante a multidão que nos acompanhou. Empurraram-nos para vencer esse jogo, que era muito perigoso, mesmo quando se acha que um campeão pode relaxar. No final foi um extravasar, mais parecia que o Celta tinha sido campeão pela forma como a festa se desenrolou. Aquilo que vi faz-me ser Celta para sempre.
Fica em aberto novos capítulos em Espanha?
-Ficou mais do que aberta a La Liga. Já fomos convidados, existiram conversações, mas, para já, sem acordo. Pela procura, pela busca, a possibilidade de treinarmos em Espanha é muito forte, muito possível, e também do nosso agrado. Nesta fase estamos mais inclinados para um ano sabático a não ser que surja algo extraordinário.
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"A nossa marca é emocional"
Uma relação de proximidade rendeu uma ligação emocional ao Celta e os adeptos corresponderam sempre.
Tem noção do que foi a sua popularidade em Vigo?
-Por defesa, sou um pouco autista. As únicas opiniões que me importam são aquelas libertadas na emoção do estádio. Quem fala nas redes, muitas vezes, nem ao estádio vai. A verdade é que do primeiro ao último minuto senti um apoio fantástico. Não ouvi um único insulto. Passava pelo meio dos adeptos e sempre me deram força, pediam autógrafos ou uma fotografia.
Que cunho forte fica do seu trabalho além-fronteiras?
-Há uma marca muito portuguesa, emocional, que resulta na facilidade de deixarmos portas abertas. Com mais ou menos sucesso, as pessoas gostam do nosso trabalho. Existiu uma parte comunicacional forte em Inglaterra e vitórias importantes. No Celta, haverá esse triunfo sobre o Barcelona. É um percurso onde há uma impressão digital de futebol positivo, de ataque. Há um mercado aberto para nós em Inglaterra e Espanha, mas, no final, o que conta, à parte de muitos outros méritos, é o que se ganha. Uma Taça de Portugal ganha em Braga e uma Taça da Liga, pelo Vitória de Setúbal.
A euforia nos Balaídos também foi portuguesa?
-Vieram muitos amigos, é verdade! Senti um crescimento de adeptos portugueses, muitas bandeiras nossas eram visíveis. Atrás de mim, parecia que eram todos portugueses, talvez porque os que estavam sentiam necessidade de se exprimir. Foi impactante.
E o que dizer do trabalho com Gonçalo Paciência?
-Estou em débito, merecia muito mais pela excelente personalidade e qualidade. Passou por limitações físicas mas subiu a um nível alto. Não o consegui fazer jogar mais pelas dinâmicas da equipa.
Fala-se de uma venda milionária de Gabri Veiga...
-Era um ponta-de-lança que vinha sendo médio ofensivo. A nossa proposta foi que fosse segundo médio. Subiu de nível, potente e forte, com chegada à área. Teve golos e assistências. Disse-lhe "se jogares como médio ofensivo vais ser excelente, se fores segundo médio com golo serás uma raridade mundial".
E Aspas, estatuto de lenda?
-Izmailov e Horta eram os melhores que tinha treinado mas coloco Aspas acima. É muito inteligente, entende o jogo. É um orgulho ter ajudado um jogador de 34 anos a regressar à La Roja.