ENTREVISTA, PARTE II - As visões sobre muitos atletas valorizados nos anos mais recentes, sendo o líbio um expoente, tal como Galeno, Vitinha ou David Carmo. Carlos Carvalhal analisa as valias na sua visão de jogo a partir de uma introspeção feita antes do Rio Ave. Aborda ainda jogadores transformados, como Nuno Santos, Matheus Reis, Al Musrati e Galeno.
Corpo do artigo
Pode levantar o véu das transformações, a partir do Rio Ave?
-No fundo, foram reposicionamentos. Posso falar do Nuno Santos, recebi-o com indicação interna de que jogava preferencialmente pela direita em 4X3X3 e vinha para dentro para fazer golos. Fizemos proposta para jogar na esquerda, onde joga hoje. Tornou-se um esquerdino com golo, cruzamento, atitude no trabalho e defensivamente melhorou bastante. Veja-se Matheus Reis: atacava muito e defendia mal. Foi-lhe pedido que jogasse numa linha de três como central do lado esquerdo, onde joga. Acrescentou algo à equipa, melhorou muito defensivamente, foi uma transformação brutal. Criaram-se dinâmicas para ele chegar com facilidade ao último terço. O perigo, no Rio Ave, vinha destas incursões. Tínhamos uma variabilidade balizada pelo jogo, pelos espaços e características dos jogadores.
Como tem tentado refrescar o treino?
-Temos como dado adquirido que situações fechadas de treino deixam os jogadores mais tolhidos na criatividade. Perante situações abertas, o jogador adquire respostas do que podemos preconizar para o jogo. O timing de fazer as coisas é decisivo, pertence ao jogador, ele será mais eficaz se colocado em cenários com dificuldades. O jogo não é controlável, é aberto ao caos. É preciso determinismo, agir em conformidade com o que o treinador apresentou. É induzir o jogador a ir e não obrigar a fazer. A ideia é não bloquearem, olharem uns para os outros e não perderem a posição.
A ditadura das estatísticas não o tem como aliado?
-As estatísticas são importantes, mas não dominadoras em relação ao próprio jogo. Os números são evidências, agarram-se a eles muitos que desconhecem as coisas. O jogo são emoções e decisões. Há uma linha de manada na continuidade e há as exceções, que pensam diferente, que vão pelo lado estético.
É Al Musrati o seu colosso?
-O Al Musrati... Convenço o presidente do Rio Ave a contratá-lo porque tinha visto a sua qualidade no Vitória, nas eliminatórias da UEFA. Ele faz meio ano muito bom, fica livre e ninguém o contrata. Não estava nos planos do Braga, mas o presidente confiou em mim. Subiu de nível em termos individuais e coletivos, foi sempre a evoluir e tem mais um patamar a ascender. Se sair do Braga, que vá para um grande clube, sei que vai conseguir acompanhar esse salto. É um jogador fantástico, gostei dele desde o primeiro dia.
Vitinha dá a volta?
-Foi aposta nossa, correspondeu com golos e foi alternando com Abel Ruiz, o que não era do agrado dos dois. Percebeu-se que ia proporcionar um bom encaixe . Não se pode esquecer das origens e da capacidade de trabalho. Se ele perde isso, cai de nível. Não foram fáceis os primeiros tempos em Marselha, mas não pode deixar de ser o rapaz que é: lutador.
E David Carmo, recupera autoestima no FC Porto?
-Reconheço que não é fácil acompanhar a exigência do Sérgio [Conceição], e há aspetos fundamentais que ele quer num central que o Carmo tem de evoluir, saber quando deve ou não ser agressivo. Espero que possa provar que é um excelente central.
E a evolução de Galeno deixa-o maravilhado?
-É notável na recuperação de jogo para jogo. Dentro do nosso padrão, não era de dinâmicas, era de interpretação do que tinha de fazer, acelerar o jogo. Fora isso, evoluiu muito na transição defensiva e reação à perda. Teve grandes desempenhos defensivos, respondia de forma brilhante. Fico muito contente pela evolução que continuou a ter e muito satisfeito por ter apanhado um treinador que ainda exigiu mais dele. Já mostra que está ao nível da Champions.
"As equipas de classe média são esmagadas"
Carvalhal gosta de dosear o açúcar da globalidade ao falar de futebol. Sobre o nível da Liga, onde poucas equipas roubam pontos a quem luta pelo título: "Temos, na sociedade, uma discrepância mais acentuada entre a classe média e a alta. As equipas vivem quase todas na classe média, são esmagadas!". Carvalhal aborda outro debate e reclama visões que fujam ao eixo dominante. "Diz-se que só os malucos chegam criativos ao futebol sénior. E têm mesmo "pancada", porque não quiseram saber de muitas coisas. Não se deixaram amarrar. Personalidade de maluco! E quantos, não malucos, ficaram para trás?" Carvalhal é, por regra, astuto a sacudir a pressão do resultado. "Quem tiver a capacidade de abrandar ou meter um travão, vai estar mais atento, quem for com pressa vai esbarrar nas paredes".