"Arábia Saudita? Assistimos a isto há alguns anos quando a China quis marcar presença..."
Treinador luso do Crown Legacy FC conduz O JOGO numa viagem pelo futebol dos EUA e o "boom" que terá com Lionel Messi, reforço do Inter Miami
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Desenvolvimento do talento e catapultá-lo para a equipa principal é o grande objetivo de José Tavares, que abraçou o sonho americano de elevar o nível da MLS. Investimento saudita não assusta os responsáveis de um campeonato que tem um plano de crescimento sustentado.
Forte investimento árabe tem recrutado estrelas em catadupa, mas José Tavares lembra que a China fez o mesmo e depois perdeu gás. Na MLS, o objetivo passa por um crescimento sustentado e sem loucuras.
Como têm sido os primeiros meses nos Estados Unidos?
-Quando cheguei foi com o intuito de conhecer o clube por dentro, as pessoas, a academia e tomar uma série de decisões para a época que ia começar só em março. Esse tempo foi fundamental para conhecer a cultura desportiva dos Estados Unidos, onde existe mais talento, quais os problemas e as coisas positivas, como funciona o sistema das faculdades por causa do draft. Tivemos uma época piloto, em que fizemos uma série de jogos amigáveis contra equipas mais velhas, em que se tentou simular muito do que ia ser esta época, embora sem os jogadores que íamos ter. Ou seja, foi mais para o clube aprender, para me adaptar às viagens, os jogadores perceberem a exigência que queria todos os dias. A época oficial de treinos da equipa A começou na primeira semana de janeiro e nós na última. Depois, passado seis semanas, a época começou a 26 de março.
O Charlotte FC recrutou o Nuno Santos e o Iuri Tavares no futebol português. É um mercado a explorar mais?
-Tínhamos mercados-alvo mundiais. O primeiro é o doméstico, até porque há uma limitação de jogadores internacionais nas equipas, e depois olhamos para fora para ver onde é que poderíamos atrair talento parta cá. E Portugal é claramente um dos melhores países do Mundo a desenvolver talento. Na Europa olhamos fundamentalmente para Portugal, por conhecer muito bem a realidade, mas olhamos para o Brasil, Argentina, México e África. Olhamos para nichos em que acreditamos que existe talento e capacidade para o atrair. Essa foi uma das dificuldades, que acredito que com o tempo vai começar a melhorar. As crenças associadas aos EUA no futebol ou à MLS ainda não são as mais positivas em comparação com a Europa.
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Já teve a possibilidade de ver as coisas de ângulos diferentes. Por que razão isso acontece?
-Há um desconhecimento do público em geral do que é feito cá. As pessoas leem os títulos e não têm conhecimento de causa. A MLS, nos últimos anos, já tem vendido jogadores para a Europa. O Almiron foi vendido por 24 milhões de euros, por exemplo. Existe uma série de jogadores muito valiosos, entre os quais campeões do Mundo, como o Thiago Almada, que é um jogador de referência na liga. Existe talento e equipas muito apetrechadas. No entanto, fruto das regras da liga, como o teto salarial, não permite que o nível médio cresça de forma desmesurada. As coisas são feitas com calma e de forma sustentada. A Apple TV vem dar um "boom" enorme. A Arábia agora está a ter muitos ao mesmo tempo, mas aqui não se pensa assim. O crescimento é feito de forma regulada.
Em que medida é que a mudança de Messi e de Busquets para o Inter Miami ajudará a captar mais talento para a MLS e a desmistificar essas ideias?
- Isto vem provar que os Estados Unidos são atrativos para se viver e para se jogar. O Messi vai querer continuar a competir para se preparar para o Mundial, que está aí daqui a pouco. Acredito que ele o vai querer jogar. Mas o Insigne e o Bernardeschi [Toronto FC] vieram em idade de renderem. O Riqui Puig [LA Galaxy] veio novíssimo. Tendo em conta a qualidade de vida, a competitividade da Liga, as boas instalações, o crescimento do nível médio e a existência de cada vez mais bons treinadores, depois é só uma questão de escolherem o que acham melhor. Vindo para cá o Messi, vai colocar mais gente a ver. Todos os clubes que já têm datas marcadas para jogar contra a equipa dele [Inter Miami] já tiveram procura de bilhetes, porque todos o vão querer ver. Como alguns já não podem ser vendidos, há outras pessoas a comprarem lugares anuais para poderem estar naquele jogo. O mercado já está a gerar mais dinheiro e isso vai gerar mais receita, mais atratividade, mas capacidade para atrair novo talento, porque há mais visibilidade.
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O aparecimento em força da Arábia Saudita não acabará por desviar estas estrelas dos EUA?
-Assistimos a isto há alguns anos quando a China quis marcar presença no futebol mundial e, fruto de um investimento governamental, atraiu muitos bons treinadores e jogadores. A liga cresceu e toda a gente falou da China. A Arábia Saudita está a fazer isso também com dinheiro governamental, mas os EUA vão continuar a ser muito atrativos pela qualidade de vida, pela qualidade de competição, porque os estádios são obras de arte. O Charlotte FC teve uma média de assistências por jogo entre as 30 e as 40 mil pessoas, o que é assinalável. Hoje em dia, já existe paixão, os adeptos vibram com o jogo. Quando as equipas não ganham, já existe maior pressão dos adeptos para que tenham bons jogadores. Este efeito bola de neve convida a que tudo seja melhor.