Antigo treinador do Vitória orientou a equipa chinesa do Hubei Chufeng Heli nos últimos dois anos. Luso-brasileiro, que em breve estará em Portugal, em busca de novo desafio, partilhou a vivência da pandemia no país asiático e epicentro viral
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O treinador de futebol Luiz Felipe diz que a vida em Wuhan segue "normal", mesmo com regras como o uso de máscara, um ano depois de o coronavírus responsável pela pandemia de covid-19 ter aparecido na cidade chinesa.
"Faço o que eu quiser. Se tiver de ir a um restaurante, vou. Se tiver de ir a um "shopping', vou. Se tiver de ir todo o lado, vou, desde que siga as regras. A vida, dentro do que é a pandemia, está normal", descreve à Lusa.
Repatriado para Portugal no início de fevereiro, juntamente com outros 19 cidadãos lusos que viviam na cidade, então em confinamento devido ao surto viral, o técnico, de 55 anos, regressou à China no final de julho para retomar o trabalho no Hubei Chufeng Heli, equipa do terceiro escalão chinês.
Quando regressou à Ásia, Luiz Felipe realizou vários "testes" ao novo coronavírus no aeroporto e foi "diretamente" transportado para um hotel onde esteve duas semanas de quarentena, recebendo três refeições diárias sem sair do quarto.
No regresso à nona cidade mais populosa da China, com cerca de 11 milhões de habitantes, o treinador luso-brasileiro encontrou a "situação completamente controlada", até porque o país continua a impor regras como o uso de máscara em espaço público e a instalação de uma aplicação no telemóvel para se controlar a entrada de pessoas em superfícies comerciais.
"Temos de ter o "código verde', que é uma aplicação no telemóvel. A qualquer lugar que vamos, principalmente "shoppings' e grandes superfícies, medem-nos a temperatura e temos de mostrar essa aplicação. Se a aplicação está verde, entra-se. Se não estiver, não se entra", explica.
Luiz Felipe elogia assim a capacidade das autoridades locais e da população para impedirem o aparecimento de uma segunda vaga num país que, segundo a Comissão de Saúde da China, mantém os 4.634 óbitos desde maio, entre um total de 86.976 pessoas infetadas desde o início da pandemia.
"Mal há casos, fazem logo testes e tiram as pessoas de circulação, até elas estarem outra vez em condições. Às vezes, até me surpreendem. Algumas pessoas que trabalham connosco dizem-nos para termos cuidado por surgirem casos numa cidade próxima. Mas essa cidade está na província de Sichuan, a 900 quilómetros daqui. E os casos são três ou quatro. Mas elas alarmam-se", conta.
O técnico diz ainda que, na China, têm encarado o novo coronavírus como uma "guerra", ao passo que, na Europa, há um enfoque nas "preocupações com a liberdade", e confessa ter sentido mais os efeitos da pandemia entre março e julho, período em que esteve em Guimarães, cidade em que reside quando volta a Portugal.
"Senti aquela sensação de que podemos ficar contagiados. Começámos a ter pessoas amigas, familiares, pessoas próximas a nós que começaram a contrair o vírus. Portanto, começámos a achar que o vírus estava perto", recorda.
O "zelo" chinês para com a pandemia de covid-19 estendeu-se ao futebol, já que, em vez de realizarem jogos em casa e fora, as equipas do terceiro escalão concentraram-se em Kunming, cidade no sul do país, para realizarem o campeonato de 2020.
"Estivemos num lugar que tinha três hotéis e vários campos de futebol. Estivemos lá confinados 40 dias. Estivemos lá cinco semanas e fomos testados cinco vezes. Se alguma equipa chegasse à competição com algum caso [de infeção], não poderia entrar dentro do centro de estágio", lembra.
As 21 equipas participantes chegaram a esse espaço "enclausurado" no final de setembro e disputaram o campeonato até ao final de novembro, com o Hubei Chufeng Heli a alcançar o terceiro lugar numa das duas séries e a aproximar-se da "luta pela fase de subida de divisão", quando era "não descer", afirma o treinador.
Após dois anos em Wuhan, Luiz Felipe está prestes a regressar a Portugal, juntamente com os outros elementos lusos da equipa técnica, porque o clube vai-se fundir com uma academia de futebol na próxima época.
"O contrato acabou e não vamos continuar. Fizemos um campeonato muito acima do esperado. Mas o clube acabou. No seu lugar, vai entrar uma fusão dessa academia com o clube", detalha o técnico que, ao longo da carreira, também já representou Vitória de Guimarães e clubes da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos.