O eventual regresso de Iker Casillas, guarda-redes do FC Porto, à seleção da Espanha é motivo de noticiário continuado, não só no país vizinho, como no mundo do futebol. As suas boas exibições e os números que consegue em Portugal, associados às fracas prestações de "La Roja" e alguma desconfiança na forma de De Gea, habitual titular, obrigam o selecionador Luis Enrique a uma ponderação competitiva, carregada de política e até de alguma psicologia de grupo.
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O pensador e escritor Albert Camus dizia que não se podia criar experiência, que era preciso passar por ela. São palavras que surgem a propósito das argumentações que escancaram portas ao regresso de Iker Casillas à seleção espanhola. Mas será mesmo assim? Parece unânime, em Espanha, que o selecionador Luis Enrique precisa de um par de veteranos numa seleção que pretende marcar pela renovação. Mas, quanto pesa Casillas nessa equação?
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A categoria de um guarda-redes não se mede apenas pelo número ou qualidade das defesas que protagoniza. Mais além do que a estatística, cujas somas nem sempre refletem a realidade, há um fator que tem mais de humano do que de ciência. Chamemos-lhe instinto, mesmo sabendo que o Homem o perde mal executa o seu primeiro raciocínio.
No espaço mediático, no mundo da pressão ou despressurização popular de uma qualquer decisão, o regresso de Iker à seleção espanhola tem sido assunto do dia
Ter nas nossas costas alguém que inspira confiança - pelo menos até deixar de o fazer - é um dos pilares do sucesso de qualquer embate, confronto ou jogo. É o momento das decisões "instintivas", uma contradição conceptual, mas a mais correta metáfora para uma realidade que as tais métricas nunca concluem. E a realidade é que De Gea, sem estar em desgraça, não está na melhor das formas, não está sob a confiança total dos seus pares e não tem concorrência no grupo que o espicace. Sendo que o confronto entre forças idênticas, no futebol ou na guerra, ganha-se nos detalhes. Que o digam os estrategas militares desde sempre, que o digam os treinadores de futebol desde que este começou a ser pensado.
É por isso que, no futebol, os tais dez metros de terreno que um bloco defensivo ganha quando reconhece ter nas suas costas um guarda-redes que sabe bem como a bola pincha podem estar nas cogitações de Luís Henrique para um eventual regresso de Casillas a "La Roja". Dez metros que são essenciais a todas as mecânicas de uma equipa com as ambições da Espanha.
No espaço mediático, no mundo da pressão ou despressurização popular de uma qualquer decisão - e nisto de futebóis sabemos bem dessa importância - o regresso de Iker à seleção espanhola tem sido assunto do dia e as tendências são de aprovação popular. Mas quando a "munição" de tal vontade sai de um dos responsáveis pelos destinos da seleção... E são paradigmáticas, nesse sentido, as palavras de José Molina, diretor técnico de "La Roja", hoje tornadas públicas: "Fico encantado por ver que os jogadores querem vir à seleção e se amanhã o selecionador decidir que quer convocar Casillas vamos apoiá-lo. Ficaríamos encantados por recebê-lo novamente", disse o dirigente à rádio Marca.
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De Gea, guardião do Manchester United tem sido o titular desde o Euro2016, com Del Bosque aos comandos. Mas tem sido alvo da crítica especializada e, mais do que os resultados pouco positivos do combinado "hermano", que são fruto de uma equipa e não de apenas um jogador", Luis Enrique está a ponderar equilibrar a equipa. Não é difícil acreditar que poderá estar necessitado desses 10 metros que Casillas garante a mais do que De Gea, neste momento.
De Gea tem 28 anos, menos nove do que Casillas. Casillas tem mais 10 metros do que De Gea. Este é o dilema de Luis Enrique, que carrega nos ombros a necessidade de manter a revolução (renovação) da seleção, mas que, para o fazer com sucesso, há que contar com alguns jogadores experientes.
Talvez não seja tanta coincidência assim, mas há um certo cheirinho a conspiração quando a Marca, o diário desportivo mais poderoso de Espanha, lança, há 24 horas, um passatempo online intitulado "Os melhores guarda-redes do Mundo", em que nele também consta o "portero" do Manchester United e titular da seleção, entre os 16 em disputa, todos no ativo.
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Mas substituir um guarda-redes não é a mesma coisa que trocar um defesa, um médio ou um avançado. O atual guarda-redes do FC Porto, depois de ter provado que não veio para a Invicta gozar uma reforma antecipada, mostra-se em forma e continua a jogar ao mais alto nível competitivo. O que é um trunfo para um selecionador que se sente obrigado a arriscar.
Por seu lado, Casillas tem gerido com muita diplomacia o que parece ser uma evidência: a sua disposição em regressar ao combinado espanhol, do qual foi excluído quando Lopetegui entrou, logo a seguir ao Europeu2016, feito todo ele como suplente.
Casillas já disse várias vezes, nos últimos três anos, que não se tinha posto de fora da seleção, mas sempre sem qualquer indignação pela sua exclusão. Neste momento, se fossemos só pelo poder das redes sociais, Casillas seria o titular, mas isso é apenas a emoção popular com voz ativa. E todos sabemos que se não houver alguma estrutura séria por detrás das vontades, cai-se num populismo que já nem ao futebol interessa.
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Próximos episódios... já hoje
Jorge Valdano entrevistou Caslilas na passada semana no Dragão. Hoje, no programa Universo Valdano, às 21h30 portuguesas, Iker Casillas explicará as palavras que troaram no mundo, em forma de promoção da conversa entre ambos: "Se me chamassem do Real Madrid ou da seleção, voltava encantado". Se no primeiro caso, está subjacente um certo futuro como dirigente, no segundo já estará implícita a gestão do processo de uma eventual chamada de Casillas à próxima convocatória da Espanha, já a apontar (preparação) ou a contar para o apuramento do Europeu2020.
Poucos acreditam no acaso destas movimentações daquele que foi três vezes campeão do Mundo, outras tantas vencedor da Liga dos Campeões, seis vezes campeão em Espanha e uma em Portugal. Como ninguém, Casillas gere com mestria os seus momentos mediáticos. E se o próprio se considera apto, acredita-se que não é por ambição desmedida.
Luis Enrique é o dono da decisão: chamar Casillas e dar-lhe ou não a titularidade. É verdade que o guarda-redes espanhol afirmou, em janeiro de 2017, que não estaria disposto a regressar à seleção para ser suplente (recorde-o aqui). Mas, desde então, sob a batuta de Sérgio Conceição no FC Porto, passou umas semanitas no banco dos dragões e não parece ter-lhe feito nenhum mal. Pelo contrário, como se percebe pela forma competitiva que ostenta nos dias que correm.