Há anos que a eurodeputada Ana Gomes alerta para a promiscuidade entre os dois mundos. De jantares a processos judiciais, não faltam ligações que o politólogo António Costa Pinto, ouvido por O JOGO, vê como "perigosas". E os casos que hoje recordamos são muitos e recentes.
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O processo que o Benfica moveu contra Ana Gomes, na sequência das suas declarações sobre Luís Filipe Vieira, é mais um exemplo que relaciona política e futebol. No entanto, este caso difere do habitual entre dois mundos férteis em polémica, que muitas vezes se misturam para lá daquilo que seria razoável.
Ana Gomes voltou a apontar a mira à indústria do futebol, num cariz contrário a uma tendência instalada e sem fim à vista.
Desde o início da carreira de eurodeputada, em 2004 (nessa altura com um percurso político já longo), que a socialista alerta para a promiscuidade e esquemas ilícitos à volta do futebol, convicção que viu reforçada pelo Football Leaks.
"Ana Gomes tem-se afirmado na vida política portuguesa e europeia como uma paladina da transparência, da luta anticorrupção e promiscuidade entre política e grupos de interesses. É um traço da sua ação política", enquadra António Costa Pinto, investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, que ficou surpreendido com o contacto inédito de um jornal desportivo.
O secretário de Estado Jorge Costa Oliveira (Internacionalização), Fernando Rocha Andrade (Assuntos Fiscais) e João Vasconcelos (Indústria), falecido a 26 de março, são arguidos no Caso Galp.
A ligação do futebol à política, além de usual, pode ser tão "perigosa como a da política aos grupos de interesse", defende o politólogo. "O futebol, como grande atração mediática, é uma tentação para a classe política. Veja-se a relação entre políticos e grandes grupos desportivos, a presença nos estádios ou a tentativa de associar grandes figuras do desporto em campanhas eleitorais", argumenta António Costa Pinto, lembrando que "os grandes clubes são empresas, têm um valor económico muito significativo e enorme impacto junto da opinião pública que, por vezes, vota".
De facto, num espetro bem diferente de Ana Gomes ou até de Pacheco Pereira, que vê o futebol como "uma das máfias nacionais", não faltam políticos no papel de comentadores desportivos afetos a um clube. Só o CDS/PP tem quatro - Diogo Feio, Telmo Correia, Nuno Magalhães (ocasional) e Hélder Amaral - num registo que, de acordo com o jornal "Público", terá provocado incómodo em alguns membros do partido. Telmo Correia desvalorizou, mas admitiu que "no dia da apresentação do Orçamento de Estado só se falava se o treinador do Benfica [Rui Vitória] saía".
"A relação da política com o futebol é tão perigosa como a ligação aos grupos de interesse. É exemplo poderoso".
"Esses programas têm um impacto muito significativo na opinião pública e um político comentador desportivo aumenta muito a sua visibilidade", diz o investigador. Se a posição de adepto é "relativamente natural", a par, por exemplo, dos jantares dos deputados da Assembleia da República com a presidência do clube que apoiam, casos como os comentários nas redes sociais do eurodeputado Manuel dos Santos dirigidos a Sérgio Conceição deixaram-no debaixo de fogo. "Complexado", "grunho" e "aldrabão compulsivo", foram algumas das ofensas.
Mais grave ainda é quando a ligação entre estes dois mundos obriga as autoridades a intervir, como no Caso Galp: três secretários de Estado foram constituídos arguidos depois de a Galp lhes ter pago viagens, refeições e bilhetes para jogos da Seleção Nacional no Euro"2016. Estão em causa suspeitas de recebimento indevido de vantagem.
"Este é um fenómeno que não tem fim à vista, continuará enquanto o futebol for o desporto favorito deste país", projeta António Costa Pinto.
"Os clubes são empresas com enorme impacto na opinião pública que, por vezes, vota".
Poder local não está incólume
A Imprensa dá destaque a casos nacionais, mas António Costa Pinto aponta comportamento "igualmente reprovável" entre clubes e autarquias locais. "Os fluxos financeiros, o trânsito entre dirigentes municipais e dirigentes de clubes mais pequenos, representam, quiçá, até uma promiscuidade maior", entende. A este nível, os dois contratos publicitários entre a Comunidade Intermunicipal da Região de Aveiro (CIRA) e a SAD do Beira-Mar chegaram a julgamento, mas os 13 autarcas envolvidos foram absolvidos, em julho de 2015.
Rui Rio negou festa portista
Se a tendência é andar de mão dada com o futebol, Rui Rio seguiu em caminho contrário. Ainda como candidato à Câmara Municipal do Porto, em 2001 - apontando críticas aos antecessores Fernando Gomes e Nuno Cardoso - apregoou que a política não se podia "resumir aos êxitos desportivos" e que estes não deviam ser usados de "forma sistemática e abusiva para promoção política pessoal".
Já na liderança da Câmara portuense, Rui Rio e o FC Porto trocaram galhardetes a propósito da obra do Estádio do Dragão e o mal-estar entre as duas entidades culminou com o facto de o clube não ter festejado a conquista de títulos na varanda dos Paços do Concelho. E isto aconteceu nove vezes nos 12 anos em que foi presidente da edilidade (de 2002 a 2013). A estas conquistas somaram-se títulos internacionais: Taça UEFA, Liga dos Campeões e Taça Intercontinental. Na perspetiva de António Costa Pinto, esta ação não lhe "é muito favorável".
Apesar da polémica, Rui Rio esteve três mandatos à frente dos destinos da Cidade Invicta. Mantém-se fiel ao princípio que politólogo entende não lhe ser "muito favorável".
"Rui Rio, no caso do futebol, como no caso, às vezes, dos meios de comunicação social, como noutros, tem uma dinâmica de choque que não lhe é favorável politicamente. Que aliás, o tem feito sofrer e danificar a sua capacidade enquanto líder do PSD, para ganhar eleições", considera o politólogo. Apesar de ter acontecido na função autárquica e hoje ser líder de um partido, estas "são marcas negativas para a progressão da sua carreira eleitoral ao nível do PSD", acrescenta. Rio continua a defender a separação entre política e futebol, e voltou a falar no assunto após os incidentes de Alcochete. É curioso que a última rentrée política tenha ficado marcada por um minitorneio de futebol, com Rio como jogador.
(continua)
CASOS
PS à boleia do Benfica
Cabeça de lista do PS às eleições europeias, Pedro Marques, publicou uma fotografia no Instagram, em que aparecia no Estádio da Luz, no Benfica-Galatasaray. As hashtags ligadas às eleições europeias geraram críticas e a imagem foi eliminada. Há dias, publicou de novo, mas em modo de apoio à Seleção.
Suspeitas por apoio de Figo ao candidato José Sócrates
Em 2009, um pequeno-almoço público com José Sócrates e uma entrevista ao "Diário Económico" levantaram suspeitas sobre Luís Figo. Porém, não foi provado em tribunal que o apoio do antigo futebolista ao então candidato a primeiro-ministro tenha sido comprado com dinheiros públicos do Taguspark, que adquirira os direitos de imagem do jogador por 750 mil euros.
Inquérito a Centeno pelos bilhetes do Benfica foi arquivado
Em 2018, notícias que assinalavam a coincidência temporal entre o pedido de bilhetes para um jogo Benfica-FC Porto por parte do ministro das Finanças Mário Centeno e a isenção de um imposto a um familiar de Luís Filipe Vieira levou o Ministério Público (MP) a abrir um inquérito. No entanto, o MP arquivou o caso dada a "não verificação de crime".
Deputados jantam com clubes
Todos os anos, realizam-se jantares entre deputados e as estruturas do FC Porto, Sporting e Benfica. Os dois primeiros acontecem no restaurante da Assembleia da República, ao passo que os deputados afetos ao Benfica jantam com a Direção do clube no restaurante do Estádio da Luz. Cada um paga o seu jantar e os deputados portistas suportam o custo da refeição da comitiva azul e branca. O Bloco de Esquerda mantém-se à margem.
Político, adepto e comentador
Da televisão à rádio, os políticos vestem a pele de comentador-adepto. Do CDS/PP há Diogo Feio, Telmo Correia, Hélder Amaral e Nuno Magalhães, este líder parlamentar, mas também presença ocasional. André Ventura, anteriormente ligado ao PSD e agora líder da coligação Chega, é outro exemplo.
Tiago Barbosa Ribeiro processou o Benfica
O deputado do PS, que chegou a apelar à intervenção do IPDJ no caso das claques do Benfica, foi acusado pelo clube de fazer parte de um esquema para atingir os encarnados. Em resposta, Tiago Ribeiro, processou o Benfica.
Santana Lopes no trono do leão
Político desde novo, Pedro Santana Lopes é também adepto do Sporting. Chegou à presidência do clube em 1995. Nas palavras do politólogo, Santana é um "exemplo de como o futebol aumenta a notoriedade de um político". Depois disso, foi presidente da Câmara da Figueira da Foz, de Lisboa, primeiro-ministro e provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
José Mendes em dois episódios
Em 2017, o festejo de um golo do Braga ao FC Porto por parte do secretário de Estado fez Pinto da Costa abandonar a tribuna. Já este ano, o ex-presidente da AG da Liga mostrou-se "esclarecido e envergonhado" depois das meias-finais da Taça da Liga.