ENTREVISTA (Parte 8) - Janeiro de 2020. Sérgio Conceição dá um murro na mesa com ares de ultimato depois da final da Taça da Liga. Oito meses depois, assume que resultou e não desmente que o alvo era a principal claque portista.
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De novidade em novidade, desde o campeonato ganho sem reforços até esta pré-época irregular. O saldo é positivo para o treinador do FC Porto, até porque é nas dificuldades "que se constroem grandes coisas".
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A nova realidade implica jogos da Seleção a meio da pré-época. Até que ponto complica o trabalho?
-É complicado e ainda por cima temos pouco tempo para preparar um início do campeonato que será difícil. Temos de jogar com todas as equipas, é verdade, mas é difícil. Jogamos com o Braga, vamos ao Bessa, recebemos o Marítimo e vamos a Alvalade nos quatro primeiros jogos. Temos de os jogar, se não fosse nesta altura seria noutra, mas são adversários fortes e vamos ter dificuldades. E eles também, porque vão defrontar o campeão nacional.
Começou por ser campeão sem reforços, depois jogou uma pré-eliminatória da Liga dos Campeões sem cinco titulares da época anterior, a seguir geriu a pandemia. Sente-se a trabalhar permanentemente sem rede?
-É uma boa questão. Todo o trabalho que se fez neste tempo de paragem foi fundamental para a conquista do campeonato. Tenho de deixar uma palavra para todos os que ajudaram. Temos diferentes departamentos que não são conhecidos e são importantes. A nível logístico, não foi fácil meter toda a gente a trabalhar da mesma forma, com a mesma intensidade, com o mesmo registo para cada um dos dias. Fazíamos microciclos normais dentro do anormal, porque trabalhar num apartamento não é a mesma coisa que o fazer num jardim. Foi um trabalho de muita gente, que permitiu aos jogadores voltarem bem. Devo realçar a nossa equipa técnica, que todos os dias falava com eles, cada treinador com um sector diferente. Fizemos várias videoconferências, trabalho de análise de adversários, da nossa equipa. Isso deu trabalho, precisávamos de uma plataforma que desse garantias. O Eduardo [Oliveira, preparador físico] nisso foi incansável, embora o mérito seja de todos. Estes três anos foram sempre a trabalhar dentro da dificuldade, sim, mas é aí que muitas vezes se constroem grandes coisas. Trabalhar no FC Porto é trabalhar dentro do espírito da dificuldade. Mesmo em tempos mais gordos a nível financeiro, havia dificuldades. Como dizia alguém, se fosse tudo fácil não era para mim. Já agora um abraço ao Rui Vitória [que utilizou essa citação].
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O desabafo que teve em janeiro, depois da Taça da Liga, ajudou a ganhar o campeonato?
-Foi o sentimento que tinha naquele momento.
Mudou alguma coisa?
-Melhorou e foi importante. Um clube não é só a Direção, um grupo de jogadores e staff. Também são os adeptos e tem de haver união.
Estava a falar dos SuperDragões?
-Fazem parte do clube. Os adeptos são os mais importantes de um clube. Se não há essa união, fica muito difícil.
"O OTÁVIO DIZ QUE PERDEU CABELO POR MINHA CAUSA"
Os talentos que venceram a Youth League procuram os seus espaços, e nem todos são claros. Jogadores como Fábio Vieira e Romário Baró são desafios iguais a outros que estão agora a dar frutos.
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Começou a época a apostar em Romário Baró, acabou-a a investir muito no Fábio Vieira, ambos a partir da direita. Com o Vítor Ferreira, mais Otávio e Nakajima, são muitos médios com posições indefinidas. Já tem ideia de como vai arrumar esses jogadores?
-Eles é que têm de me dar resposta sobre isso, dentro do que são os treinos. Usar o Nakajima ou o Otávio, ou outros, que são de corredor central numa ala é com um propósito. Não quero que cheguem à linha 30 vezes para cruzar, como chegam o Corona ou o Luis Díaz. Se tenho um ala mais vertical, do outro lado tenho um que equilibra mais e cria esse terceiro homem do meio-campo, sabendo que, dos dois da frente, um é mais de linha, como o Marega, e outro mais fixo, como o Tiquinho. Essa relação entre os jogadores é que faz uma equipa forte. Ouvi comentar, e é verdade, que entrávamos em 4x4x2 e depois passávamos para 4x3x3, precisamente por causa dessas nuances. O Nakajima é um jogador muito mais forte no corredor central, poucas vezes está sobre a linha e isso tem a ver com a dinâmica do jogo. Mais do que arrumar aquilo que é a posição de cada um é eles perceberem como é que se arrumam na ideia de jogo do treinador. Depois cabe-me a mim dizer. O Romário Baró, que fez a formação a 10, começou o ano na direita a fazer muito bem o que eu queria, teve uma quebra devido a uma ou outra lesão, mas sei o que me pode dar jogando da direita para dentro ou como 10. Conheço bem o que eles podem fazer, mas eles têm de perceber o que queremos em cada uma das posições, dependendo do sistema. Porque há um ou outro sistema alternativo que trabalhamos, com três defesas, por exemplo.
O Romário Baró não pode ser um segundo médio?
-Também pode ser e está a treinar nessa posição este ano.
"Na dinâmica da equipa, os outros não podem andar a cem e ele [Fábio Vieira] a passo"
Assume que, nesta geração, o Fábio Vieira é o seu maior desafio?
-Via-o na equipa B e é um pouco a imagem daqueles jogadores que têm pouca competitividade na formação. Tecnicamente é evoluído, tem grande capacidade, mas é preciso perceber que, depois de um bom passe de 20 metros, o centro do jogo fica a 20 metros de distância. Na dinâmica da equipa, os outros não podem andar a cem e ele a passo. Na formação, se calhar, isso funciona; no futebol ao mais alto nível não. Quando ele perceber que tem de dar um pouco mais de intensidade ao seu jogo... Ser intenso é estar sempre ativo no jogo e próximo da zona da bola. No início da construção, um médio consegue ser um elemento importante de ligação, mas depois, quando a bola entra no corredor, tem de se aproximar e equilibrar a equipa, para o adversário não sair. Ou então, se vê o outro médio fazer isso, aparece ele na área. Isso é intensidade, é a capacidade de estar sempre ativo. Não é correr à toa: é saber o que fazer. Não é estar num momento com a bola e no processo defensivo não fechar quando devia. Tem de ser mais consistente no seu jogo. É um desafio interessante, porque tem qualidade.
O Otávio é um exemplo dessa intensidade.
-O Otávio teve uma evolução fantástica nesse sentido. Sofreu muito, ainda agora me disse, a brincar, que perdeu cabelo por minha causa. Está um jogador diferente, completo, joga a 8, a 10 ou na ala com a mesma eficácia. É importante ser versátil dessa forma, perceber o jogo. Mas não podemos querer que um jovem, de um momento para o outro, seja um jogador perto da perfeição, ou completo.