Salvador e Vieira: o ano de 2003, um recorde, irritações e um presidente em duas academias
António Salvador e Luís Filipe Vieira são amigos de longa data e viraram clássicos de sucesso no dirigismo.
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Há um princípio para tudo e o ano 2003 deve ser fixado pelos adeptos do Braga e do Benfica, que se preparam para mais um jogo escaldante, na Pedreira, apontando para metas elevadas. Não era assim há 16 anos.
Em fevereiro, António Salvador assumia a presidência da SAD do clube minhoto, numa altura em que a equipa se batia somente pela sobrevivência no principal campeonato português; oito meses depois, era Luís Filipe Vieira a chegar à liderança dos encarnados, ainda a recomporem-se de três anos de gestão desastrosa de João Vale e Azevedo, sem saborearem títulos há nove épocas consecutivas e com José Mourinho a somar êxitos ao comando do FC Porto.
Esse mesmo ano não trouxe conquistas aos dois clubes, mas os dois novos presidentes, que eram amigos há algum tempo (conheceram-se por intermédio dos respetivos advogados), tinham planos bem definidos e os bons resultados não tardaram.
Foi, aliás, à boleia dessa amizade que Salvador arranjou o seu primeiro treinador. Após ter contratado o espanhol José António Camacho, que não aceitava a continuidade de Jesualdo Ferreira na estrutura do futebol, Filipe Vieira teve de encontrar colocação para o treinador português e sugeriu-o ao novo líder dos bracarenses, com a promessa de que os salários deste (35 mil euros mensais), respeitantes ao resto do contrato que tinha com o Benfica, seriam integralmente suportados pelo clube da Luz. António Salvador recebeu-o de braços abertos, ao mesmo tempo que deixava cair Carlos Carvalhal, e a época de 2003/04 terminou de forma festiva, com o Braga a apurar-se para a Taça UEFA através do quinto lugar no campeonato.
Já o Benfica, sob o comando de Giovanni Trapattoni, voltaria a conquistar um título na época seguinte e, numa luta titânica com o FC Porto, Luís Filipe Vieira fez tudo para que a chama dos encarnados não se apagasse. E não se apagou mesmo, pois nos últimos 15 anos o clube conquistou 20 troféus nacionais, disputando ainda duas finais da Liga Europa, ao mesmo tempo que foi somando milionárias transferências de jogadores. Não é por acaso que LFV se tornou no líder mais perene de sempre da história do Benfica. A correr por enquanto numa pista diferente, o Braga com a marca de Salvador também disparou tanto no plano desportivo como no mundo dos negócios, através de importantes vendas de jogadores. Além de ter participado duas vezes na Liga dos Campeões, venceu três taças e, de forma inesperada, em 2009/10 até deixou para trás Sporting e FC Porto na luta pelo título, o qual acabaria por ser conquistado, a muito custo, pelo Benfica. Tudo isto encheu de orgulho António Salvador, mas não chega. O presidente dos bracarenses quer mais, tendo já assumido o desejo de ser campeão nacional até 2020.
Em suma, Salvador e LFV estão para durar no futebol português e só têm à frente dois presidentes mais antigos na I Liga: Pinto da Costa, desde 1982 no FC Porto, e Carlos Pereira, desde 1997 no Marítimo. Volta e meia, zangam-se por causa de negócios perdidos, mas a amizade nunca foi posta em causa. Essa está bem blindada e deverá perdurar, seja qual for o resultado da partida deste domingo.
Amigos, amigos, transferência de Rafa foi um recorde à parte
A ideia de que os melhores negócios (com valores acessíveis) se fazem entre amigos não teve correspondência no caso de Rafa (na foto), a pedra preciosa do Braga que todos tentaram no verão de 2016. Foi o Benfica a vencer a corrida, mas teve de pagar bem pago o passe do médio-ofensivo (16,4 milhões de euros), porque António Salvador não facilitou durante as negociações com Luís Filipe Vieira. Foi a transferência mais cara de sempre entre clubes portugueses. "O que sei é que o Rafa é um enorme jogador. Se assim não fosse, não tínhamos tido Benfica, FC Porto e Sporting a tentar contratá-lo", chegou a comentar Salvador.
Salvador em duas academias
Poucos terão a experiência de António Salvador no que toca a construção de academias. A Cidade Desportiva do Braga, que era um dos sonhos do dirigente, começou a ganhar forma há um ano (ainda estão por erigir algumas infraestruturas) e tem tudo para rivalizar com as melhores, pois Salvador tinha a perfeita noção do que era indispensável criar. Esse conhecimento foi adquirido em 2004, quando a empresa Britalar, de que é proprietário, venceu o concurso para construir o Centro de Estágios do Seixal, o tal precioso ninho da águia onde cresceram João Cancelo, Rúben Dias, Renato Sanches, Bernardo Silva, Gonçalo Guedes e, mais recentemente, Ferro e João Félix, entre outros.
A obra encomendada pelo Benfica estava inicialmente orçada em 12,96 milhões de euros, mas a Britalar entendeu realizar obras adicionais, cobrando por isso mais 1,6 milhões e os problemas começaram precisamente por aí. Alegando que tais obras não estavam previstas no contrato, o clube da Luz recusou-se a pagar o montante em causa e nem o bom relacionamento entre Salvador e Luís Filipe Vieira ajudou a que o diferendo fosse ultrapassado rapidamente. O caso acabou na barra do tribunal, com acusações mútuas, e só em 2010 é que se chegou a um acordo extrajudicial entre Benfica e Britalar, comunicado então à 13.ª Vara do Tribunal Cível de Lisboa com "uma cláusula de confidencialidade" assumida pelas duas partes.
Uma irritação e depois outra
É uma espécie de praga que persegue António Salvador. Volta e meia, aparece o Benfica a acenar com melhores salários e contrapartidas financeiras superiores para os clubes e os jogadores desejados fogem por entre os dedos do presidente do Braga. Assim foi no verão de 2016, quando os encarnados desviaram o colombiano Celis, inicialmente comprometido com o Braga. Ciente de que a lei da melhor oferta é implacável no mundo dos negócios, Salvador revoltou-se em silêncio, mas já não calou a revolta em janeiro, na sequência das contratações do Benfica do médio Bernardo e do avançado Pedro Henrique ao Leixões, que estavam a ser negociados pelos arsenalistas, e disparou inclusivamente na direção de LFV. "O que sei é que o presidente do Benfica disse que não ia contratar os jogadores. Fiquei a saber que o Benfica contrata por capricho, não para se reforçar mas para impedir outros de se reforçarem", comentou.
Pontos altos com Salvador
Duas vezes na Champions
O Braga disputou a Liga dos Campeões em 2010/11 e 2012/13. Só por cada participação na fase de grupos encaixou cerca de 10,7 milhões de euros.
Segundo lugar no campeonato
O que tanto deseja António Salvador esteve perto de ocorrer em 2009/10. Os arsenalistas terminaram o campeonato em segundo lugar.
Presença na final da Liga Europa
A culminar uma campanha europeia memorável, iniciada na Champions, o Braga disputou a final da Liga Europa contra o FC Porto, em 2010/11. Perderam por 1-0.
Mais três Taças entraram no museu
O clube conquistou a Intertoto (2008/09), Taça da Liga (2012/13) e Taça de Portugal (2015/16).
Pontos altos com Vieira
Seis títulos festejados
O Benfica estava sedento de títulos e Luís Filipe Vieira não fez a coisa por menos. Deu-lhe seis nos últimos 15 anos e um inédito tetra.
Sete Taças da Liga foram para a Luz
Criada em 2007/08, a Taça da Liga tornou-se a praia preferida do Benfica. Em 12 edições, os encarnados ganharam sete vezes.
Três conquistas na final da Taça
Outra competição em que o Benfica não tem facilitado, apesar do domínio do FC Porto. Sob a presidência de Luís Filipe Vieira, ganhou três finais.
Quatro Supertaças para ganhar balanço
Só nas últimas cinco épocas, os encarnados ganharam três Supertaças. LFV saboreou este troféu, pela primeira vez como presidente, em 2005.