Diferenças ideológicas e outras menos dignas levaram à existência paralela de dois sindicatos entre 1978 e 1986, quando a criação da Associação Nacional de Treinadores de Futebol apaziguou a classe.
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Lutas dos treinadores tiveram fortes conotações políticas logo quando Cândido de Oliveira e Fernando Vaz conseguiram incluir a função no catálogo das profissões (e criar a carteira profissional). Mas foi depois do 25 de Abril de 1974 (celebram-se quinta-feira os 45 anos) que se inflamou a polarização Meirim (PCP) 'vs' Pedroto (PPD/PSD).
Francisco Marques (ex-treinador): "A agitação começou a partir de 1974. Há uma reunião em Lisboa muito puxada".
Comunistas de um lado, "democratas" do outro (militantes e simpatizantes do PPD/PSD, do PS e até de algumas organizações... comunistas, como a UDP, uma das três forças na génese do Bloco de Esquerda). Entre sensivelmente 1972 e 1986, os treinadores de futebol - na altura eram "místeres" - andaram em confrontos ideológicos (e outros mais comezinhos), com Joaquim Meirim de um lado e José Maria Pedroto do outro, para se sintetizar a ideia. Entre 1985 e 1986, as cisões sindicais foram apaziguadas com a criação da atual Associação Nacional de Treinadores de Futebol (ANTF), em que entraram 836 místeres dos dois lados da barricada. A seguir ao 25 de Abril de 1974 (celebram-se quinta-feira os 45 anos da Revolução dos Cravos) vieram anos muito quentes.
"A agitação começou a partir de 1974. Há uma reunião em Lisboa muito puxada e difícil, entre as correntes do grupo do Joaquim Meirim e o grupo do Fernando Vaz", recorda a O JOGO Francisco Marques, atual presidente da Junta de Freguesia de Santo António dos Olivais (Coimbra: 60 mil habitantes) e antigo treinador que levou a Académica à famosa final da Taça em 1969 (a recusa dos estudantes de saudar o Presidente, Marcelo Caetano, gerou confrontos e várias detenções).
Mas a história começa bem antes, na década de 60. Cândido de Oliveira e Fernando Vaz lutaram contra o Estado Novo até conseguirem que a carreira de treinador entrasse no catálogo de profissões, tendo sido criada a carteira profissional (só podia treinar quem a tivesse na sua posse). "Foi uma enorme conquista", cataloga Henrique Calisto, outra das personagens centrais nestas lutas sindicais e ideológicas de e entre treinadores. Ou místeres.
José Pereira (presidente da ANTF): "Com o STF/SNTF mais comunista, Pedroto criou um sindicato mais social-democrata".
A dupla de treinadores funda o Sindicato Nacional de Treinadores (SNT), que abala com escândalos de desvio de fundos e outros pecadilhos que não uniam a classe. Fernando Vaz ainda transforma o SNT em SNTF: Sindicato Nacional de Treinadores de Futebol, mas as divisões e desconfianças continuam. Já em 1978, o carismático José Maria Pedroto cria uma vaga de fundo e nasce o SIMBOL, com o Zé do Boné como presidente da Assembleia Geral e Vaz na presidência da Direção (quando já tinha deixado os bancos e era jornalista, entre outras vidas). "Aparece com o Pedroto, tal como a guerra Porto-Lisboa. E o Pedroto queria tirar a Lisboa o poder sobre o sindicato [sediado no Porto] e ganha a guerra, porque hoje a ANTF está sediada no Porto. Foi uma grande conquista do SIMBOL", prossegue Chico Marques, como é tratado carinhosamente no mundo da bola.
Outra figura histórica do futebol e destas lutas foi Nicolau Tolentino, pujante treinador de divisões inferiores (sobretudo da distrital de Lisboa) e hoje presidente do Núcleo de Lisboa da ANTF. "O STF passa a SNTF antes do 25 de Abril para combater os comunistas. Estes ficaram bloqueados e sem fundo de maneio. Até houve um assalto à sede. Sem sede e base de apoio, geraram-se condições para o aparecimento do SIMBOL. O Pedroto era uma figura mais central, porque tinha o apoio do Norte e, no Sul, a malta não se preocupava. Mas a mola real era o Fernando Vaz", conta o veterano de 80 anos.
836 - Número de treinadores sócios fundadores da ANTF após a fusão do SNTF com o SIMBOL.
"Havia uma polarização política: com o STF/SNTF mais comunista, Pedroto criou um sindicato mais social-democrata", recupera o atual presidente da ANTF, José Pereira.
"Houve algumas dúvidas quanto à organização e gestão dos sindicatos. E como o Calisto estava no Salgueiros, fazíamos lá reuniões; estavam o Calisto [SIMBOL], eu [SIMBOL], o José Sarmento [STF], o Carlos Veiga [STF], o Octávio Machado [SIMBOL], o Nascimento Rodrigues [STF], o Jorge Leal [STF] e o Nelo Barros [SIMBOL]. A primeira reunião foi a 29 de abril de 1985", precisa o representante dos místeres (agora quase só para os jogadores). "Em 1985 extinguiram-se o SNTF e o SIMBOL, numa famosa assembleia conjunta na Casa do Desporto, na Boavista [Porto], e criou-se a comissão instaladora da ANTF. A 14 de janeiro de 1986 é constituída, com a entrega dos estatutos no Ministério do Trabalho e da Segurança Social", pontua José Pereira.
"A 14 e de 15 junho realiza-se o I Congresso da ANTF no auditório do Estádio de Coimbra, local organizado por mim e que marca o início da atividade efetiva da ANTF", concluiu Francisco Marques.
5980 - Número de treinadores sócios da ANTF em abril de 2019. Mas entram novas inscrições todos os dias.
TRÊS QUESTõES A HENRIQUE CALISTO (Treinador, membro do SIMBOL, foi filiado na UDP e no PS e o primeiro presidente da ANTF)
1 - Houve muita política nas lutas sindicais dos treinadores?
- Antes de mais é preciso explicar que na década de 1960, Cândido de Oliveira e Fernando Vaz lutaram durante o Estado Novo para que a carreira de treinador entrasse no catálogo de profissões. E conseguiram-no. Foi criada a carteira profissional antes do 25 de Abril, o que era uma enorme conquista. Aliás, a partir dali quem não tivesse carteira não podia treinar. Tirava-se a formação no Ministério do Trabalho.
A CGTP, afeta ao PCP, defendia a unicidade sindical e é aí que surge a UGT [fortemente ligada ao PS], já com o Torres Couto, pela liberdade de escolha.
2 - Mas há uma espécie de confronto ideológico Pedroto-Meirim?
- O Pedroto sai em confronto com a propensão política do SNTF, vincadamente comunista e protagonizada pelo Meirim e pelo Manuel de Oliveira. É preciso não esquecer que o Pedroto era amigo pessoal do Sá Carneiro e estava ligado ao PPD/PSD [foi militante do partido fundado e liderado por Francisco Sá Carneiro]. O SIMBOL é criado e eu sou um dos vice-presidentes da Assembleia Geral, com o João Mota, o António Morais e o Quinito. O presidente era o Pedroto. A marca era Pedroto, era PPD. É preciso não esquecer, repito, que era amigo pessoal do Sá Carneiro.
3 - Houve outras razões para a cisão?
- Antes de tudo, o Pedroto era pela antipartidarização; era pelos treinadores e pela unidade sindical. Fui o primeiro presidente da ANTF e presidente da comissão instaladora. A luta continuou sempre com o Meirim (PCP) como candidato alternativo à lista da linha ANTF (democracia, liberdade).